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14/09/2006 - 02h37

FHC contra-ataca e defende carta aos eleitores do PSDB

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SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo, em Washington

No dia 7 de setembro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) publicou no site do PSDB uma carta dirigida aos eleitores de seu partido. Nas sete páginas, sobrava um pouco para todos: do senador tucano Eduardo Azeredo, acusado de operar caixa dois na campanha de 1998, ao próprio PSDB, passando, obviamente, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o mensalão.

Desde então, FHC se recolheu e viu o circo pegar fogo, enquanto se esgueirava de balas disparadas pelo governo, pela oposição e por seu próprio partido. Foi chamado de "velho" (por Cláudio Lembo, governador de São Paulo) e acusado de "ação desagregadora" (por Aécio Neves, de Minas). A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, viu "desespero" no que o candidato petista ao governo paulista, Aloizio Mercadante, enxergou "despreparo".

De passagem por Washington e a caminho de Austin, Texas, onde lançaria a segunda edição em inglês de sua biografia, "The Accidental President of Brazil" (o presidente acidental do Brasil), Fernando Henrique Cardoso falou com exclusividade à Folha e partiu para o contra-ataque. Leia os principais trechos:

FOLHA - O sr. vê as eleições como jogo jogado? Daí a carta?
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO - Não, é o contrário, acredito que vamos para o segundo turno, faço um chamamento para que nós defendamos com força nossas posições. Não é o meu pensamento.

FOLHA - Não vê Lula reeleito?
FHC - Acho que nós vamos para o segundo turno. Mesmo com pesquisa ou sem pesquisa. Veja a questão do desarmamento: todo o mundo dizia que ia dar o "sim". Deu "não". Existe um sentimento difuso contra o governo, e talvez por isso essa carta tenha provocado tanta reação. Ela dá um choque, diz: "Olhe aqui, é uma coisa grave o que está acontecendo no Brasil, ninguém se sente mais indignado com tanto horror perante os céus".

FOLHA - O sr. previa a reação?
FHC - Não, não, não. E não fiz para isso. Basicamente, é um chamamento ao PSDB e seus partidários no sentido de retomar sua linha programática.

FOLHA - O sr. acha que o partido abandonou o programa?
FHC - Não, não digo isso. Estou dizendo que é necessário, de certa maneira, estar reavivando. Não tem nenhuma relação com campanha, o que falo sobre nosso candidato é só para defendê-lo, para dizer que é bom. O que falo sobre o governo não sou eu quem fala, é o procurador-geral da República, são fatos conhecidos, que escandalizam todo mundo, mas que estão no relatório do procurador-geral. É que, naturalmente, como agora tem eleição, isso pode chamar a atenção para o fato de que estamos aí diante de uma situação anômala.

FOLHA - E a reação?
FHC - A reação, inclusive de alguns companheiros meus, mostra que nós precisamos fazer mais política no Brasil.

FOLHA - O sr. poderia comentar especificamente? O governador Aécio Neves (PSDB-MG) disse que a carta é "desagregadora"; o vice-presidente, José Alencar, pediu que o senhor apresentasse as provas...
FHC - Se é que o governador Aécio realmente disse isso, não deve ter lido a carta. Porque mesmo quando eu me referi ao senador Azeredo, foi chamando-o de uma pessoa decente.

FOLHA - O senador Eduardo Azeredo [acusado de praticar caixa dois na campanha de 1998], aliás, é um dos únicos do PSDB que o sr. cita pelo nome.
FHC - Mas por quê? Porque eu estou criticando tão duramente o comportamento do PT e do governo que, ou eu digo que nós deveríamos também ter um comportamento mais estrito, ou não tenho força moral para criticar. E faço a distinção entre caixa dois e mensalão. De modo que não entendo por que chamar a isso de desagregação, se o que estou pedindo é que se juntem todos ao redor de um conjunto de valores e defendam com força as idéias.

Já o governo não tem o que dizer. Quando não tem o que dizer, não tem como se defender, porque não é a mim, é ao procurador-geral da República. É nos tribunais que está a questão, não é mais uma questão política, mas de polícia. Deve ser tratado como crime. Aí, eles só têm de desviar, como disse a Dilma, que eu tenho reminiscências do militarismo. Ela não leu a carta.

O povo está vendo o quê? Dois anos de escândalos. Agora, você falar disso é ter resquício de militarismo. Tenha paciência. Tem de tirar as conseqüências disso. Está errado esse negócio. Já o vice-presidente não sei o que disse e, também, o que ele diz não chega a alterar o curso da história. [sorri]

FOLHA - Mas por que a carta agora, a dias das eleições?
FHC - Em política tem de ter coragem. Mesmo que as coisas doam a quem pronuncia ou a seus amigos, têm de ser ditas, em certos momentos. Não de uma maneira agressiva, que eu não sou agressivo. Mesmo no governo, não tem uma palavra minha, um adjetivo xingando o Lula, nunca. Eu digo outras coisas, descrevo situações, digo que não foi responsável, não demitiu o ministro na hora oportuna, isso é outra coisa, é julgamento de fato, não estou julgando a intenção dele nem a qualidade moral dele.

Muita gente fica dizendo: qual é a diferença? Minha carta diz: somos diferentes. Não porque somos melhores ou porque somos "éticos", como o PT fazia, mas objetivamente: queremos isso, isso e isso. É uma carta que não é pretensiosa, não é um programa, é só para chamar atenção para uma atitude, uma postura. Em política, você tem de ter postura, você pode ganhar ou perder, mas não pode perder a cara. Minha intenção era dizer: a cara do PSDB é essa.

Você pode dizer, "não, não é essa, eu prefiro com uma barba maior ou sem barba", mas a minha intenção era dizer: é essa a cara. Tem outra? Então me diga qual é. Quem sabe eu esteja de acordo, mas tem de ter cara. Porque aí você entra numa campanha deixando marca. Quero mostrar a marca do PSDB. E, diante de um país que nesse momento passa pela fase que o PT se dissolveu no processo de governar, perdeu sua face, é o momento de reafirmar nossa cara. Como é que vai chamar de desagregador isso? Só não tendo lido.

FOLHA - Mas e o peso extra que ela tem, por ser de um ex-presidente a dias das eleições?
FHC - Mas tudo o que eu falo ganha esse peso. Sou ex-presidente! Não respondo nem a essas provocações baratas, como a que fez o Aloizio [Mercadante, candidato do PT a governador de SP], ao dizer que eu estou enciumado porque não estou na campanha. Não estou porque não quero, não acho apropriado, não estou agindo eleitoreiramente, estou agindo responsavelmente como um político que é ex-presidente da República e além do mais tem certo pensamento.

O outro lá acha que é porque eu não quero comparação com o governo Lula. Absolutamente, eu comparo na carta. Quer dizer, acho que a comparação não tem sentido mesmo, cada momento é um momento, mas de qualquer maneira eu defendo o nosso legado, o PSDB tem de defendê-lo.

FOLHA - Mas na sua comparação o PSDB se sai melhor...
FHC - Não sei se melhor ou pior, cada um teve um momento da história. Mas o governo Lula seguiu as linhas que nós abrimos, umas melhores, outras piores. Eu fico torcendo para que siga bem, não para que siga mal. Agora, o fato de eles cuspirem no prato que comeram, dizerem que não estão seguindo, é problema deles.

Eu poderia me poupar, mas não sou estátua, não quero ser. Aí, o pessoal diz "um ex-presidente". Ora, quando um ex-presidente faz discurso louvando-os, eles acham magnífico. Exatamente porque sou ex-presidente tenho obrigação de dizer com força o que penso num momento difícil do Brasil, pela dissolução das forças políticas e pelo fato de que o próprio presidente da República colocou de lado o partido dele, quanto mais o dos outros.

FOLHA - O sr. faz distinção entre mensalão e caixa dois. Ambos são crimes. Porque um seria menos condenável do que o outro?
FHC - Todos são condenáveis. O mensalão, entretanto, é corrupção das instituições, é crime de responsabilidade. Está na lei de 1950, um dos itens é corrupção dos poderes. É o crime mais grave, politicamente falando, da República: corrupção da instituição, não só das pessoas. É sem comparação de gravidade.

FOLHA - Mas isso não tira o crime da prática do caixa dois.
FHC - Na carta, digo que nós aqui também temos de ter cuidado, porque, por causa de uma pessoa decente que é o Eduardo [Azeredo], nós paralisamos, deixamos confundir coisas, que não são confusas, não devem ser confundidas, estou defendendo que não devem ser confundidas.

Agora, o grande jogo político do governo é dizer: "Olha, é tudo igual, o crime venial, não houve nada". Não senhor, não é tudo igual, a responsabilidade é pessoal, moral, não é do sistema, é das pessoas. O sistema está errado, também, vamos corrigi-lo. Mas quem roubou, roubou, vai para a cadeia. É isso.

Mensalão é uma coisa gravíssima, porque envolve o Congresso. Paga dinheiro, e não é só isso: quem fez? Os líderes do partido que estavam no governo? É o que diz o procurador da República, nomeado pelo presidente, não vi a papelada. Qual é a responsabilidade do presidente? Dizer que não viu nada. Mas mesmo que não tivesse visto é responsável. Tinha de ter visto. Tinha de demitir depois que soube. Não demitiu ninguém. Ninguém. Pediram exoneração. E ele ainda vem e diz: "São meus companheiros e vão provar a inocência".

FOLHA - Mas depois ele diria em entrevista que os demitiu.
FHC - Mas não é verdade, no "Diário Oficial" está escrito que foi a pedido. Não entendo, como é que nós, com tudo isso na mão, no PSDB, não falamos com clareza à população, com força. Agora, vamos brigar entre nós? Deus me livre. O adversário é o outro lado.

Não que eu ache que o candidato do PSDB deva estar sendo agressivo com o presidente da República ou com o PT. Isso é o partido. Eu não estou criticando a campanha, que tem a sua regra, está falando mais amplamente. O candidato tem uma dinâmica diferente da do partido. Não pode ser contraditória. O Geraldo tem o passado absolutamente limpo, ele pode se comparar. E na questão de segurança fez mais do que ninguém. Por que o PCC é contra o PSDB? Não é porque é ligado ao PT, porque não é, é porque o nosso partido foi duro com eles.

FOLHA - Outra leitura que se faz da carta é que o sr. assume sua preferência por José Serra.
FHC - Isso é de uma ingenuidade cruel de quem formula e, de novo, é pequenez da política brasileira. Como é que eu vou ter candidato para uma eleição que vai se dar daqui a quatro anos? Só se eu fosse um irrealista, o que eu não sou. Estou simplesmente querendo uma coisa: que o PSDB continue na vanguarda. Digo isso: manter sua posição de vanguarda, defender, como o Mario Covas [1930-2001] defendeu na sua época, o choque do capitalismo. O que é que temos de defender hoje para levar o Brasil adiante? Qualquer que seja o candidato. Porque ou bem nós formamos um partido ou você vai dar espaço para a demagogia.

FOLHA - Mas o governador Aécio Neves não representa, se não a vanguarda, pelo menos a nova geração do PSDB? E, ao chamar sua carta de desagregadora, ele não está sendo alienado do partido pelo senhor? O sr. não está rompendo com ele?
FHC - Mas por que romper? Não estou rompendo, acho que ele é uma boa possibilidade.

FOLHA - O sr. não o vê em outro partido, como se cogita hoje?
FHC - Não, não o vejo. Nunca, sou amigo dele. Não creio que ele vá para nenhum outro partido, isso é fazer o jogo da destruição do PSDB, começar a perguntar agora se vai para outro partido, quem é o candidato. Isso é gente contra o PSDB, eu sou a favor. A minha carta é de alguém que criou, ajudou a criar um partido e tem amor por ele. Por ser um partido que modernizou o Brasil e tem de continuar modernizando.

Já ouvi dizerem que eu quero ser presidente do PSDB. Até brinquei com o Tasso [Jereissati, presidente nacional do partido] pelo telefone. Ele brincou comigo: "Você quer o meu lugar?" Eu respondi: "Pois é, tão bem pago, né?" [risos] Só no PT que o presidente do partido ganha, né?

FOLHA - Na hipótese da reeleição do presidente Lula, o que acontece ao PSDB?
FHC - Depende disso, de dar uma cara. Aliás, também o Geraldo ganhando, você tem de ter cara. Veja o que aconteceu com o PT. O partido fez um programa, o Lula fez outro. Pode? É um partido que não vai governar.

FOLHA - Qual o perigo de partido e presidente terem programas diferentes?
FHC - Primeiro, eu não sei se ele [Lula] tem programa. Acho que é mais grave. O país tem sempre condições de se manter, é muito diversificado, forte, não tenho uma visão pessimista. Mas qual o rumo que foi dado nesse último governo? Mudou o quê? Eu provoquei, até: nem a reforma agrária! O modelo foi o nosso. Isso está bom? Não, isso está ruim, porque tem muita coisa que tem de mudar, tem de atualizar. Sempre tive horror às pessoas que querem virar estátua, mais ainda aos políticos que você quer transformar em mito. Não é minha atitude. A minha atitude é de intelectual na política, não é de politiqueiro.

O que se chama de esquerda hoje? É o antiamericanismo e a antiglobalização e o Estado. Isso nunca foi esquerda nem aqui nem na China. Isso antigamente se chamava de populismo. Os países que tem uma esquerda mais consistente, que são o Uruguai e o Chile, não são assim. O contrário, o Uruguai quer fazer acordo direto com os EUA. Eles fizeram uma atualização do pensamento. O que não pode é ficar pensando com a cabeça no retrovisor, o olhar no retrovisor, no terceiro-mundismo, isso não funciona.

FOLHA - E o sr. vê o Brasil nesse momento mais para Chile e Uruguai ou Venezuela e Bolívia?
FHC - É ambivalente. Nosso problema é que nunca tomamos posição. Temos de ter integrações mais amplas no comércio mundial. Nós enfiamos a cabeça na areia com a Alca. Resultado: os americanos estão fazendo acordos bilaterais e nos comendo pelas bordas. Nessa área não se sabe o que somos. O que vamos fazer, qual a nossa atitude em relação à nacionalização da Petrobras na Bolívia? Tenho simpatia pelo [presidente da Bolívia, Evo] Morales, pela primeira vez na história você tem um indígena na presidência, isso é importante.

Agora, dava para negociar com ele, evitar que houvesse isso. O Brasil não fez. Você vê uma América Latina hoje que pela primeira vez na história está formando um alinhamento no Pacífico de um lado e no Atlântico do outro. Em que o Chile passa a ter um papel influente nos antigos países andinos, e a Venezuela, nos países do Mercosul. E nós? Você não governa, você vai se ajeitando. O presidente Lula vai para cá e vai para lá. Vai a Mar del Plata, faz aquela confusão com o Bush e em seguida chama o Bush e faz uma homenagem a ele: qual é a do Brasil?

Leia mais
  • Leia íntegra da carta de FHC aos eleitores do PSDB

    Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre as eleições de 2006
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