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29/03/2005
-
09h26
MARCELO LEITE
Colunista da Folha de S.Paulo
Como a doença causada no cacau pelo fungo Crinipellis perniciosa é conhecida como vassoura-de-bruxa, a metáfora para a descoberta recente de um grupo paulista-baiano é irresistível: o parasita aprendeu a voltar o feitiço contra a feiticeira. Quando a planta decide matar de inanição o ramo infectado, o fungo saca mais rápido e acelera a morte, antes que seus nutrientes sejam carregados para longe pelo inimigo.
De posse desse conhecimento sobre as interações básicas entre fungo e cacau, a rede de laboratórios coordenada por Unicamp e Uesc (Universidade Estadual de Santa Cruz), na Bahia, quer chegar a alguma forma de controle sobre a doença. Por exemplo, a obtenção de plantas cacaueiras resistentes ao fungo --transgênicas, ou quem sabe por seleção apoiada com biologia molecular.
Em um quarto de século, a vassoura-de-bruxa cortou de 400 mil para 100 mil toneladas anuais a produção da matéria-prima do chocolate. O trabalho que pode dar início a um combate mais eficaz, um dia, está na edição deste mês do periódico especializado "Journal of Experimental Botany".
"O fungo interage fortemente com a planta por meio de mecanismos moleculares complexos", conta Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, 40, da Unicamp. "Esse é um ponto muito importante e diferencia a doença daquelas causadas por agentes oportunistas, que, digamos assim, não "entendem" direito o hospedeiro, mas conseguem atacá-lo."
Corrida armamentista
Na realidade, o que o grupo paulista-baiano esmiuçou foi uma corrida armamentista --ou melhor, fetichista-- entre fungo (C. perniciosa) e planta (Theobroma cacao). Ao infectar o vegetal, o parasita costuma induzir a formação de um ramo esgalhado conhecido como vassoura verde. É uma anomalia na planta, pois tem muito tecido em crescimento e é cheio de nutrientes --hipertrófico, no dizer dos biólogos.
Nesse estágio da doença, o fungo vive uma fase paradoxalmente "dormente" (ou biotrófica), em que quase não se multiplica. Quem cresce, para seu benefício futuro, é a vassoura verde. Esse crescimento anormal, aparentemente, resulta de desequilíbrio causado pela presença do fungo e do estresse que ele provoca.
Numa dada altura, a planta parece se dar conta da ameaça e começa a se preparar para dar o troco. A vassoura verde começa a converter os seus aminoácidos (componentes fundamentais de proteínas) em asparagina, também ela um aminoácido.
Só que, por ser mais solúvel, a asparagina serve como transportador de nitrogênio, um nutriente crucial, para outras partes do cacaueiro. O vegetal planeja matar de inanição a vassoura verde, recuperando para as suas partes sadias os nutrientes que haviam sido acumulados na vassoura.
"Ela [a planta] está considerando que não vale a pena manter nutriente naquele ramo, porque ele está perdido", ilustra Pereira. "Isso é também coerente com a degradação de clorofila. São sinais fortíssimos de que a planta entrou em apoptose [morte celular programada], e isso foi efetivamente demonstrado agora no trabalho do grupo coordenado por Júlio Cascardo, da Uesc."
Contra-ataque
O truque da asparagina, porém, não passa despercebido diante do C. perniciosa. Ele saca mais rápido, alterna para sua fase dita necrotrófica e deflagra a produção de uma proteína que tem a capacidade de acelerar a necrose da vassoura verde. Com a morte e o ressecamento acelerado do ramo, agora transformado na famigerada vassoura-de-bruxa, a planta não consegue levar embora todos os nutrientes a tempo.
O fungo se encontra agora instalado num ramo morto e entupido de substâncias nutritivas. Pode crescer e se multiplicar. Mas ainda espera uma sucessão alternada de dias de chuva e sol para desabrochar do tecido vegetal na forma de cogumelos. É como se eles soubessem que só vale a pena eclodir para lançar seus esporos em volta quando outros pés de cacau estiverem muitos ramos novos, candidatos a virar vassouras verdes.
Gene da necrose
Um dos feitos do grupo foi ter localizado o gene que, no fungo, responde pela proteína aceleradora da necrose da planta. Ele já foi isolado e a função, comprovada. Sua seqüência é muito similar à de outro já descrito em patógenos de planta. Outra façanha foi reproduzir a fase biotrófica do fungo no laboratório, obtida pelo estudante de pós-doutorado americano Lyndel Meinhard. Pereira não diz qual foi o ingrediente essencial do meio de cultura.
Ele é o autor principal do artigo no "Journal of Experimental Botany", mas o grosso do trabalho foi feito para a tese de doutorado de Leandra Scarpari, sua aluna no Departamento de Genética e Evolução do Instituto de Biociências da Unicamp. Scarpari foi co-orientada por Paulo Mazzafera, conhecido por ter descrito plantas de café naturalmente sem cafeína num trabalho publicado no periódico "Nature" em 2004.
Especial
Leia o que já foi publicado sobre fungos
Fungo Crinipellis perniciosa devolve feitiço contra o cacaueiro
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Colunista da Folha de S.Paulo
Como a doença causada no cacau pelo fungo Crinipellis perniciosa é conhecida como vassoura-de-bruxa, a metáfora para a descoberta recente de um grupo paulista-baiano é irresistível: o parasita aprendeu a voltar o feitiço contra a feiticeira. Quando a planta decide matar de inanição o ramo infectado, o fungo saca mais rápido e acelera a morte, antes que seus nutrientes sejam carregados para longe pelo inimigo.
De posse desse conhecimento sobre as interações básicas entre fungo e cacau, a rede de laboratórios coordenada por Unicamp e Uesc (Universidade Estadual de Santa Cruz), na Bahia, quer chegar a alguma forma de controle sobre a doença. Por exemplo, a obtenção de plantas cacaueiras resistentes ao fungo --transgênicas, ou quem sabe por seleção apoiada com biologia molecular.
Em um quarto de século, a vassoura-de-bruxa cortou de 400 mil para 100 mil toneladas anuais a produção da matéria-prima do chocolate. O trabalho que pode dar início a um combate mais eficaz, um dia, está na edição deste mês do periódico especializado "Journal of Experimental Botany".
"O fungo interage fortemente com a planta por meio de mecanismos moleculares complexos", conta Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, 40, da Unicamp. "Esse é um ponto muito importante e diferencia a doença daquelas causadas por agentes oportunistas, que, digamos assim, não "entendem" direito o hospedeiro, mas conseguem atacá-lo."
Corrida armamentista
Na realidade, o que o grupo paulista-baiano esmiuçou foi uma corrida armamentista --ou melhor, fetichista-- entre fungo (C. perniciosa) e planta (Theobroma cacao). Ao infectar o vegetal, o parasita costuma induzir a formação de um ramo esgalhado conhecido como vassoura verde. É uma anomalia na planta, pois tem muito tecido em crescimento e é cheio de nutrientes --hipertrófico, no dizer dos biólogos.
Nesse estágio da doença, o fungo vive uma fase paradoxalmente "dormente" (ou biotrófica), em que quase não se multiplica. Quem cresce, para seu benefício futuro, é a vassoura verde. Esse crescimento anormal, aparentemente, resulta de desequilíbrio causado pela presença do fungo e do estresse que ele provoca.
Numa dada altura, a planta parece se dar conta da ameaça e começa a se preparar para dar o troco. A vassoura verde começa a converter os seus aminoácidos (componentes fundamentais de proteínas) em asparagina, também ela um aminoácido.
Só que, por ser mais solúvel, a asparagina serve como transportador de nitrogênio, um nutriente crucial, para outras partes do cacaueiro. O vegetal planeja matar de inanição a vassoura verde, recuperando para as suas partes sadias os nutrientes que haviam sido acumulados na vassoura.
"Ela [a planta] está considerando que não vale a pena manter nutriente naquele ramo, porque ele está perdido", ilustra Pereira. "Isso é também coerente com a degradação de clorofila. São sinais fortíssimos de que a planta entrou em apoptose [morte celular programada], e isso foi efetivamente demonstrado agora no trabalho do grupo coordenado por Júlio Cascardo, da Uesc."
Contra-ataque
O truque da asparagina, porém, não passa despercebido diante do C. perniciosa. Ele saca mais rápido, alterna para sua fase dita necrotrófica e deflagra a produção de uma proteína que tem a capacidade de acelerar a necrose da vassoura verde. Com a morte e o ressecamento acelerado do ramo, agora transformado na famigerada vassoura-de-bruxa, a planta não consegue levar embora todos os nutrientes a tempo.
O fungo se encontra agora instalado num ramo morto e entupido de substâncias nutritivas. Pode crescer e se multiplicar. Mas ainda espera uma sucessão alternada de dias de chuva e sol para desabrochar do tecido vegetal na forma de cogumelos. É como se eles soubessem que só vale a pena eclodir para lançar seus esporos em volta quando outros pés de cacau estiverem muitos ramos novos, candidatos a virar vassouras verdes.
Gene da necrose
Um dos feitos do grupo foi ter localizado o gene que, no fungo, responde pela proteína aceleradora da necrose da planta. Ele já foi isolado e a função, comprovada. Sua seqüência é muito similar à de outro já descrito em patógenos de planta. Outra façanha foi reproduzir a fase biotrófica do fungo no laboratório, obtida pelo estudante de pós-doutorado americano Lyndel Meinhard. Pereira não diz qual foi o ingrediente essencial do meio de cultura.
Ele é o autor principal do artigo no "Journal of Experimental Botany", mas o grosso do trabalho foi feito para a tese de doutorado de Leandra Scarpari, sua aluna no Departamento de Genética e Evolução do Instituto de Biociências da Unicamp. Scarpari foi co-orientada por Paulo Mazzafera, conhecido por ter descrito plantas de café naturalmente sem cafeína num trabalho publicado no periódico "Nature" em 2004.
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