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24/04/2006 - 10h05

Dupla acha primatas mais velhos do país

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REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo

Um punhado de fragmentos fossilizados, vindos do Acre, podem ajudar a quebrar uma estranha escrita: o Brasil, país com maior número de espécies de macacos do mundo, não tem praticamente nenhum registro da evolução desses bichos. A simples descrição dos caquinhos acaba de revelar dois novos símios fósseis, os mais antigos já descobertos em território brasileiro.

Os bichos, que na verdade se resumem a alguns dentes e um fragmento de mandíbula, foram descritos por Mario Alberto Cozzuol, da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Sul), e Richard Kay, da Universidade Duke (Estados Unidos). A idade dos macacos, batizados de Solimoea acrensis e Acrecebus fraileyi, fica entre 9 milhões e 6 milhões de anos, estimados graças a outros fósseis de mamíferos e ao antigo pólen presentes na região.

Trata-se de um salto e tanto, quando se leva em conta que os primatas brasileiros mais antigos conhecidos até então não passavam de algumas dezenas de milhares de anos de idade, um mero espirro em termos geológicos. "É engraçado, mas alguns lugares que hoje não têm primatas, como a Patagônia e certas regiões da Bolívia, acabam sendo mais ricas em fósseis de macacos do que o Brasil", conta Cozzuol.

O problema, explica o pesquisador da PUC-RS, está na preservação dos ossos dos bichos. Fósseis de primatas nunca são freqüentes em lugar nenhum, porque os ambientes preferidos deles (principalmente as florestas tropicais) tendem a ter solos muito ácidos e com erosão à beça, que devoram os restos dos animais. Na Amazônia, famosa hoje pela macacada quase interminável, a situação se complica ainda mais pelo difícil acesso aos sítios e pela exposição limitada dos afloramentos.

"O sítio de origem do Solimoea fica a 200 km de Rio Branco. A gente tem de chegar até lá empurrando canoa, porque até um barco pequeno encalha em certas épocas do ano", conta Cozzuol.

Bochecha

Pode parecer exagerado designar uma nova espécie com base em tão poucos restos, mas a anatomia dos dentes e do maxilar (no caso do Solimoea, um molar e dois pré-molares encravados num caco da parte da frente da bochecha direita) costuma ser específica o suficiente para trazer um caminhão de informações.

A análise desses detalhes revelou que o bicho era um membro primitivo da subfamília dos atelíneos, o grupo que inclui os maiores macacos americanos vivos hoje. O tamanho dos fragmentos sugere um bicho de uns 6 kg, mais ou menos o tamanho de um macaco-aranha ou macaco-barrigudo moderno. E os dentes, sem superfícies cortantes, levaram a dupla a estimar que o bicho provavelmente comia frutas ou goma de árvore.

De quebra, os pesquisadores aproveitaram para classificar um único dente de macaco, achado nos anos 1970, descrito por Kay nos anos 1990 e ainda sem nome. Concluíram que se trata de um primo dos atuais macacos-pregos (Cebus apella) --motivo para batizá-lo de Acrecebus. Com uma diferença importante: a julgar pelo tamanho do molar superior, o bicho era entre três e quatro vezes maior do que um macaco-prego, ou seja, poderia chegar aos 20 kg.

Apesar dos achados da dupla, um buraco dos grandes ainda permanece na história. Quando se olha a América do Sul inteira, os fósseis mais velhos de primata (de uma espécie da Bolívia, Branisella boliviana) não passam dos 26 milhões de anos de idade, embora se estime que o grupo tenha chegado ao continente há cerca de 40 milhões de anos.

De ilha em ilha

A lacuna temporal é só parte do problema. Nessa época, a América do Sul era um continente-ilha, solto entre o Atlântico e o Pacífico desde o Cretáceo (cerca de 100 milhões de anos atrás), e só retomaria sua conexão com a América do Norte e o resto do mundo há uns 3 milhões de anos.

"Os primatas sul-americanos devem ter vindo de África, já que têm um vínculo mais próximo com as espécies africanas", pondera Cozzuol. Como, ninguém ainda sabe em detalhe. Pode ser que o nível do mar tenha caído a ponto de permitir "saltos" de ilha em ilha, com os bichos presos a troncos de árvore, por exemplo.

Em tese, o litoral do Sudeste brasileiro seria o lugar ideal para documentar essa chegada. "Não sei se seria possível acharmos tais fósseis algum dia", diz o paleontólogo da PUC-RS.

A pesquisa recebeu apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), e os trabalhos de campo foram realizados em parceria com a Universidade Federal de Rondônia (onde Cozzuol trabalhava na época) e com a Universidade Federal do Acre.

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