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03/03/2003 - 05h02

Estudo flagra "nepotismo" entre formigas

REINALDO JOSÉ LOPES
Free-lance para a Folha de S.Paulo

O hábito demasiado humano de dar aquele jeitinho para favorecer os parentes está presente até na disciplinada sociedade das formigas. Uma dupla de biólogas fin-landesas desmascarou o nepotismo dos insetos ao descobrir que as operárias parecem tratar com mais cuidado ovos e larvas com quem têm parentesco.

O achado é um dos primeiros a mostrar que nem os insetos estão imunes ao nepotismo, algo previsto pela teoria evolutiva sob o nome de seleção por parentesco. E revela uma rede de intrigas dentro do formigueiro, com as operárias tentando favorecer a rainha da qual estão mais próximas geneticamente.

Na maioria dos insetos sociais, seria um tanto difícil estudar possíveis tendências para o favorecimento ilícito de parentes. Colônias inteiras desses bichos costumam ser geradas por uma só rainha. Se todos são irmãos, todos têm o mesmo grau de parentesco entre si -e, portanto, não teriam motivo para querer que um parente em especial leve vantagem.

Gene egoísta

Minttumaaria Hannonen e Liselotte Sundström, da Universidade de Helsinque, escolheram uma espécie que poderia oferecer algumas brechas para o nepotismo. Trata-se da Formica fusca, uma formiga européia cujas colônias têm, em geral, mais de uma rainha. Defendidas a todo custo pelos membros do formigueiro, elas são alimentadas pelas operárias e têm como única função pôr ovos e mais ovos durante a vida.

Não é de hoje que o nepotismo é considerado uma força poderosa por trás do comportamento dos animais. Os estudiosos da evolução costumam supor que a luta pela sobrevivência se resume a uma batalha para passar adiante os próprios genes -algo que foi apelidado de "gene egoísta" pelo zoólogo e divulgador da ciência Richard Dawkins.

Acontece que parentes próximos, como filhos e irmãos, carregam a metade dos genes de seus pais ou irmãos, enquanto a fração de genes compartilhados vai decrescendo conforme o grau de parentesco diminui.

Proteger esses parentes próximos seria uma forma de garantir que os genes do próprio indivíduo tivessem uma chance a mais de sobreviver. Foi com essa idéia na cabeça que o geneticista inglês John Haldane (1892-1964) disse, brincando, que seria capaz de morrer para salvar pelo menos dois irmãos, ou oito primos, quantidade mínima de parentes para garantir uma chance de sobrevivência a todos os seus genes.

Foi para investigar se a teoria continua valendo entre insetos sociais, provavelmente as criaturas mais cooperativas do planeta, que Hannonen e Sundström puseram mãos à obra.

A dupla construiu, em laboratório, dez formigueiros artificiais, cada um deles "governados" por duas rainhas diferentes. Operárias com graus diferentes de parentesco foram colocadas para cuidar do ninho, das soberanas e de suas crias, enquanto as pesquisadoras puseram-se a avaliar o grau de parentesco entre as formigas usando análises de DNA.

Estratagema flagrado

"Se as formigas operárias tiverem um parentesco mais próximo com uma das rainhas, a teoria prediz que a participação dessa rainha no formigueiro como um todo tende a aumentar", explica Hannonen, 29.

E foi exatamente isso o que a análise genética revelou. Se a maior parte das operárias era mais aparentada a uma só rainha, a maioria das novas formigas que chegavam à fase adulta era filha dessa soberana, assim como ela tendia a predominar em número de ovos e larvas.

Como as operárias foram estudadas em grupo, Hannonen diz que é difícil precisar se todas elas agiam de forma a favorecer suas parentas.

Tampouco é possível saber, por enquanto, como os insetos conseguem
manipular o desenvolvimento da ninhada.

"Esse é um mecanismo não-resolvido. Ainda não sabemos se as operárias manipulam as rainhas ou a prole", diz Hannonen. "Mas vamos investigar isso no futuro próximo". Como são responsáveis por todo o abastecimento do formigueiro, as operárias poderiam tanto reduzir os suprimentos das larvas com quem não têm laços de parentesco, ou racionar a comida da rainha -que, assim, perderia fertilidade e vigor.

E como os bichos sabem quem é parente e quem é estranho? É uma questão de química, sugere Hannonen: "Nossos estudos anteriores mostraram que a F. fusca tem um perfil de hidrocarbonetos [moléculas orgânicas de carbono e hidrogênio" muito variável na cutícula. Isso indica que a comunicação química pode ser muito sofisticada nessa espécie, o ajuda a fazer esse reconhecimento". O estudo saiu na revista científica "Nature" (www.nature.com).

 

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