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18/02/2007 - 10h59

PF errou na investigação do dossiê, diz procurador-geral

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ANDRÉA MICHAEL
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Ao se pronunciar sobre o caso do dossiê negociado por emissários petistas contra tucanos, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, 58, dirá que o indiciamento do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) foi indevido. O delegado de Polícia Federal Diógenes Curado indiciou Mercadante sob a acusação de ter praticado crime eleitoral.

Para Curado, Mercadante é responsável solidário por supostas irregularidades na prestação de contas da campanha ao governo de São Paulo. Souza entende que somente o Supremo Tribunal Federal pode investigar e indiciar autoridades com direito a foro especial.

Caberá ao procurador-geral opinar, diante do STF, se deve ou não haver abertura de inquérito para investigar parlamentares no caso do dossiê. Em entrevista à Folha, ele falou sobre a estrutura de análise de informação que ele está montando para servir o Ministério Público Federal. Também desqualificou a polêmica sobre o poder de investigação dos procuradores. "Essa discussão é surreal e só tem um ganhador: o delinqüente."

FOLHA - O sr. já apreciou o inquérito sobre o dossiê?
ANTONIO FERNANDO SOUZA -
Quando eu tiver assinado embaixo, informo. Fizeram a apreensão do dinheiro, e aí começaram a ver como iriam enquadrar na lei penal. Concentraram-se na origem do dinheiro. Ao final, como não deu para identificar a origem do dinheiro, mas, ao ver do delegado [Diógenes Curado], isso só poderia beneficiar o Mercadante, concluiu que houve omissão de receita na prestação de contas do senador [relativa à eleição para o governo de São Paulo].
Isso porque, examinada a prestação, não constava o dinheiro para pagar o dossiê. Mas o delegado não podia indiciar.
Não pode haver atividade investigatória da polícia contra pessoa com prerrogativa de foro. O Supremo é que diz se deve ou não haver investigação. Para a polícia, indiciamento é a afirmação de que encontrou elementos suficientes de que houve crime e de sua autoria.
Do ponto de vista técnico, está equivocado. Independentemente do caminho que eu vá tomar, vou dizer que não poderia ter havido indiciamento. E não é por desprezo ou diminuição da polícia. No caso de Mercadante, houve indiciamento indevidamente. E isso não quer dizer que é indevido porque não havia elementos, mas porque o delegado não poderia fazer.

FOLHA - Qual sua análise sobre as mudanças aprovadas pelo Congresso para a lei penal?
SOUZA -
De maneira geral, a ampliação de pena não resolve. Mas, ao diferenciar concessão de benefício para crimes hediondos em relação aos demais, a medida restabeleceu a lógica: se é justo que haja benefício para crime hediondo, não podem ser os mesmos a que fazem jus aqueles que não têm periculosidade. A criminalidade tem que ser tratada como um problema social, não como uma questão penal somente.

FOLHA - Mas a sociedade grita mesmo quando há uma barbárie, como o caso João Hélio.
SOUZA -
Sim. Será que também a proteção à vida não está sendo barateada às vezes? Uma seqüência de crimes contra a vida se passa na periferia. Mas só gera indignação quando aparece alguém que já tem projeção maior no seio da sociedade. A integridade física tem que ter a mesma preocupação. [A morte de João Hélio] é uma coisa que estarrece, mas todo dia há crimes horríveis na periferia. Não estou minorando a gravidade. Tem que haver indignação, porque aquilo poderia ter sido evitado até pelo bandido, que poderia soltar [o menino] e dizer "fica aí". É o desprezo absoluto pela vida.

FOLHA - O sr. é a favor da redução da maioridade penal?
SOUZA -
Não tenho cientificamente uma posição que me diga: "Após os 16 anos, deve responder". Isso é juízo político. A redução impedirá a prática dos crimes? Vai gerar conseqüências na execução das medidas. Mas os mecanismos de ressocialização vão mudar? Ou só vamos tirar a pessoa com 16 anos do ambiente que se pretende sócio-educativo para colocar na cadeia? Se for só para isso, não vejo utilidade.

FOLHA - A primeira denúncia do mensalão vai completar um ano em maio. E a próxima etapa?
SOUZA -
Sobre parte daqueles fatos, o Ministério Público teve uma atuação muito grande na análise de documentos, o que resultou na denúncia. O inquérito está sendo desmembrado --para tirar dos autos o que tem relação com os já denunciados-- e a polícia continua fazendo diligências. Também não concluiu o inquérito que se refere o episódio do Marcos Valério em relação ao senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG).

FOLHA - Como o sr. avalia a reeleição de deputados acusados?
SOUZA -
A vida social é mais abrangente do que os mecanismos restritos da área judiciária. A opinião pública tomou conhecimento dos fatos, embora ainda não haja decisão judicial. Vamos punir o eleitor? Num regime democrático, a vida social se forma assim, com o voto. Não considero que seja uma absolvição da sociedade.

FOLHA - Esses escândalos indicam que a corrupção aumentou?
SOUZA -
Para fazer essa análise, eu teria que ter dados confiáveis, e não tenho. Uma coisa é certa: está se fazendo muita apuração. O Estado sempre é objeto de atuação de delinqüentes, porque é um gigante. Toda empresa grande tem problemas. Não que corrupção deva ser tolerada, mas ela existe porque existe.

FOLHA - E os mecanismos existentes são eficientes para isso?
SOUZA -
No papel, são. O problema é saber se estão funcionando a contento. A Polícia Federal consegue dar conta de todas as demandas? Não, senão os inquéritos terminariam em 30, 50 dias. Isso não é crítica à polícia. Há uma demanda talvez maior do que a capacidade operacional dela. O Ministério Público às vezes demora pra fazer a denúncia? Demora, se há uma fila de processos grandes.

FOLHA - Por isso foi editada, em dezembro, uma portaria para promover o trabalho conjunto?
SOUZA -
Eu, o ministro Márcio [Thomaz Bastos, da Justiça], o delegado Paulo Lacerda, diretor-geral da PF, figura excepcional, procuramos eliminar tudo que pudesse criar qualquer ruído entre as instituições. Em um ou outro episódio, há divergências até por razões pessoais. São coisas inevitáveis.

FOLHA - Por que o sr. criou uma assessoria de análise de dados para o Ministério Público?
SOUZA -
Certo tipo de delinqüência não tem nenhum tipo de sofisticação. Mas essa delinqüência mais grave, refinada, como a financeira, é mais difícil de identificar. Requer análise de dados bancários, telefônicos e fiscais. É necessária uma assessoria capaz de extrair informações para justificar uma conduta do Ministério Público.

FOLHA - Então, o Ministério Público está se preparando para atuar mais em investigações, apesar de isso ter sido questionado no STF.
SOUZA -
Essa discussão é surreal, sem utilidade. Não tenho nenhuma dúvida de que a polícia é a instituição que o Estado mantém para fazer investigações. A nossa divergência só é quanto à interpretação que se quer dar ao artigo 144 da Constituição Federal, buscando interpretá-lo no sentido de que, dentro do Estado brasileiro, a única instituição que pode investigar, no plano federal, é a Polícia Federal. Isso atenta até contra o interesse público.
Ao afirmar que cabe exclusivamente à PF a função de polícia judiciária da União, o propósito da Constituição é excluir, de tal atribuição, as demais polícias do país. O inquérito é um dos instrumentos para se realizar uma investigação, mas não o único. O Banco Central e a Receita Federal investigam. Essa discussão só tem um ganhador: o delinqüente.

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