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15/04/2003 - 09h32

Cientistas dão o genoma por terminado

MARCELO LEITE
Editor de Ciência da Folha de S.Paulo

Pela terceira vez em menos de três anos, cientistas do Projeto Genoma Humano (PGH) anunciam a conclusão do sequenciamento -ou transcrição- dos 3 bilhões de letras do DNA da espécie. Agora, afirmam, o projeto de US$ 2,7 bilhões e 13 anos de duração terminou para valer.

Com isso eles querem dizer que alcançaram a meta fixada em 1990: 99,9% de cobertura e precisão (na realidade, atingiram-na com folga, chegando a 99,99% de acuidade). Nos dois anúncios anteriores, em junho de 2000 e fevereiro de 2001, dispunham de somente 97% do genoma.

O PGH foi liderado pelo Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (NHGRI), nos EUA, e pelo Instituto Sanger, no Reino Unido, mas contou com outros 16 centros de pesquisa espalhados por seis países. Os dados armazenados em computadores de acesso público são consultados cerca de 120 mil vezes ao dia por cientistas do mundo inteiro.

Um comunicado foi divulgado pela Casa Branca, com a assinatura dos chefes de governo dos seis países participantes do PGH, no qual se afirma: "[É] uma plataforma fundamental para o entendimento de nós mesmos".

Os 50 anos do DNA

Genoma é o nome dado ao conjunto das "letras" com as instruções bioquímicas para um organismo crescer e viver como membro de uma determinada espécie. Pequenas variações na sequência dessas "letras" também estão relacionadas com as características que cada indivíduo herda de seus pais, aí incluídos defeitos genéticos (como o que causa a hemofilia) e, acredita-se, a propensão para doenças com algum componente hereditário, como o câncer.

O novo anúncio chega em tempo para a comemoração dos 50 anos da descoberta da estrutura do DNA, por James Watson -que estava presente à cerimônia, ontem- e Francis Crick. Seu artigo histórico foi publicado na revista científica britânica "Nature" em 24 de abril de 1953.

Nos últimos três anos, muito se falou sobre a soletração do genoma humano e suas promessas. Ficou cada vez mais claro que as promessas de uma revolução na medicina e curas espetaculares ainda demorarão anos, senão décadas. O genoma, afinal, revela-se muito mais complexo que a metáfora da "revelação do código genético" tem sugerido.

Ontem, as declarações refletiam algo dessa nova sobriedade. Apesar disso, não abandonaram de todo o tom grandioso e até bíblico que sempre havia marcado a nascente disciplina da genômica, sobretudo quando se tratava de angariar os fundos necessários para pôr o PGH em marcha.

Francis Collins, que esteve na liderança do NHGRI e do PGH em sua fase decisiva, a partir de 1998, disse ontem que o projeto "é um presente notável para toda a humanidade -todas as letras do nosso livro de construção humana". Há dois anos, ia além: "Nós obtivemos um vislumbre de um livro de instruções conhecido antes apenas por Deus".

"Livro da vida"

Allan Bradley, diretor do Instituto Sanger em Cambridge, Reino Unido, repetiu a mistura de humildade e grandiloquência: "Não devemos esperar grandes avanços imediatos, mas não há dúvida de que embarcamos em um dos mais entusiasmantes capítulos do livro da vida". O Sanger produziu sozinho cerca de 30% das sequências do genoma, o que faz dele o maior gerador de transcrições do Projeto Genoma Humano.

A expressão "livro da vida" também havia sido empregada, em cerimônia de junho de 2000, pelo presidente Bill Clinton e pelo primeiro-ministro Tony Blair. Clinton chegou a dizer no primeiro anúncio do rascunho que, graças à pesquisa do genoma, seus netos conheceriam a expressão "câncer" apenas como o nome de uma constelação no céu.

"Após 3 bilhões de anos de evolução, temos diante de nós o conjunto das instruções que transporta cada um de nós desde um ovo unicelular até a maturidade e o túmulo", disse ontem Robert Waterston, outro líder do projeto nos Estados Unidos.

Embora essas palavras grandiosas transmitam a impressão de que os mistérios da vida e da saúde foram desvendados, hoje está mais claro que o genoma sequenciado na realidade revela uma complexidade sem limites. Isso começou a ficar evidente quando, ao procurar os genes presentes nos 3% do genoma que de fato contêm instruções bioquímicas, os cientistas encontraram somente algo entre 35 mil e 40 mil deles.

É muito pouco para dar conta das mais de 100 mil proteínas que os cientistas acreditam estar em ação no desenvolvimento e no metabolismo dos seres humanos. Dito de outro modo, a relação entre genes e proteínas não é direta, como chegou a parecer nos primórdios da genômica.

Complexidade

Isso complica um bocado a idéia de que, para curar doenças como o câncer, bastaria identificar as proteínas problemáticas pela comparação dos genes correspondentes com suas versões normais, tal como aparecem nos bancos de dados do PGH. Além do mais, hoje se sabe que podem ser dezenas ou mesmo centenas os genes (e proteínas) que participam dessas moléstias.
Nenhuma dessas complicações quer dizer que o PGH seja um fracasso, ou que as informações genômicas se mostrem inúteis para elucidar os mecanismos bioquímicos subjacentes às doenças. Longe disso. Mas é mais comum, hoje, ouvir os cientistas falarem em aperfeiçoamento de diagnósticos, pela criação de testes moleculares, do que na descoberta de remédios milagrosos.

Com agências internacionais
 

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