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20/04/2005 - 09h34

Físico brasileiro faz maior contagem do Universo

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SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Num seminário à moda antiga, no auditório do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP, Mário Novello rabiscava furiosamente complicadas equações, cheias de letras gregas, num quadro branco. Ao final da apresentação, disse: "Então, para terminar, como eu sei que os astrônomos gostam mesmo de números, vou deixar um número para vocês: dez elevado a cento e vinte". Esse número gigantesco, de acordo com Novello, representa a coisa que existe em maior quantidade em todo o Universo: grávitons.

Dez elevado a cento e vinte, em notação científica, fica mais elegante: 10120. Mas nem por isso menos absurdo. É apenas uma maneira econômica de escrever um "1" seguido por 120 "zeros".

Ao atribuir esse número ao gráviton, Novello está sendo duplamente polêmico. Primeiro, propõe uma solução a um mistério que um dos grandes físicos da modernidade, o Prêmio Nobel norte-americano Steven Weinberg, da Universidade do Texas, chamou de "quebra-cabeça".

Em segundo lugar, ele está afirmando que o gráviton --partícula associada à força da gravidade-- deve ter uma massa. É uma afirmação audaciosa, sobre algo que os físicos nem são capazes de dizer que existe de fato.

Aqui entra o conflito entre a relatividade geral e a mecânica quântica, as duas teorias fundamentais da física contemporânea. A primeira só diz respeito à gravitação, que interpreta como um fenômeno geométrico, derivado das próprias características do espaço-tempo (conjunto indissolúvel que agrega as três dimensões espaciais e a dimensão temporal).

A segunda abarca as três outras forças da natureza, que mantêm os núcleos atômicos coesos, explicam os processos radioativos e os efeitos elétricos e magnéticos. Para a mecânica quântica, as forças são carregadas por partículas. Por exemplo, as forças eletromagnéticas são transmitidas pelos fótons, pacotes mínimos de energia também chamados partículas de luz.

A concepção do gráviton é justamente uma tentativa de conformar a gravidade ao esquema de mundo da mecânica quântica --esforço importante para entender objetos em que tanto os efeitos gravitacionais quanto os efeitos quânticos são importantes, como os buracos negros (astros tão densos que a gravidade impede até a luz de escapar deles).

Novello admite que a relatividade geral de Albert Einstein, concebida em 1915, não tem muito espaço para o gráviton em suas equações. No entanto, ele decidiu trabalhar com uma segunda versão da teoria, elaborada em 1917 pelo mesmo Einstein.

Errou ou não errou?

Quando o físico alemão aplicou suas equações da relatividade ao Universo inteiro, em 1916, chegou à conclusão de que elas só podiam representar um cosmo em expansão ou em contração. Isso não casava com a visão que Einstein tinha do Universo --para ele, o mundo era infinito e estático. Então, ele "reformou" a relatividade, incluindo mais uma letra nas equações: lambda, também chamada de constante cosmológica.

Em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble descobriu, por observação, que as galáxias estavam todas se afastando umas das outras, a grande velocidade. Ao que tudo indicava, o Universo estava mesmo em expansão. Einstein então se deu um tapa na testa por não ter acreditado na própria teoria quando a concluiu pela primeira vez, em 1915, e repudiou a alteração de 1917 como o maior erro de sua carreira.

Mas idéias einsteinianas teimam em não morrer, mesmo quando negadas pelo seu criador. E a formulação de 1917 acabou sendo ressuscitada várias vezes para explicar problemas cosmológicos. Houve quem a usasse para esclarecer detalhes da inflação --período inicial do Universo em que ele se expandiu mais rápido do que seria possível em circunstâncias normais (felizmente para os físicos, o nascimento de um Universo não pode ser considerado uma ocorrência ordinária).

A ressurreição mais popular hoje de lambda é usada para explicar a energia escura --misteriosa força que faz com que o Universo esteja se expandindo em ritmo acelerado. Novello agora apresenta outra circunstância em que a constante cosmológica pode ser aplicada. Segundo ele, lambda pode muito bem representar o valor da massa do gráviton.

A massa do impossível

Na teoria de 1915, lambda não existe e todas as interpretações possíveis do gráviton a partir dela indicam uma massa zero. Mas, caso as equações de 1917 sejam as corretas, a massa do gráviton é diferente de zero. "É um valor muito pequeno, mas ainda assim não-nulo", afirmou Mário Novello.

Essa conclusão, publicada pelo físico num artigo na revista científica "Classical and Quantum Gravity", chamou a atenção da comunidade científica. Foi um dos dez estudos mais lidos nessa publicação no ano passado.

Agora, o físico brasileiro, que trabalha no CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), no Rio, acaba de dar um passo além nesse esforço teórico. Num estudo ainda não publicado, ele conseguiu ligar um número que Weinberg chamou de "quebra-cabeça da constante cosmológica" à hipótese dos grávitons com massa.

"Weinberg chegou a esse número, que é uma razão entre duas quantidades muito específicas na teoria de campos, e ele achou que esse número deveria representar alguma coisa real, uma existência física. Mas ele não tinha a menor idéia do que era", explica Novello.

Para o pesquisador brasileiro, esse número, 10120, representa o número total de grávitons que existem no Universo observável.

Caso suas conclusões sejam verdadeiras, os grávitons são a coisa mais abundante existente em todo o cosmos. Para que se tenha uma idéia, os físicos estimam que os fótons --as partículas de luz-- sejam "apenas" 1080. Em contraste, os grávitons seriam 100 trilhões de bilhões de bilhões de bilhões (1040) de vezes mais numerosos.

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