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06/04/2003 - 11h20

Reforma agrária do governo Lula imita o plano de Sarney

JOSIAS DE SOUZA
Diretor da Folha de S.Paulo, em Brasília

Documentos oficiais revelam: vendida como projeto "do século 21", a reforma agrária do governo Lula imita uma iniciativa arcaica. Chama-se PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária). Foi concebido em outubro de 1985, sob o governo José Sarney.

O plano do ex-presidente baseou-se em lei ainda mais remota: o conhecido Estatuto da Terra. É de novembro de 1964. Traz a assinatura do general Castello Branco (64-67), primeiro mandatário do ciclo militar.

A política fundiária de Luiz Inácio Lula da Silva começou a ganhar forma entre 5 e 8 de março, num encontro apelidado de "Oficina de Planejamento e Gestão".

Deu-se no município goiano de Pirenópolis, longe da curiosidade de jornalistas. O resultado foi ao papel em 25 de março.

Não é ainda um plano acabado. O título -"Termos de Referência"- empresta-lhe um ar de um esboço. É o primeiro passo rumo à "reforma do século 21", como a define o ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário).

A Folha obteve cópia do documento. Esmiuçado em planilhas eletrônicas, foi exposto em seminários promovidos pelo Incra, na semana passada.

Embora não tenham dado crédito à fonte, os técnicos a serviço de Rossetto beberam do decreto 91.766, que instituiu o PNRA de Sarney.

Foi baixado numa época em que redemocratização brasileira engatinhava. O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) começava a consolidar-se nacionalmente, sob o lema "terra não se ganha, se conquista". Em resposta, surgiu a UDR (União Democrática Ruralista). O embate entre as duas forças ateou fogo ao campo, freando a reforma da "Nova República".

Pai de Graziano

Um detalhe genético liga o plano de Sarney à Brasília de Lula. O documento foi redigido sob a coordenação do presidente do Incra de então, José Gomes da Silva. Vem a ser pai de José Graziano da Silva, ministro do Fome Zero.

A reportagem comparou os dois programas. Pinçou-lhes frases que não deixam dúvidas quanto à prática de uma espécie de plágio administrativo. Contêm filosofia idêntica. Baseiam-se nos mesmos pilares. Eis alguns deles:

1) desdobramento do Plano Nacional de Reforma Agrária em planos regionais;

2) definição de áreas prioritárias para efeitos de reforma agrária;

3) obtenção de terras em áreas de conflito, onde haja concentração de acampamentos de sem-terra;

4)assentamento dos trabalhadores preferencialmente nas áreas onde se encontram;
5) reformulação do aparato jurídico;

6) primazia absoluta à desapropriação como forma de obter terras;

7) valorização do cooperativismo e do associativismo rural;

8) recuperação de assentamentos antigos;

9) fortalecimento do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária);

10) amplo envolvimento dos movimentos sociais.

A papelada manuseada pela Folha apresenta as primeiras metas do novo governo para o ano de 2003. Lula quer assentar 60 mil famílias até dezembro. É nada se comparado ao número de pessoas que, pelas contas do MST, demandam terra: perto de 5 milhões de famílias.

Os planos do PT vêm à luz natimortos. Falta-lhes o essencial: dinheiro. Antes de assentar é preciso desapropriar fazendas. Desapropriação exige indenização. O ministro Rossetto dispõe de R$ 250 milhões. Com sorte, conseguirá levar à terra 27 mil famílias.

Havia mais dinheiro: R$ 462 milhões. Os cortes prescritos pelas autoridades econômicas comeram R$ 212 milhões. Não se deve, porém, pôr toda a culpa na tesoura do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda).

O time de Rossetto estima que a expropriação de solo bastante para plantar 60 mil famílias (1,9 milhão de hectares) custaria R$ 1,2 bilhão. Ou seja, faltaria verba de qualquer jeito. Buscam-se alternativas.

Os papéis oficiais mencionam três caminhos: aproveitar lotes vagos em assentamentos já existentes, retomar terrenos ocupados indevidamente e usar terras públicas.

Ainda que tudo dê certo, a gestão Lula continuará flertando com insucesso. Terá de transpor outro obstáculo monetário. Falta verba também para financiar a vistoria de terras. Estima-se que, até o final de 2003, serão necessários R$ 21,7 milhões. Há em caixa R$ 8 milhões. Conta-se com uma hipotética suplementação orçamentária.

Admitindo-se que a nova dotação se materialize, a pasta de Rossetto ainda não terá se livrado do risco de malogro. Assentadas as 60 mil famílias, o governo terá de dar-lhes crédito: R$ 8.600 para cada uma. R$ 516 milhões no total. Estão disponíveis R$ 247,8 milhões.

Além de implantar assentamentos novos, Rossetto deseja recuperar os antigos. Até o final de 2003, espera beneficiar 40 mil famílias já assentadas. A documentação diz que foram lançadas à terra pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sem condições mínimas de sobrevivência.

Falta-lhes assistência técnica, habitação, água, luz e estradas. De novo, as boas intenções tropeçam na falta de numerário. O resgate parcial foi orçado em R$ 161,8 milhões. Contra uma disponibilidade de R$ 134 milhões.

A despeito da penúria e do arcaísmo, os planos agrários do governo agradaram à platéia que participou dos seminários em que foram expostos na semana passada. Reuniram técnicos do governo, representantes de organizações como o MST, sindicalistas e olheiros de Estados e municípios.
 

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