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30/12/2002 - 10h20

Fezes explicam comportamento de dinossauros

REINALDO JOSÉ LOPES
free-lance para a Folha de S.Paulo

A imagem clássica do caçador de dinossauros é a daquele sujeito com ar de Indiana Jones, às voltas com um crânio gigantesco e imaculado de tiranossauro. O trabalho de um pesquisador carioca revela, contudo, que é possível descobrir coisas inusitadas sobre esses grandes répteis mirando um alvo bem mais, digamos, modesto: as fezes dos bichos.

Numa tese de doutorado que deve ser apresentada no Instituto de Geociências da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) no próximo dia 10, o pesquisador Paulo Roberto de Figueiredo Souto analisou nada menos que 200 amostras de fezes do Período Cretáceo (o último da era dos dinossauros, de 144 milhões a 65 milhões de anos atrás).

Os dejetos fossilizados vieram de algumas das principais jazidas de fósseis do país: a bacia do Araripe (na divisa entre Ceará, Piauí e Pernambuco), a bacia São Luís (no Maranhão) e a bacia Bauru (em São Paulo e Minas Gerais). A idade dos restos vai de 110 milhões a 85 milhões de anos.

Essa respeitável coleção de coprólitos (em grego, algo como "fezes petrificadas"), produzida por crocodilos, tartarugas, peixes e dinossauros, pode trazer informações sobre os hábitos alimentares, os parasitas e até o comportamento das espécies extintas.

É sobre o último tópico, aliás, que o trabalho traz uma revelação tétrica: de acordo com Souto, os crocodilos pré-históricos da bacia Bauru comiam os filhotes da própria espécie.

"Nós achamos restos de dente e osso de um recém-nascido num dos coprólitos", conta Souto. "Aparentemente, quem cuidava dos diferentes ninhos competia entre si comendo os filhotes do outro -um comportamento que existe ainda hoje entre crocodilos", afirma o pesquisador.

Outro achado não tão trágico foi uma "fotografia" fóssil do momento em que os excrementos dos peixes do Araripe começavam a ser reaproveitados por ostrácodes, um tipo microscópico de crustáceo. De acordo com Souto, é a primeira vez que os bichinhos são flagrados alimentando-se de fezes no registro fóssil.

Não que eles estivessem sem companhia: nematóides (vermes cilíndricos) também foram achados nas fezes -talvez vindos do intestino dos peixes que parasitavam ou só pegando carona nos nutrientes dos dejetos.

Os pequenos indícios presentes nos coprólitos também podem ajudar a entender que tipo de ambiente era habitado pelos produtores das fezes.

No caso do Araripe, a presença de radiolários (micróbios aquáticos que possuem uma carapaça de sílica) pôs fim a um debate antigo: a região era mesmo marinha, já que os radiolários só aparecem nesse tipo de ambiente.

E na bacia São Luís, embora houvesse uma profusão de dinossauros, os carnívoros desse grupo estavam mesmo interessados era numa dieta de sushi: as fezes de espinossaurídeos (parentes distantes do tiranossauro, com cerca de 15 metros, focinho comprido e, em alguns casos, uma protuberância óssea nas costas) estão cheias de escamas de peixe.

Banheiro da família
Na bacia Bauru, em Minas Gerais, uma inusitada mistura de cascas de ovos e fezes indica que os titanossauros, grandes herbívoros de pescoço longo que a produziram, se reproduziam sazonalmente no mesmo lugar, como fazem até hoje as tartarugas marinhas. "É uma evidência forte de que eles tinham áreas específicas de nidificação [formação periódica de ninhos", diz Souto.

De certa forma, a análise óptica e química dos dejetos foi a parte mais fácil do trabalho do pesquisador. Difícil mesmo foi comparar os achados com fezes frescas de animais modernos, entre eles jacarés, onças, elefantes e avestruzes. Foi preciso paciência para esperar que o metabolismo lento dos jacarés liberasse as fezes.

Mas o esforço valeu a pena: a comparação com bichos de hoje ajudou Souto a caracterizar de forma bastante precisa cada tipo de dejeto, dos cilíndricos (típicos dos carnívoros) aos ovóides (produzidos pelos herbívoros).

O nível de detalhamento permitiu até identificar as marcas do esfíncter (o músculo em forma de anel que controla o fechamento do ânus) de cada animal. Com os padrões desenvolvidos pelo pesquisador, vai ser possível identificar de forma muito mais rápida e precisa o bicho que produziu determinado tipo de coprólito.

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  •  Coprólito complementa estudo de fóssil
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