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24/01/2005 - 06h01

Diferença entre homens e mulheres é menor do que se pensa, diz cientista

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da Folha de S.Paulo

Conhecida por seu trabalho como pesquisadora e divulgadora da ciência, Suzana Herculano-Houzel argumenta que as diferenças entre homens e mulheres são muito menores do que a psicologia popular sugere. De Saquarema (RJ), por telefone, a neurocientista conversou com a Folha de S.Paulo.

Folha - Parece que a psicologia popular já criou uma imagem de que há uma diferença essencial entre os sexos: as mulheres são melhores com as palavras, os homens as superam no raciocínio matemático e espacial. Até que ponto essa idéia se sustenta?
Suzana Herculano-Houzel - A idéia se sustenta estatisticamente. Se você tirar a média, comparar a média, mulheres, em geral, são ligeiramente melhores do que homens em raciocínio verbal. Mas só ligeiramente melhores. Assim como os homens se saem ligeiramente melhor, em média, em testes de habilidade espacial, como, por exemplo, comparar duas figuras tridimensionais e dizer se uma é igual a outra quando vistas sob perspectiva ou ângulo diferentes. Existe uma diferença? Existe. Agora, a primeira coisa é se essa diferença é detectada na média. O que quer dizer que tem muita gente, homens e mulheres, que têm habilidades verbais e espaciais semelhantes. E a segunda coisa, importantíssima, é que a diferença é muito sutil. Você não pode falar disso sem colocar todos os qualificativos. A diferença é pequena e marginalmente significante.

Folha - Portanto, o grande problema é confundir médias estatísticas com o que vai ser encontrado em cada pessoa.
Herculano-Houzel - Esse é o primeiro problema. O segundo é que você não tem como saber se essa é uma diferença de fato determinada biologicamente por ser homem ou ser mulher. A outra possibilidade é você ter uma predisposição, uma facilidade maior para uma coisa ou para outra, o que é diferente de determinação genética, e uma terceira possibilidade é haver uma determinação cultural. A gente sabe que, em grande parte, o cérebro da gente é o que a gente faz. Se você nunca teve aprendizado com piano, nunca vai ser um pianista. Se passa horas na frente do piano, mas forçado, você também não vai ser um pianista. Então, se há uma série de fatores culturais que afastam, por exemplo, as mulheres de carreiras nas exatas, é claro que o resultado vai ser que, na média, você vai encontrar homens com uma facilidade maior de lidar com números.

Folha - Mais do que uma aptidão inata, isso pode refletir diferenças de gostos e tendências?
Herculano-Houzel - Também pode refletir uma questão de preferência. Mas aí todas as mesmas perguntas valem --se há um determinismo biológico, digamos, ou se você simplesmente em uma propensão, uma facilidade para fazer uma coisa, e a gente toma mais gosto por aquilo que é fácil. São fatores demais misturados. Existem duas diferenças conhecidas que talvez sejam mais fortes. Uma é a orientação espacial, como é que você se situa no espaço, como é que você vai de um ponto a outro. É verdade que homens e mulheres fazem isso de maneira diferente, usando até estruturas diferentes do cérebro.

Folha - De que maneira?
Herculano-Houzel - Os homens tendem a usar marcos absolutos, referências espaciais absolutas, pontos cardeais inclusive. Trezentos metros nessa direção, depois tanto na outra. As mulheres costumam dar preferência a marcos físicos, então ela anda até o jornaleiro, depois até o terceiro sinal, vira na farmácia e tudo o mais. E são regiões diferentes do cérebro: uma é hipocampo e outra é o parahipocampo [duas áreas que ajudam na manutenção da memória]. Agora, a grande diferença entre os cérebros masculino e feminino diz respeito ao comportamento sexual, e isso todo mundo esquece. A maior diferença entre possuir um cérebro feminino e um cérebro masculino é que cérebros masculinos, por exemplo, na sua grande maioria, têm uma preferência por se aproximar de mulheres, e vice-versa. Isso é uma diferença cerebral de fato, e é fundamental --um interesse básico da gente. E na verdade nem é tão genético assim, porque pode ser influenciado por hormônios durante a gestação, tanto que não é 100%, mas em torno de 90% a 95% dos casos. Essas são as duas diferenças cerebrais realmente importantes, realmente significativas, entre os sexos. As cognitivas não determinam o que você faz.

Folha - E a questão da lateralização dos hemisférios cerebrais, que muita gente também associa ao predomínio da emoção no lado direito do cérebro e ao da razão no esquerdo?
Herculano-Houzel - Olha, esse negócio de que o lado esquerdo é racional e o direito é emocional é um exagero. Diferenças relacionadas à lateralização existem, mas são coisas geralmente muito sutis. As diferenças maiores dizem respeito ao processamento emocional, mas todo mundo usa isso, não tem essa de homem só faz assim e mulher só faz assado. Na verdade, o que tem de mais recente aparecendo sobre isso mostra justamente o contrário do que a psicologia popular sempre pregou --que as mulheres usam mais o lado direito do cérebro e são mais emotivos, enquanto os homens são mais racionais. As várias pesquisas que estão saindo agora estudam casos específicos com tarefas nas quais o objetivo é ganhar dinheiro, mas tanto o prêmio que você ganha em dinheiro quanto o risco são proporcionais. Quanto mais você espera antes de dizer "está bom, basta", maior fica o risco de perder tudo se demorar demais. No NIH [os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos], eles fizeram isso com homens e mulheres. Os homens se saem melhor, e a diferença é que eles, e não as mulheres, recrutam regiões do sistema límbico, que representam o estado emocional do corpo na hora de tomar essa decisão. Quanto mais arriscado o negócio fica, mais os homens, e não as mulheres, usam essas regiões do cérebro para dizer "agora chega".

Folha - Uma tendência que parece estar crescendo ultimamente é a da psicologia evolutiva, que tenta atribuir a origem das diferenças entre os sexos às necessidades de adaptação que a humanidade enfrentou durante milhões de anos. Como a sra. vê isso?
Herculano-Houzel - A psicologia evolutiva tem um apelo muito grande pela idéia de buscar razões biológicas e evolutivas para o porquê de as coisas hoje serem como elas são. O problema é que ela encontra uma dificuldade muito grande porque você não tem hipóteses que possam ser testadas, justamente por estar lidando com a evolução. Não tem como voltar no tempo e fazer experimentos, mudar as condições ambientais e ver como a que isso levaria depois de milhões de anos. O outro problema é que a formação do organismo é muito econômica. Isso quer dizer que você muda ou seleciona uma característica por uma determinada razão, porque ela serve para tal coisa, e sem querer você acaba alterando alguma outra coisa na estrutura do organismo também. Um dos exemplos clássicos é a presença dos mamilos nos homens --aquilo não serve para nada, mas está ali. O corpo é montado segundo o mesmo padrão básico, mas para alguns tem uma finalidade e para outros não tem.

Folha - Quanto à menção feita às diferenças inatas pelo reitor da Universidade Harvard, a sra. acha que as reações exaltadas se justificam?
Herculano-Houzel - Eu acho que é um comentário infeliz, mas altamente compreensível, dada a entrada que essas idéias da psicologia popular têm no público. É infeliz, mas por outro lado é bom quando você tem oportunidade de esclarecer e atrair o interesse público, pelo menos para ter o senso crítico de se perguntar se a coisa realmente é assim.

Folha - Como cientista no Brasil, de que maneira a sra. vê o fato de que em muitas áreas as mulheres ainda sejam minoria?
Herculano-Houzel - Eu não posso falar pelo geral, e nem pelas exatas, mas no meu ramo, que é o de biomédicas, as mulheres são muito bem representadas e muito respeitadas. Nunca passei por nenhuma experiência, no Brasil, de ser discriminada. Agora, no estrangeiro... (risos). Na Alemanha, onde me formei [no Instituto Max Planck, em Frankfurt], a gente não é considerada tão importante porque já existe uma idéia pré-concebida de que não vale a pena eles investirem na nossa formação porque um dia a gente vai ter filhos e largar a ciência. É um pacto não-escrito.

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