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21/09/2003 - 09h09

Matadores espalham medo em cidade do PA

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MAURÍCIO SIMIONATO
da Agência Folha, em São Félix do Xingu

Uma cidade sem lei, onde homens andam armados na rua sem ser incomodados pela polícia e a maioria das pessoas vive assombrada pelo medo. Assim é São Félix do Xingu, palco da maior chacina no campo no governo Lula.

A cidade paraense é a segunda maior do país, com 84,6 mil m2, quase o tamanho de Portugal. Pelo menos 70% das terras na zona rural do município são griladas, segundo dados da Secretaria do Meio Ambiente da cidade.

Há nove dias, as polícias Civil e Militar caçam os suspeitos de matar, com tiros à queima-roupa de escopeta calibre 12, sete trabalhadores rurais e um comerciante da cidade. Na sexta-feira, a Polícia Civil tinha nove suspeitos identificados. Os trabalhadores foram mortos quando faziam a limpeza da área para plantar capim.

Um exemplo da ousadia dos matadores: mesmo com a presença de pelos menos 50 policiais na região, os mesmos pistoleiros perseguiram, em uma camionete branca três dias após o crime, o trabalhador rural Elvis Moura, que teria vendido a terra grilada para o fazendeiro Antonio Vieira da Silva, morto na chacina.

"Meu irmão foi perseguido por homens encapuzados. Ele fugiu e me disse que nunca mais voltará", disse L.G., 24, que praticamente vive escondido entre os 2.500 moradores da Vila Taboca.

Segundo moradores, um mês antes da chacina, Luiz Olho de Gato, que seria um dos matadores mais conhecidos da cidade, invadiu o hospital municipal da cidade com um revólver 38 em punho e assassinou outro pistoleiro, que estava ferido à bala no leito. Hoje, afirmam os moradores, ele passeia pelas ruas da cidade.

Apontado como um dos maiores traficantes de drogas do país, Leonardo Dias Mendonça era uma das figuras carimbadas da cidade até o ano passado, quando foi preso pela Polícia Federal.

Dono de vastas fazendas e milhares de cabeças de gado, Mendonça também possui estabelecimentos comerciais na cidade, conforme a Agência Folha apurou no cartório municipal. Nas ruas da cidade, pode-se encontrar facilmente quem defenda a inocência do traficante.

Com 34.621 habitantes (censo de 2000) --22.091 na área rural-- , São Félix do Xingu possui 27 vilas ou distritos isolados no meio da mata e tem 20 policiais militares. A chacina ocorreu perto da Vila Taboca, que tem quatro PMs com um revólver cada um.

"Só quero Justiça. Quando ouço qualquer barulho à noite fico com medo, e nossos quatro filhos estão traumatizados com tamanha brutalidade. Só penso em ir embora daqui e não quero nem saber quem fez isso", disse a viúva de um dos mortos na chacina, que pediu para não ser identificada com medo da ação do que chama de "máfia da grilagem de terras".

Dos oitos corpos, seis foram deitados de bruços e mortos com tiros na cabeça. A Agência Folha viu as imagens feitas pela polícia no local após os crimes. O fazendeiro Antonio Vieira da Silva foi torturado com coronhadas, além de levar vários tiros na cabeça. "Foi a coisa mais horrível que vi na minha vida. Quando cheguei ao local do crime, não acreditei na cena", disse o mototaxista Gerson Pereira dos Santos, 18, o "Tiziu", que ajudou a levar um dos corpos para a Vila Taboca.

Estrutura precária

Por causa da falta de estrutura policial, quatro dos corpos foram levados de carroça até o vilarejo, e o restante, em quatro motos, entre o piloto e um carona. De lá, os corpos seguiram até São Félix do Xingu em um caminhão emprestado por um dos moradores em uma viagem de cinco horas.

A falta de estrutura também fez com que seis corpos fossem analisados a céu aberto no cemitério da cidade pelos peritos do IML (Instituto Médico Legal). Os outros dois corpos, em estado avançado de decomposição, foram enviados a Belém em um avião da FAB (Força Aérea Brasileira).

"Vou entrar com uma ação contra o governo do Estado, pois meu pai foi enterrado como um indigente. Foi uma grande falta de respeito. O corpo de meu pai ficou três dias a céu aberto jogado no cemitério até ser enterrado", disse Edvan da Silva Braga, 38, filho de Pedro Formiga Braga, 64.

Pistolagem

Há dois anos, o procurador federal Felício Pontes esteve na região e identificou os principais problemas em São Félix do Xingu. "Lá é necessário um zoneamento territorial completo. Temos reservas indígenas, reservas extrativistas e florestais. Todas as terras estão sendo invadidas e, enquanto o Estado não se fizer presente, as mortes por disputas de terras continuarão acontecendo."

Um outro procurador, que está ameaçado de morte, preparou um relatório detalhado com os nomes de todos matadores de aluguel, intermediários e mandantes da máfia da grilagem. Ele esteve no local há dois meses.

O fazendeiro e madeireiro João Cléber de Sousa Torres é o principal acusado de ser o mandante dos crimes por disputa de terras em São Félix do Xingu, segundo o relatório. Todos os matadores de aluguel apontados como suspeitos também constam no relatório.

Diz o relatório: "A região de São Félix do Xingu e Altamira encontra-se dominada pela presença ativa do crime organizado". E mais: "João Cleber de Sousa Torres e Francisco de Sousa Torres (Torrim) são os comandantes do crime organizado na região de São Félix do Xingu. À frente da cúpula agem e promovem a invasão, ocupação e grilagem de terras públicas; são donos da madeireira Impanguçu Madeira e Maginga. Pelo perigo que representam são muito temidos na região".

Cleber e Torrim não foram localizados na cidade. Ele e o empresário Tadeu Bitar, 48, são os principais suspeitos de serem os mandantes da chacina ocorrida neste mês. Bitar nega. "Não tenho nenhum envolvimento com isso e nem tenho terras mais na região", disse, em depoimento à polícia.

Para o delegado que preside o inquérito, José Alcântara, Bitar tem mesmo terras na região e é um dos mais citados nos mais de dez depoimentos já colhidos pela polícia nas investigações. "A informação que temos até agora indica que Tadeu Bitar tem terras lá, ao contrário do que disse. Estamos apurando o tamanho de suas terras e até onde vão os limites das posses dele", disse o delegado.

Acesso difícil

Para chegar de São Félix do Xingu até o local onde ocorreram as mortes, são dois dias de barco ou 24 horas de carro, sendo que nos últimos 12 km só é possível chegar com moto com tração.

"Próximo do local da chacina, houve outro homicídio e uma tentativa de homicídio poucas semanas atrás. Temos informações de que outros assassinatos ocorridos lá nem sequer chegam ao conhecimento da polícia, pois muitas famílias têm medo de denunciar", completou Alcântara.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Félix do Xingu, Luís Pereira Carvalho, denunciou a existência de uma suposta lista de marcados para morrer com 20 nomes. "São Félix do Xingu é um terra de ninguém. É abandonada. Toda semana tem uma morte por disputa de terras ou por causa de trabalho escravo. É um verdadeiro faroeste e a polícia geralmente está do lado dos mandantes. Com certeza haverá mais mortes", afirmou.

Na semana passada, o ouvidor agrário do Pará, Otávio Maciel, admitiu a existência de um poder paralelo na região, controlado por mandantes de crimes e matadores de aluguel. As polícias Civil e Militar negam o envolvimento com fazendeiros mandantes, mas possuem uma estimativa de que pelos menos cem pistoleiros agem na região por encomenda. Cada um cobra entre R$ 1.000 e R$ 5.000 por morte.

Para o delegado-geral de polícia do Pará, Luís Fernandes, não há omissão do Estado na segurança. "A região é muito vasta. Não há como vigiar todos os pontos."
 

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