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07/05/2006 - 09h12

Sete em dez eleitores não lembram voto

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MAURICIO PULS
da Folha de S.Paulo

Por que os maus deputados são reeleitos por seus eleitores? Porque esses eleitores nem se lembram em quem votaram. Como explica o cientista político Alberto Carlos Almeida, quem não se lembra em quem votou não pode fiscalizar seu representante.

Em seu ensaio "Amnésia eleitoral: em quem você votou para deputado em 2002? E em 1998?", publicado no livro "Reforma Política: Lições da História Recente" (FGV), Almeida revela que 71% dos eleitores esqueceram em quem votaram para deputado federal quatro anos antes e outros 3% citam nomes inexistentes. Essa amnésia começa cedo: dois meses após a eleição, 28% já não se recordam de seu candidato a deputado federal, e 30%, em quem votaram para deputado estadual (os dados constam do Estudo Eleitoral Brasileiro conduzido pela UFF e pelo Cesop/Unicamp).

Professor da Universidade Federal Fluminense e diretor da Ipsos Public Affairs, Almeida mostra que o esquecimento não se distribui de forma aleatória: ele diminui à medida que aumenta a escolaridade do eleitor.

Mas, mesmo entre as pessoas com nível superior, 53% não se lembram do voto para deputado federal dado quatro anos antes. Outros fatores, portanto, pesam nesse resultado.

Para Almeida, o principal deles é o sistema eleitoral brasileiro, no qual o eleitor é induzido a votar em indivíduos, e não em partidos, sendo obrigado a escolher um nome entre centenas de candidatos. Nisso reside o drama do eleitor brasileiro, que, embora menos escolarizado do que o britânico, é mais exigido na hora de votar: na Grã-Bretanha, com um voto forma-se todo o governo; no Brasil de 2006, serão necessários cinco votos. Não é de estranhar que as taxas de amnésia eleitoral sejam mais altas no Brasil. Para atenuar esse problema, Almeida sugere mudanças no sistema eleitoral:

Folha - O sr. observa que o sistema brasileiro propicia uma elevada amnésia eleitoral, pois obriga um eleitor em geral pouco escolarizado a escolher um deputado entre centenas de candidatos. Quais seriam as mudanças legais mais eficazes para reduzir o esquecimento e, com isso, permitir que os eleitores fiscalizassem melhor o desempenho dos deputados?

Alberto Carlos Almeida - Duas mudanças. Ou uma, ou outra, ou as duas. Uma mudança: alterar o sistema eleitoral para proporcional com voto em lista. Isto significa que o eleitor votaria no partido. É muito mais fácil lembrar o partido do que o nome de um candidato. São centenas de candidatos, mas apenas uns poucos partidos grandes. Uma parte grande do eleitorado tende a repetir o voto. Votar sempre no PT, PMDB, PSDB ou no PFL. Assim, depois de duas ou três eleições repetindo o voto, é mais fácil lembrar em quem votou do quando se vota no nome de uma pessoa.

A outra mudança: adotar o sistema eleitoral distrital. O voto é na pessoa, mas são poucos candidatos por distrito. Mais importante do que isto: o candidato eleito mantém um contato permanente com o distrito. O que faz com que seus eleitores lembrem dele. Em geral, o candidato derrotado ou o oposicionista do distrito também precisa ter um contato freqüente, o que ajuda a lembrar o seu nome.

As duas mudanças ao mesmo tempo: adotar o sistema misto do tipo alemão. Há distritos e voto distrital e o voto proporcional não é na pessoa, mas no partido.


Folha - Alguns Estados brasileiros (Rio Grande do Sul, Goiás, Santa Catarina) possuíam, na República Velha, um mecanismo legal (o recall) que permitia que uma parcela do eleitorado solicitasse a cassação de um deputado. Esse mecanismo, porém, acabou não sendo utilizado devido à ausência do voto distrital. O sr. não acha que a representação proporcional, em si, já dificulta bastante qualquer forma de fiscalização do Legislativo pelo eleitor?

Almeida - A fiscalização é maior no sistema proporcional quando o voto é no partido. O partido é que é recompensado, no caso de bom desempenho, ou punido, no caso de frustração de quem votou nele. Além disso, o sistema atual educa o eleitor a ser personalista, porque pede que o eleitor vote na pessoa. Caso o sistema seja alterado o eleitor será lentamente reeducado, nesse caso, a votar pensando em instituições: os partidos políticos. No longo prazo, a pessoa do candidato perde valor e os partidos serão mais valorizados.

Folha - Comparando seus dados sobre a eleição de 1998, é possível notar que a taxa de esquecimento do senador é três vezes a do presidente, uma diferença que não pode ser explicada pelo número de opções, pois o leque de candidatos ao Senado também é pequeno. Essa variação não estaria ligada às diferenças de poder entre os ocupantes do Executivo e do Legislativo, pois os primeiros influem mais decisivamente na vida cotidiana do eleitor e possuem um grau de exposição na mídia muito maior?

Almeida - Sem dúvida nenhuma. Isso retrata a enorme importância que o eleitorado confere aos governadores, um cargo executivo, vis-à-vis a pouca importância conferida aos senadores. Aqueles que ocupam cargos executivos são vistos como as pessoas que realmente podem fazer alguma coisa pela população. São eles que executam. Em geral, um deputado de sucesso precisa fazer a mesma coisa, precisa se comportar como fosse prefeito, "executando" obras ao obter no orçamento recursos financeiros para a construção de pontes, pavimentação de ruas etc.

Folha - Se a amnésia do eleitor aumenta à medida que diminui o poder real do político escolhido, o sr. não acha que, num sistema presidencialista com representação proporcional, a taxa de esquecimento do nome dos deputados sempre será elevada --como sugere a tabela que mostra que 53% dos eleitores com nível superior não lembravam o nome do deputado votado, enquanto outros 3% citavam nomes inexistentes?

Almeida - O eleitorado de outros países que adotam a votação proporcional, mas que o voto é em lista partidária e não nos candidatos, esquece muito menos em quem votou. Note-se que no Brasil e na Polônia o esquecimento é maior. Isso acontece por causa das instituições, e não porque as populações desses países têm alguma deficiência mental que afete a memória. Entre distribuir ginkobiloba maciçamente para a população ou mudar o sistema eleitoral, a medida mais eficaz para ajudar o eleitor a lembrar em quem votou é modificar as regras eleitorais. O nosso sistema não é feito com a preocupação de facilitar a vida do eleitor. Pelo contrário, ele facilita a vida do político pouco atuante.

Para ele, cada eleição é uma nova eleição. Por outro lado, dificulta muito a vida do político atuante. Ele tem que fazer um grande esforço para mostrar que foi atuante, simplesmente porque a maioria das pessoas não lembra que votou nele.

Folha - A Câmara dos Deputados estuda agora a adoção do voto aberto na cassação dos deputados. O sr. acredita que essa medida pode contribuir para que o eleitor fiscalize melhor o Congresso?

Almeida - A melhor medida para facilitar que o eleitor fiscalize o Congresso é permitir que o eleitor se lembre mais facilmente em quem votou. O voto aberto nas cassações tem grande impacto na dinâmica das votações na Câmara e no Senado, mas tem menos importância na fiscalização. De toda sorte, contribuiria para que os legisladores votassem mais de acordo com a pressão do eleitorado do que com as negociações políticas do Poder Legislativo.

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