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08/03/2005 - 10h25

Morre um dos pais da bomba atômica

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da Folha de S.Paulo

O físico Hans Bethe, cujo trabalho ajudou a esclarecer como as estrelas produzem energia e um dos cientistas-chave na criação da bomba atômica, morreu anteontem, aos 98 anos. O anúncio veio da Universidade Cornell, nos EUA, onde o cientista trabalhou durante boa parte da vida.

Bethe nasceu em Estrasburgo (hoje uma cidade francesa) e começou sua carreira acadêmica na Alemanha, mas perdeu seu emprego em 1933, devido à ascensão do governo nazista de Adolf Hitler --sua mãe era judia. O cientista fugiu para os EUA e, na Segunda Guerra Mundial, chefiou a divisão de física teórica do Projeto Manhattan, o esforço americano para desenvolver a bomba atômica em Los Alamos, Novo México.

Seu trabalho também ajudou a explicar como o Sol e as demais estrelas funcionam, no processo conhecido como fusão nuclear. Nele, núcleos "leves" de hidrogênio são fundidos, produzindo hélio e liberando energia.

Bethe também investigou como os átomos são formados com partículas menores, como se dá a reação que leva estrelas moribundas a explodirem na forma de supernovas e como os elementos químicos mais "pesados" (com mais prótons e nêutrons que o ferro) se formam nessas catástrofes. Extremamente produtivo, o pesquisador fez pelo menos uma grande descoberta por década.

Nos anos 1990, ainda ativo no Laboratório Newman de Estudos Nucleares da Universidade Cornell, Bethe revelou que passava muitas tardes dedicando-se a uma de suas paixões: os números. "Acho que é algo que me ajuda muito a me manter jovem", afirmou, com forte sotaque alemão, numa em entrevista em 1996.

Seu ar incansável na época em que trabalhou no Projeto Manhattan lhe valeu o apelido de "Navio de Guerra", mas Bethe passou a se opor aos testes e ao uso de armas nucleares logo depois do fim da guerra. Segundo ele, embora os criadores da bomba atômica soubessem de seu potencial destrutivo, a realidade acabou sendo "pior do que esperávamos".

"Depois de Hiroshima, muitos de nós dissemos: vamos fazer de tudo para que não aconteça de novo." Cumprindo a promessa, o físico ajudou a criar a proibição mundial de testes nucleares atmosféricos em 1973.

Bethe começou seu trabalho numa época em que a física realizava uma série impressionante de descobertas sobre os componentes fundamentais da matéria. Nos primórdios da teoria atômica moderna, ele fez uma lista do que era conhecido e do que era desconhecido, em série clássica de artigos apelidada de "Bíblia de Bethe".

Um dos principais desafios dos físicos nucleares era descobrir a fonte de energia do Sol. Bethe desenvolveu a sua fórmula do "ciclo do carbono" para responder a esse enigma. Ele mostrou que virtualmente toda a energia produzida pelas estrelas mais brilhantes vem de uma reação de fusão na qual o hidrogênio serve de combustível e o carbono, de catalisador (acelerador da reação). Foi graças a esse trabalho que Bethe ganhou o Prêmio Nobel, em 1967.

Bethe também é conhecido por um trabalho do qual não participou: o artigo "A Origem dos Elementos Químicos", que explicava como uma explosão primordial causara a formação dos átomos, a chamada teoria Alpher-Bethe-Gamow. O trabalho na verdade foi feito pelo russo George Gamow e seu aluno Ralph Alpher. Brincalhão, Gamow pediu a Bethe para assinar o artigo, para que as iniciais dos autores correspondessem às letras gregas alfa, beta e gama. O alemão topou.

O pesquisador se aposentou em 1975, mas passou a estudar astrofísica e publicou trabalhos importantes na área. Ele deixa sua mulher, Rose, dois filhos e três netos.

Físico atacou proliferação nuclear

Fazer uma bomba atômica é tarefa difícil. Mas Hans Bethe descobriu que o mais difícil mesmo é não fazê-la. Depois de participar do Projeto Manhattan, que desenvolveu as primeiras armas de fissão nuclear para o governo americano durante a Segunda Guerra Mundial, Bethe decidiu se dedicar à causa da não-proliferação, ganhando uma posição de tanto destaque como ativista quanto a que já tinha como cientista.

Bethe foi, nos anos 1940, chefe da divisão teórica do Laboratório Nacional de Los Alamos, que construiu as bombas jogadas sobre Hiroshima e Nagazaki. O projeto tem suas raízes em uma carta enviada pelo físico alemão Albert Einstein, já morando nos EUA, ao presidente americano Franklin Roosevelt, em 1939, alertando para os perigos de uma potencial bomba nuclear nazista. Roosevelt respondeu criando uma comissão para estudar aplicações do urânio, o elemento químico usado no processo de fissão nuclear.

Einstein não se envolveu no trabalho em si, mas a equipe contou com outros gigantes da física, como o então jovem Richard Feynman (1918-1988), chefiados pelo americano J. Robert Oppenheimer (1904-1967). Como a história deixou claro, o grupo teve sucesso --mas o gosto foi amargo para muitos de seus componentes.

Depois de ver o gênio definitivamente fora da garrafa, com a devastação causada pelos artefatos nucleares, Bethe, junto com muitos de seus colegas de Los Alamos, decidiu tentar devolvê-lo à prisão.

Ele foi um dos mais ativos participantes das reuniões de Pugwash, iniciadas em 1957 na cidade de mesmo nome na Nova Escócia, Canadá. Esses encontros reuniam especialistas tanto do Ocidente quanto da União Soviética, possibilitando um intercâmbio de idéias para políticas de controle fora dos canais oficiais.

Bethe foi "aclamado não só por sua ciência, mas por sua contínua preocupação e envolvimento com suas implicações", disse Martin Rees, astrônomo real britânico, em seu livro "Our Final Hour".

Desde os anos 1950 até o final de sua vida, Bethe jamais abandonou o ativismo político pelo banimento das armas nucleares. Mais que isso, ele percebeu como era importante o cientista dar conta dos usos que o conhecimento que ele produz pode propiciar.

Em 1999, acirrou sua postura, conclamando os cientistas a "interromperem e desistirem de trabalhos de criação, desenvolvimento, melhoria e fabricação de armas nucleares e de outras potenciais armas de destruição de massa". Ironicamente, foi amigo de Edward Teller (1908-2003), o pai da bomba de hidrogênio e defensor do "controle" da paz com arsenais nucleares.

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