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"Senhor X" diz ter mais fitas sobre compra de
votos para a reeleição
18/05/97
Editoria: BRASIL
Página: 1-8
da Sucursal de Brasília
O
''Senhor X'' disse em entrevista à Folha que tem mais fitas
gravadas com revelações a respeito da compra de votos durante a
votação da emenda da reeleição.
''Senhor X'' é como a Folha batizou a pessoa que se dispôs
a gravar diálogos com deputados federais sobre a venda de votos.
Essas fitas com gravações inéditas que estão com o ''Senhor X''
não terão o seu conteúdo revelado, segundo ele diz nesta entrevista.
''Não sou de fazer ameaças'', diz o ''Senhor X''. Para ele, as fitas
já divulgadas são suficientes ''para provar a bandalheira em torno
da emenda da reeleição''.
Negociações
Embora afirme saber de muitas ''negociações escusas'' durante a
votação da emenda da reeleição na Câmara, em janeiro passado, o
''Senhor X'' prefere não citar nomes.
''Seria leviano de minha parte, escondido atrás de um codinome,
ficar acusando pessoas'', afirma.
O ''Senhor X'' acha que as suas revelações estão tendo a repercussão
que esperava. Mas ele considera que o resultado prático está aquém
do necessário.
A Folha tem mantido contatos regulares com o ''Senhor X'',
o que ocorreu mesmo durante a semana passada, quando foram publicados
trechos das fitas com revelações sobre a venda de votos.
A reportagem da Folha e o ''Senhor X'' trabalharam em sigilo
ao longo de quase cinco meses. As gravações eram monitoradas pelo
jornal, com exceção das fitas que continuam inéditas.
Nesta entrevista, ele dá uma declaração esclarecedora sobre a autenticidade
do material. ''São as fitas originais'', disse ao se referir ao
material que está guardado em um cofre na sede da Folha,
em São Paulo.
O ''Senhor X'' disse não se arrepender do que fez. ''Tenho consciência
de que fiz o certo pelo país'', afirmou.
A entrevista publicada hoje foi realizada em um local secreto. Calmo,
o ''Senhor X'' tomou um copo de água e um taça de vinho durante
a conversa. Defendeu a instalação da CPI da reeleição. E fez uma
ironia com os governistas: ''Se não houve mesmo mais votos comprados,
por que o governo tem medo de submeter a emenda a uma nova votação
na Câmara?''
A Folha preserva a identidade do ''Senhor X'' a seu pedido.
Ele pede que não seja revelada sua origem (ele não responde se é
do Acre), sexo ou qualquer outro detalhe que possa dar indícios
sobre seu verdadeiro nome.
Nesta entrevista, alguns temas foram evitados a pedido do ''senhor
X'' -sempre para preservar a sua identidade.
A conversa foi de quase três horas. Só a entrevista formal foi gravada.
Leia a seguir a entrevista à Folha.
Folha - Por que o sr. fez as gravações?
"Senhor X" - Porque eu desejava mostrar as negociações
escusas em torno da aprovação da emenda da reeleição. Todo mundo
falava nos corredores do Congresso, mas ninguém conseguia provar.
Folha - O sr. pode dar detalhes de como foram essas, como
o sr. diz, ''negociações escusas''?
"Senhor X" - Seria leviano de minha parte, escondido atrás
de um codinome, ficar acusando pessoas. Isso eu não faço. Por isso
eu fiz as gravações. É bom que fique sempre claro que eu nunca acusei
ninguém. Quem acusou foram os deputados que aparecem nas fitas dizendo
que venderam seus votos a favor da emenda da reeleição.
Folha - Com a publicação das reportagens surgiu uma polêmica
a respeito das fitas. Essas fitas que o sr. entregou à Folha são
as gravações originais?
"Senhor X" - Sim, são as fitas originais.
Folha - O sr. tem mais fitas gravadas com essas denúncias? "Senhor
X" - Tenho. Tenho ainda muitas fitas, com muito mais pessoas.
Folha - Quem são essas pessoas e por que o sr. não divulgou
ainda essas gravações?
"Senhor X" - Quero deixar claro que não vou divulgar essas
fitas nem vou revelar os nomes dessas pessoas. Não sou de fazer
ameaças. Foram gravações que eu fiz quase por acaso. Estava com
o gravador e fiz. Não achava que aquelas pessoas que estão nessas
fitas inéditas teriam coragem de fazer o que fizeram. E, ainda por
cima, coragem de me contar. Por isso eu não devo divulgar. O que
já foi tornado público é mais do que suficiente para provar a bandalheira
em torno da emenda da reeleição. O problema é que no Brasil tivemos
uma inflação de escândalos. Parece que para uma punição ser efetuada
é necessário ter milhares de provas.
Folha - Mas, já que o país tem essa característica, não
seria o caso de o sr. divulgar de uma vez essas gravações inéditas?
"Senhor X" - Eu não vou divulgar.
Folha - O sr. acha que a imagem do Acre sai prejudicada
depois desse escândalo?
"Senhor X" - O Acre, com esse escândalo, está se tornando
uma espécie de depositário único de todas as mazelas do país. E
eu sei que isso não é verdade. Lá no Acre ocorrem tantas irregularidades
como no restante do país. Talvez até menos do que em Brasília, uma
cidade que já presenciou uma votação ilegítima como foi a da emenda
da reeleição.
Folha - O sr. é do Acre?
"Senhor X" - Não é o caso de entrar aqui em detalhes
sobre a minha identidade. Aliás, isso no momento é o que tem menos
importância. Mais importante do que a identidade do ''Senhor X''
é a identidade dos deputados com os quais o ministro Sérgio Motta
diz só poder conversar nu dentro de uma sauna. Aliás, se a identidade
do ''Senhor X'' fosse ''Senhora Y'', faria alguma diferença? Não
existem perguntas comprometedoras nas fitas gravadas por mim. O
que existem são respostas incriminatórias.
Folha - O sr. esperava que a repercussão da divulgação
das fitas atingisse o nível atual?
"Senhor X" - Sim e não. Sim, porque eu achava que o
país ficaria perplexo com a revelação de uma podridão nunca antes
revelada dessa forma. Mas eu não achava que a divulgação de denúncias
tão graves resultasse apenas na ameaça de cassar sumariamente dois
deputados do Acre. É engano pensar que só essa ação cirúrgica patrocinada
pelo presidente Fernando Henrique Cardoso será suficiente para dar
as satisfações que o caso requer.
Folha - O que o sr. acha que deveria ser feito?
"Senhor X" - É fundamental que a CPI da reeleição seja
instalada. Já há denúncias o suficiente para isso. Mesmo porque,
muito mais graves que as fitas do ''Senhor X'', foram as denúncias
da CNBB e a grave acusação do ministro Sérgio Motta de que, para
falar com alguns deputados, só estando nu em uma sauna.
Folha - Na sua avaliação, a venda de votos foi generalizada?
"Senhor X" - É preciso muito cuidado aí. O Congresso,
o Poder Legislativo, deve ser respeitado. Trata-se de uma Casa digna,
com gente honesta e preocupada em melhorar o país. Mas é evidente
que, se dois deputados confessaram a venda de seus votos em conversas
gravadas, que eu entreguei à Folha, nada impede que outros não tenham
feito a mesma coisa. Atenção: isso não é uma acusação. É uma inferência
lógica a partir das fitas que gravei. Cabe à Câmara investigar tudo
até as últimas consequências.
Folha - Que tipo de negociações aconteceram durante a
votação da emenda da reeleição?
"Senhor X" - Aconteceu de tudo. O problema é que ninguém
tinha provas concretas. Eu produzi essas provas. Aliás, eu gostaria
de dizer que trocar votos por dinheiro é, às vezes, muito mais barato
do que por funções ou cargos que envolvem interesses milionários.
Folha - O que o sr. quer dizer?
"Senhor X" - Veja os dois ministérios que o presidente
entregou ao PMDB nesta semana (na semana passada) e tire suas conclusões.
Folha - Não há hipótese de o sr. vir a divulgar essas
fitas?
"Senhor X" - Veja bem, eu não posso ficar aqui ameaçando
as pessoas. Seria uma atitude covarde de minha parte. Nem meu nome
eu estou falando. Eu quero prestar um serviço ao país e acho que
já fiz isso. E digo isso porque tenho convicção de que, na Câmara,
a maioria dos deputados terá a consciência de evitar a simples degola
de dois parlamentares acreanos apenas para salvar o governo. Não
existem corruptos sem corruptores. Eu confio no Congresso e na sociedade.
Sei que as pressões do governo serão imensas na semana que vem,
quando a comissão de sindicância vai concluir seus trabalhos. Mas
eu confio na integridade dos deputados. E também na firmeza dos
senadores, que estão para votar a emenda da reeleição na quarta-feira.
Folha - O sr. acha que o Senado deve continuar com a tramitação
normal da emenda da reeleição?
"Senhor X" - Eu acho que a ética impede isso. O argumento
de que ''só cinco deputados podem ter vendido os votos'' é ridículo
e envergonha o país. O Brasil não pode ter a sua Constituição emendada
nem com meio voto comprado. Além disso -e não é cinismo de minha
parte-, se não houve mesmo mais votos comprados, por que o governo
tem medo de submeter a emenda a uma nova votação na Câmara?
Folha - Algum dia o sr. vai revelar sua identidade?
"Senhor X" - Hoje, a resposta é não. No futuro, não
sei.
Folha - O sr. se arrepende do que fez?
"Senhor X" - Não. Tenho consciência de que fiz o certo
pelo país.
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