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10/06/2002 - 06h42

"Pais" de mamíferos também eram gaúchos

REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo

Duas minúsculas criaturas de 210 milhões de anos, achadas no interior do Rio Grande do Sul, podem ser a peça que faltava para escrever a história evolutiva dos mamíferos. Os bichinhos, descobertos por paleontólogos do Brasil e da Argentina, parecem estar exatamente na linha divisória entre esses animais e os répteis.

À primeira vista, os fósseis achados a cerca de 200 km de Porto Alegre, nos municípios de Faxinal do Soturno e Candelária, não impressionam: são de animais pequenos, com aparência semelhante à de camundongos, que tinham entre 9 cm e 15 cm de comprimento, da ponta do focinho à ponta da cauda.

Mas os dois bichos, batizados por enquanto de brasilitério ("mamífero brasileiro") e brasilodonte ("dente brasileiro"), não têm nada de trivial. Tendo vivido no início da era dos dinossauros, entre o fim do Período Triássico (248 milhões a 213 milhões de anos atrás) e o começo do Jurássico (213 milhões a 144 milhões de anos atrás), eles são fortes candidatos a representar uma das últimas experiências da evolução antes dos primeiros mamíferos propriamente ditos, como o Morganucodon de 200 milhões de anos.

A descoberta, divulgada na edição deste mês da revista "Pesquisa Fapesp", da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, foi coordenada pelos paleontólogos José Bonaparte, do Museu Argentino de Ciências Naturais, e Cesar Leandro Schultz, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

"A grande novidade desses fósseis é a dentição", afirmou Schultz à Folha. É que um dos fatores-chave para a delicada transição entre mamíferos e répteis foi justamente a mudança nos padrões dentários, graças à qual os mamíferos ganharam os quatro tipos de dentes que têm hoje: incisivos, caninos, molares e pré-molares (a dentição dos répteis não diferencia os dois últimos).

O brasilitério e o brasilodonte, que estão representados basicamente por crânios e mandíbulas, além de alguns outros ossos esparsos, mostram que essa mudança ainda não estava terminada, mas já tinha mais de meio caminho andado.

Ouvindo como mamífero
A coisa não é tão simples quando se trata da segunda marca óssea da transição: nos mamíferos, alguns ossos que fazem parte da mandíbula dos répteis se transformaram em martelo, bigorna e estribo - três ossinhos do ouvido. "Em nenhum dos dois fósseis isso já havia ocorrido", ressalta Schultz. "O ideal era encontrar um fóssil que aliasse as duas coisas [dentição e ossos do ouvido]".

Mesmo assim, as pistas ósseas mostram um grau de mudança que aponta com segurança para o lado mamífero. "A presença do palato secundário [uma estrutura da boca], que ajuda a separar a entrada do ar que vai para o nariz da entrada da comida, é uma prova dessa sofisticação", diz Schultz.

"A dentição diferenciada também mostra um esforço maior para aproveitar o máximo da comida. E a estrutura óssea revela que esses eram bichos ágeis, ativos, de sangue quente", pondera o pesquisador. A capacidade de manter a temperatura corpórea lá no alto e constante (a chamada homeotermia) é típica dos mamíferos e dos outros descendentes dos répteis, as aves.

Hoje em dia, quase todo mamífero que se preze tem pêlos, que aliás são cruciais para a homeotermia. Schultz diz que os novos fósseis não têm evidências nesse sentido, mas outros cinodontes ("dentes de cão", grupo réptil ancestral dos mamíferos) mais antigos e maiores apresentam marcas ósseas de grossos pêlos no focinho, o que aumenta a possibilidade de que brasilitério e brasilodonte os tivessem.

Sol e chuva
A dentição e os grandes olhos dos bichos indicam um tipo de vida bem característico: comedores de insetos que saíam para caçar à noite, evitando sempre que possível os emergentes dinossauros.

O clima do planeta também não dava muito refresco aos pré-mamíferos gaúchos: "Era bastante quente. Havia um único continente [Pangéia] e a região onde eles viviam estava no meio do que hoje são América do Sul e África, antes unidas", afirma Schultz.

Enfiada desse jeito no meio do supercontinente, longe do mar, a região devia ser muito seca, embora com períodos mais úmidos. "O tipo de sedimento que se encontra nas rochas sugere que havia épocas com muita chuva", diz o paleontólogo da UFRGS.

De acordo com Schultz, a equipe deve voltar a campo em breve, reforçada por novos recursos fornecidos pela National Geographic Society a Bonaparte, um dos mais famosos estudiosos de dinossauros e da fauna pré-histórica da América do Sul. O trabalho dos pesquisadores gaúchos foi apoiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
 

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