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18/02/2005
-
10h15
REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo
A seção de cartas da revista "Science" de hoje é palco de um embate verbal, envolvendo cientistas no Brasil e no exterior, a respeito das verdadeiras causas do desmatamento na Amazônia e da melhor maneira de detê-lo.
Para alguns, os grandes projetos governamentais de infra-estrutura, em especial a abertura e asfaltamento de estradas, estão entre os principais impulsionadores do processo, que já roubou da floresta uma área equivalente à da França. Para outros, a situação amazônica depende de um sem-número de fatores regionais e é simplista culpar as rodovias.
Os pomos da discórdia são dois artigos publicados no mesmo periódico em janeiro de 2001 e maio do ano passado.
Seus autores, como os americanos William Laurance, do Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais, no Panamá, e Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), sustentam que a rápida proliferação de rodovias e de projetos para construí-las ajudam a carregar cada vez mais gente para a fronteira agrícola da região. O acesso fácil promoveria a ampliação da pecuária extensiva, da monocultura da soja e da especulação e grilagem de terras.
No estudo de 2001, feito na trilha do projeto Avança Brasil, do governo FHC (que previa um aumento sem precedentes da infra-estrutura de estradas na Amazônia), os pesquisadores chegavam a estimar o desaparecimento de até 42% do ecossistema em 2020.
Essa conclusão é a que recebeu as críticas mais fortes, como as de Gilberto Câmara, engenheiro eletrônico do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que a qualifica de "apocalíptica". Câmara e colegas da rede Geoma, ligada ao MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) assinam uma das cartas na "Science". As outras duas vieram de Roberto Schaeffer e Ricardo Vianna Rodrigues, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Emilio Bruna e Karen Kainer, da Universidade da Flórida em Gainesville (EUA).
Atraso natural
Para Fearnside, não há nenhum motivo especial para que todas as cartas estejam saindo só agora. "Elas demoraram um pouco mais do que o normal para ser publicadas porque há mais de uma sobre o mesmo assunto", afirma.
As respostas de Fearnside e seus colegas deixam claro que continuam convictos em relação aos seus trabalhos anteriores. "O que acontece na BR-163 [Cuiabá-Santarém] só confirma o fator das estradas. Faz sete anos que o governo está estimulando o desmatamento ali pelo anúncio de que vai asfaltar a estrada", afirma.
Câmara, porém, afirma que as projeções originais de Laurance e Fearnside não conseguem explicar porque a situação evoluiu dessa forma na BR-163, mas não em outros possíveis eixos de desmatamento, como a rodovia Manaus-Porto Velho.
"Eles sugerem um enorme desmatamento de 40 km de cada lado da rodovia, que não aconteceu porque ali não é área de especulação fundiária, a região não é favorável à agricultura", diz Câmara. "Eles também não previram o avanço do problema na Terra do Meio [centro-sul do Pará]. Isso é má ciência e má política pública, porque acaba desacreditando as medidas ambientalistas", critica.
"Pode não haver projetos de novas rodovias federais na Terra do Meio, mas lá o desmatamento segue por estradas feitas por particulares", rebate Fearnside. As principais críticas de Schaeffer e Rodrigues atribuem o desaparecimento da mata hoje à falta de controle do governo sobre a posse da terra, gerando latifúndios ilegais. "Ambos estão certos, mas é preciso entender que o desflorestamento em torno das estradas é influenciado por essas forças subjacentes, institucionais, econômicas e sociais", diz Rodrigues.
Contudo, para Fearnside, essa análise deixa de lado a co-evolução dos fatores de devastação. "É um ciclo vicioso. Mais estradas geram mais especulação de terras. O lucro da exploração madeireira, quando pode ser escoada pela estrada, acaba gerando mais estradas, e isso vira uma bola de neve."
Já Emilio Bruna, ecólogo mexicano que morou em Manaus por sete anos, afirma não duvidar que a abertura de estradas é um fator importante de desmatamento. "Esses projetos vão acontecer, não adianta", afirma. "É preciso pesar os benefícios econômicos que eles trazem e tentar um equilíbrio entre isso e a conservação."
Especial
Leia o que já foi publicado sobre devastação da Amazônia
Causa de devastação da Amazônia motiva polêmica
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da Folha de S.Paulo
A seção de cartas da revista "Science" de hoje é palco de um embate verbal, envolvendo cientistas no Brasil e no exterior, a respeito das verdadeiras causas do desmatamento na Amazônia e da melhor maneira de detê-lo.
Para alguns, os grandes projetos governamentais de infra-estrutura, em especial a abertura e asfaltamento de estradas, estão entre os principais impulsionadores do processo, que já roubou da floresta uma área equivalente à da França. Para outros, a situação amazônica depende de um sem-número de fatores regionais e é simplista culpar as rodovias.
Os pomos da discórdia são dois artigos publicados no mesmo periódico em janeiro de 2001 e maio do ano passado.
Seus autores, como os americanos William Laurance, do Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais, no Panamá, e Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), sustentam que a rápida proliferação de rodovias e de projetos para construí-las ajudam a carregar cada vez mais gente para a fronteira agrícola da região. O acesso fácil promoveria a ampliação da pecuária extensiva, da monocultura da soja e da especulação e grilagem de terras.
No estudo de 2001, feito na trilha do projeto Avança Brasil, do governo FHC (que previa um aumento sem precedentes da infra-estrutura de estradas na Amazônia), os pesquisadores chegavam a estimar o desaparecimento de até 42% do ecossistema em 2020.
Essa conclusão é a que recebeu as críticas mais fortes, como as de Gilberto Câmara, engenheiro eletrônico do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que a qualifica de "apocalíptica". Câmara e colegas da rede Geoma, ligada ao MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) assinam uma das cartas na "Science". As outras duas vieram de Roberto Schaeffer e Ricardo Vianna Rodrigues, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Emilio Bruna e Karen Kainer, da Universidade da Flórida em Gainesville (EUA).
Atraso natural
Para Fearnside, não há nenhum motivo especial para que todas as cartas estejam saindo só agora. "Elas demoraram um pouco mais do que o normal para ser publicadas porque há mais de uma sobre o mesmo assunto", afirma.
As respostas de Fearnside e seus colegas deixam claro que continuam convictos em relação aos seus trabalhos anteriores. "O que acontece na BR-163 [Cuiabá-Santarém] só confirma o fator das estradas. Faz sete anos que o governo está estimulando o desmatamento ali pelo anúncio de que vai asfaltar a estrada", afirma.
Câmara, porém, afirma que as projeções originais de Laurance e Fearnside não conseguem explicar porque a situação evoluiu dessa forma na BR-163, mas não em outros possíveis eixos de desmatamento, como a rodovia Manaus-Porto Velho.
"Eles sugerem um enorme desmatamento de 40 km de cada lado da rodovia, que não aconteceu porque ali não é área de especulação fundiária, a região não é favorável à agricultura", diz Câmara. "Eles também não previram o avanço do problema na Terra do Meio [centro-sul do Pará]. Isso é má ciência e má política pública, porque acaba desacreditando as medidas ambientalistas", critica.
"Pode não haver projetos de novas rodovias federais na Terra do Meio, mas lá o desmatamento segue por estradas feitas por particulares", rebate Fearnside. As principais críticas de Schaeffer e Rodrigues atribuem o desaparecimento da mata hoje à falta de controle do governo sobre a posse da terra, gerando latifúndios ilegais. "Ambos estão certos, mas é preciso entender que o desflorestamento em torno das estradas é influenciado por essas forças subjacentes, institucionais, econômicas e sociais", diz Rodrigues.
Contudo, para Fearnside, essa análise deixa de lado a co-evolução dos fatores de devastação. "É um ciclo vicioso. Mais estradas geram mais especulação de terras. O lucro da exploração madeireira, quando pode ser escoada pela estrada, acaba gerando mais estradas, e isso vira uma bola de neve."
Já Emilio Bruna, ecólogo mexicano que morou em Manaus por sete anos, afirma não duvidar que a abertura de estradas é um fator importante de desmatamento. "Esses projetos vão acontecer, não adianta", afirma. "É preciso pesar os benefícios econômicos que eles trazem e tentar um equilíbrio entre isso e a conservação."
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