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09/11/2003 - 02h46

Artigo: Cegos pela luz de "Matrix"

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MARCELO LEITE
editor de Ciência da Folha de S.Paulo

Bem-vindo ao deserto do cinema. "Matrix Revolutions", terceira e última parte (espera-se) da série que ejetara Keanu Reeves para a incoerente condição de estrela, estreou quarta-feira com muito brilho e pouca substância, como nas duas fitas anteriores.

De certo modo, o filme dos irmãos Wachowskis --aqueles gênios que nunca dão entrevistas, blá, blá, blá-- se assumiu como o que é, um espetáculo inconsequente. Nada que penetre além de retinas exauridas pelo pulsar incessante de pixels em que se está transformando o cotidiano das pessoas, pelo menos daquelas com renda para comprar jornais.

De fato, assiste-se a uma pequena revolução no universo claustrofóbico de Neo, o Predestinado, e sua sarada Trinity. Esqueça aquelas baboseiras de telefone fixo para escafeder-se da rede totalitária, ou humanos aprisionados em casulos para produzir energia. O glacê zen-cristão também desandou, assim como a filosofia e as menções a Jean Baudrillard. Ufa.

Os efeitos especiais tomaram conta da produção, assim como o virulento
agente Smith passou da conta e paga por ela. Às favas com os escrúpulos de verossimilhança --chegou a hora da mãe de todas as cacetadas, em Smith e no coitado pregado à cadeira do cinema.

Se o seu negócio é velocidade, barulho e luz, não deixe de assistir. Na opinião de um pseudofã, a terceira investida da rede de marketing Matrix supera tudo que você já viu entre uma e outra cascata de caracteres verdes. As cenas são antológicas, como a da chuva.

As máquinas de guerra também são maravilhosas, ainda que suspeitamente similares --e igualmente ilógicas-- às que já povoaram outra série interminável, "Guerra nas Estrelas".

É difícil imaginar algo menos funcional do que uma espécie de hipertanque equilibrado sobre pernas articuladas. E logo duas, para ficar mais fácil de cair. Do ângulo do fascínio que são capazes de causar em meninos crescidos (a maioria dos presentes à sessão do meio-dia de quarta era de rapazes na faixa de 18-25 anos), porém, são tão eficazes quanto Transformers 10 ou 15 anos atrás.

E isso é tudo, ou pouco. Uma quantidade impensável de trabalho e criatividade está por trás de cada segundo de "Matrix Revolutions", envolvendo talvez mais operações artesanais do que os zilhões de cálculos que precisariam ser operados pela rede de supercomputadores para sustentar cada item da matriz de "realidade" em que Neo vivera aprisionado como Anderson. Tanto trabalho e criatividade, mas a serviço de nada.

A mensagem de "Matrix Revolutions", se é que se pode usar esse vocábulo, no caso, sem ofender o léxico, é para lá de convencional e redutível a duas inanidades: 1. O amor é lindo; 2. Se você tiver fé, você consegue.

Fé em si mesmo, subentenda-se. Ou no indivíduo, no Um ("Neo/One"), com o qual cada um dos garotões pode se identificar à vontade, como quem movimenta fanstasmas numa telinha manipulando com destreza os comandos de um Gameboy. No caso do filme, com o benefício adicional da passividade.

Se tiver fé em si mesmo (nas suas habilidades), você consegue passar de fase no jogo da vida, arrumar um emprego, uma garota do calibre de Carrie-Anne Moss, encher os Smiths da vida de pancada (ou de inveja). Para começar, compre uns óculos escuros da hora.

Pura ilusão. Bem-vindo ao deserto do cinema --e do consumo.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
 

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