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08/06/2003 - 04h42

Artigo: o descarrego de "Matrix Reloaded"

MARCELO LEITE
editor de Ciência da Folha de S.Paulo

Foram duas semanas de orelhas quentes, depois de publicado nesta coluna o texto "O pastiche de "Matrix"". Uma autêntica descompensação da parte dos fãs da trilogia dos irmãos Wachowski (cujo nome saiu aqui grafado com um "v" plebeu de permeio, deslize já retificado na seção "Erramos"), o tipo de gente que nem assistiu ainda ao terceiro filme e já gostou. Pessoas que não apreciam palavras incomuns e acreditam na Verdadeira Profecia do Oráculo, a de que "Matrix Reloaded" bateria todos os recordes de bilheteria na estréia.

Os fãs têm lá sua razão. Como disse Frank Rich num texto para o jornal "The New York Times" reproduzido na Folha, não dá para discutir com um filme que arrecada US$ 135,8 milhões em apenas quatro dias (ou US$ 214 milhões em duas semanas, quase a metade de tudo que foi amealhado pela primeira fita, "Matrix", ao longo de quatro anos).

São números portentosos, mas não mudam a realidade: o recorde no final de semana da estréia nos EUA ainda pertence a "Homem-Aranha", com US$ 114,7 milhões, contra US$ 93,3 milhões de "Reloaded". Por essas e outras, já surgem piadas sobre o fenômeno "Matrix Unloaded", que um tradutor irreverente poderia verter como "Descarrego Matrix".

Pois é de descompensação que se trata, parece, no sentido do dicionário: apesar de todo seu esforço e de toda sua energia, os aficionados não conseguem justificar a manutenção do culto Matrix, pois o segundo filme é ainda mais superficial, farisaico e inverossímil que o primeiro.

Saem as referências adventícias e mais ou menos cultas a filósofos do simulacro-mundo, e reforçam-se os subtons religiosos (ainda que Morpheus seja obrigado a reconhecer a instrumentalização maquiavélica do próprio Oráculo). Acentua-se a vocação "fashion" do filme e sua idolatria pelo tal de "bullet time" (tempo de bala, pois não?), um maneirismo cinetecnológico já trivializado pela publicidade de TV. A obra vende profundidade, iludem-se os espectadores, mas eles compram mesmo são os óculos na banquinha à saída do multiplex de shopping. E sonham, submersos na viscosidade real do consumo, com o dia em que alçarão vôo na noite com as capas para lá de "cool" de Neo ou Niobe.

Os fãs já são prisioneiros de uma matriz tecnomercadológica real, sem maiúscula nem "x": Hollywood. Escreveram duas dezenas de mensagens de e-mail defensivas, para se manifestar particularmente irritados com a exigência de verossimilhança aqui apresentada. A bobagem da produção de energia por pilhas humanas, por exemplo.

Houve até engenheiro tentando usar argumento de autoridade técnica para dizer que tal usina de carne seria possível, sim, ou que faz sentido a obrigatoriedade de conectar-se por linha de telefonia fixa para escafeder-se da rede. Deveria perguntar-se se não são só metáforas canhestras da escravização do humano pela máquina e de brechas de segurança em sistemas de rede, respectivamente. Ou, então, por que elas desapareceram do primeiro plano na segunda fita.

Parafraseando uma velha piada acadêmica, seria o caso de dizer que a saga-franchise Matrix contém reflexões sérias e relevantes sobre o tema da armadilha tecnológica que ameaça o que resta do humanismo --o problema é que suas reflexões sérias não são relevantes, e suas reflexões relevantes não são sérias.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
 

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