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12/11/2006 - 10h58

Dinossauros sobreviveram em planeta com pouco oxigênio

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REINALDO JOSÉ LOPES
Colaboração para a Folha de S.Paulo

Existe alguma apólice de seguro contra o Apocalipse? Se você fizer essa pergunta a nove entre dez dos paleontólogos na ativa hoje, a resposta muito provavelmente será um "não" daqueles. Diante das catástrofes que realmente ameaçam a vida na Terra, o consenso entre os que estudam a história evolutiva é que não dá para estar preparado. Salvar a pele bem no meio de uma extinção em massa, como a que acabou com os dinossauros há 65 milhões de anos, seria sempre mera questão de sorte.

Peter Ward, porém, aposta em pelo menos um jeito promissor de sair vivo: respirar. E bem, de preferência.

Eficiência respiratória em um mundo que volta e meia ficou quase sem oxigênio é o mote do novo livro de Ward, "Out of Thin Air" (trocadilho traduzível com "a partir do ar rarefeito" ou "a partir do nada"), que acaba de ser lançado nos EUA.

Edson Silva/Folha Imagem
Réplica de esqueleto do Sacisaurus, pequeno dinossauro herbívoro encontrado no Rio Grande do Sul, que viveu no Triássico, primeira fase do reinado de 150 milhões de anos dos grandes répteis
Réplica de esqueleto do Sacisaurus, pequeno dinossauro herbívoro encontrado no Rio Grande do Sul, que viveu no Triássico, primeira fase do reinado de 150 milhões de anos dos grandes répteis
O paleontólogo na Universidade de Washington, em Seattle, examinou todos os grandes momentos de aperto pelos quais os seres vivos (especialmente os animais) passaram nos últimos 600 milhões de anos e viu, quase sempre, alguns pontos comuns. Primeiro, quedas brutais nos níveis de oxigênio do ar e do mar; depois, extinções para todo lado; e, ao lado delas, criaturas com design nunca antes visto, que só teriam aparecido como novas formas de respirar numa atmosfera irrespirável.

O ponto de partida da idéia é até bastante razoável. Ward, sempre de olho nas estruturas básicas que permitem a existência dos seres vivos (ele é um dos autores da hipótese "Terra rara", segundo a qual a vida complexa provavelmente é exclusividade deste planeta), diz que só o oxigênio satisfaz as necessidades de energia de animais e plantas. OK, o mundo pode estar cheio de bactérias que usam as fontes de energia mais esquisitas, mas elas só conseguem sobreviver de gás malcheiroso porque não precisam de muito luxo. Todo mundo que quer ser alguém precisa do bom e velho oxigênio.

Nada mais natural, argumenta Ward, que a busca por um pouco de ar fresco tenha sido o fator por excelência na evolução dos animais --ainda por cima se, conforme estão mostrando análises de rochas antigas e simulações de computador, essa "commodity" tenha passado tanto por períodos de escassez quanto de excesso. É então que o cientista inicia uma série de viagens mentais à Terra primitiva, tentando ligar as baixas do gás aos grandes eventos da evolução.

Altas e baixas

A primeira parada é a Explosão Cambriana, há uns 540 milhões de anos. No que provavelmente foi a fase mais psicodélica da história da vida, todos os designs básicos dos animais de hoje surgiram muito rápido, aparentemente "prontos", a povoar os oceanos.

Ninguém tem a menor idéia de por que esses trinta-e-tantos designs, e não outros, resolveram dar as caras justamente naquele momento. Idêntico mistério paira sobre o fato de que quase nenhum outro tipo básico de animal evoluiu desde então. Ward argumenta que os seres vivos estavam reagindo a um mundo sufocante, cujo teor de oxigênio atmosférico tinha caído de quase 20% (o valor de hoje é 21%) para quase 15%.

As várias formas novas de construir um corpo seriam todas soluções de engenharia para captar um pouquinho mais do gás. Um exemplo claro, segundo o paleontólogo, é a segmentação, ou divisão do corpo em várias unidades que se repetem (coisa comum ainda hoje em qualquer inseto ou crustáceo). Os campeões se segmentação do Cambriano são os trilobitas, estranhas criaturas cascudas que lembram vagamente um caranguejo achatado. Acontece que a repetição dos segmentos permitia que eles tivessem um conjunto de pares de brânquias espalhados por todo o corpo, capazes de arrancar oxigênio da água marinha com muito mais eficiência.

O miolo do livro usa o mesmo argumento para explicar porque os dinossauros foram, de longe, os animais terrestres mais bem-sucedidos da história. A gênese do grupo se seguiu à pior extinção em massa de todos os tempos, a do Permiano, há 250 milhões de anos. De novo, as variações do oxigênio estão na cena do crime: do máximo de todos os tempos, 35%, a só 12%. Era uma época em que viver na altitude da cidade de São Paulo equivaleria a escalar o Everest para quem tentasse respirar --a vida animal só era viável no nível do mar.

Acontece que a situação não melhorou nem um pouco no Triássico, período que se seguiu ao massacre geral do Permiano. Enquanto ancestrais dos mamíferos e outros répteis tentavam não ficar sem fôlego, a nova linhagem dos dinossauros começou a se diversificar. Com um olho no futuro, Ward relaciona os bichos com seus descendentes diretos, as aves. Hoje, gansos conseguem sobrevoar o Everest sem o menor problema, e mesmo no nível do mar as aves são respiradoras 30% mais eficientes que os mamíferos. Segundo o paleontólogo, tudo indica que foi com uma respiração ao estilo aviário que os dinos ganharam seu trunfo.

Teste de fôlego

O que torna esse jeito de respirar tão especial são os chamados sacos aéreos, estruturas que podem ser abrigadas dentro de cavidades nos ossos. Eles permitem que só o ar recém-inalado, rico em oxigênio, passe pelos pulmões. O fluxo de sangue é otimizado para caminhar justamente na direção contrária das lufadas de ar, e esse sistema de contracorrente permite uma absorção bem melhor do gás. Acontece que muitos dinossauros tinham cavidades em seus ossos exatamente nos mesmos lugares onde as aves guardam os sacos aéreos. Com isso, estavam prontos para deixar a concorrência para trás em qualquer teste de fôlego.

Conhecendo bem o clima de competição que reina entre os paleontólogos, dá para imaginar a pancadaria acadêmica que a tese de Ward vai provocar. Ainda falta muito para comprovar as várias baixas cruciais do oxigênio que são a chave da narrativa do livro. Há até quem não reconheça a presença de sacos aéreos entre os dinos, e algumas peças definitivamente não se encaixam. Um exemplo é o fato de que, durante milhões de anos, eles foram um dos grupos mais obscuros da fauna da Terra, só ganhando importância com uma extinção em massa no fim do Triássico.

Seja como for, Ward merece crédito não apenas pela tentativa de colocar um pouco de ordem nos grandes eventos da vida na Terra mas pelo estímulo à imaginação que suas jornadas ao passado sufocante geram. São momentos em que a paleontologia quase vira mitologia --e, o melhor, de um tipo que pode ser comprovado ou refutado.

"Out of Thin Air: Dinosaurs, Birds and Earth's Ancient Atmosphere" Peter Ward; National Academics Press, 282 págs, US$ 27,95
 

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