Mercado
de Voto
Entenda como foram conseguidas as gravações sobre
a compra dos votos
21/05/97
Editoria: BRASIL
Página: 1-7
da Sucursal de Brasília
No
final do ano passado, a Folha tomou conhecimento de rumores
sobre compra de deputados por causa da reeleição.
Havia denúncias não comprovadas dos dois lados. Governistas estariam
comprando deputados para votar a favor. E grupos ligados a Paulo
Maluf estariam fazendo o inverso.
Em janeiro, a Folha fez vários contatos com pessoas que poderiam
confirmar ou não as histórias. Embora os boatos continuassem a existir,
as confirmações nunca apareciam.
Apesar disso, quem espalhava os boatos assegurava que a voz corrente
dentro do Congresso dava conta de venda de votos. E que alguns parlamentares
não se sentiam constrangidos a respeito, pois falariam abertamente
do assunto na presença de amigos.
Apesar disso, quem espalhava os boatos assegurava que a voz corrente
dentro do Congresso dava conta de venda de votos. E que alguns parlamentares
não se sentiam constrangidos a respeito, pois falariam abertamente
do assunto na presença de amigos.
Foi nesse período, ainda no final de janeiro, que uma pessoa com
trânsito na Câmara soube do interesse da Folha. Essa pessoa
se dispôs a fazer a gravação.
A pessoa fez apenas uma exigência: o seu nome não deveria aparecer.
A Folha aceitou essa condição. Para o jornal, o interesse
jornalístico se sobrepôs à necessidade de revelar a identidade do
interlocutor dos parlamentares nas fitas.
Criou-se então o codinome ''Senhor X''. A criação do codinome é
de responsabilidade do repórter e do secretário de Redação da Folha
Josias de Souza.
A menos que o ''Senhor X'' queira, nada será revelado sobre sua
verdadeira identidade. Como só a Folha tem as fitas originais
e cópias dessas gravações, só o jornal tem condições de dizer quem
é o ''Senhor X''. Por essa razão, a Folha decidiu retirar
das gravações enviadas à Unicamp os trechos nos quais aparecia a
voz do ''Senhor X''.
Três meses
Apesar da disposição do ''Senhor X'', as gravações que fez demoraram
cerca de três meses. Teve de ganhar a confiança dos deputados Ronivon
Santiago e João Maia, ambos do Acre e recém-expulsos do PFL.
Nas conversas, quase sempre o ''Senhor X'' deixa que os próprios
parlamentares entrem no assunto mais importante, a aprovação da
emenda da reeleição em primeiro turno na Câmara, em 28 de janeiro
passado.
Todas as conversas ocorreram depois da votação da emenda da reeleição
pela Câmara. Para evitar que fosse identificado, o ''Senhor X''
se certificou de que Ronivon Santiago e João Maia falavam sobre
o assunto com várias pessoas. ''Eles contaram isso para tanta gente
que terão dificuldades para lembrar quem poderia ter feito a gravação'',
diz o ''Senhor X''.
As datas das gravações foram informadas à Folha, que acompanhou
tudo. Mas o ''Senhor X'' pede que essas datas não sejam divulgadas,
pois isso facilitaria sua identificação.
A Folha sempre foi informada sobre quando e como as gravações
seriam realizadas. Em um caso específico, a reportagem estava no
mesmo edifício no qual a fita era gravada.
Cinco fitas
As fitas que a reportagem detém são originais. O ''Senhor X'' não
ficou com cópias. A Folha guardou as fitas originais em um
cofre na sede do jornal, em São Paulo. Cópias foram gravadas e estão
guardadas em locais seguros, que não serão revelados.
Até agora, a Folha não havia divulgado o número de fitas
gravadas em seu poder. Hoje, com a divulgação dos laudos pela Unicamp,
essa informação se torna importante para que fique esclarecida a
forma como foram reproduzidos os diálogos.
A reportagem recebeu três fitas com o deputado Ronivon Santiago
e duas com o deputado João Maia. O interlocutor é sempre o mesmo,
o ''Senhor X''. Foram utilizadas fitas do tipo microcassete.
A transcrição dos diálogos obedeceu à lógica jornalística. Apenas
os trechos relativos à compra de votos foram publicados. Nas conversas,
muito informais, os interlocutores falavam dos assuntos mais variados,
inclusive de detalhes sobre suas vidas pessoais.
Foram omitidos das transcrições os trechos que continham frases
que pudessem revelar a identidade do ''Senhor X''.
O gravador M-909
Diferentemente do que alguns órgãos da mídia divulgaram, não houve
gravações por telefone. Todas as conversas foram gravadas durante
encontros pessoais.
Para fazer as gravações, o ''Senhor X'' utilizou um dos mais modernos
microgravadores disponíveis no mercado. Trata-se de um aparelho
japonês da marca Sony, modelo M-909.
O M-909 mede apenas 6,5 cm por 5,8 cm. Sua espessura é de 1,6 cm.
Funciona em velocidade reduzida, o que garante até duas horas de
gravação ininterrupta.
Não é necessário que a fita seja virada. O M-909 tem um dispositivo
que inverte automaticamente o sentido de rotação quando um lado
da fita chega ao fim.
O repórter adquiriu esse gravador em uma viagem ao Japão, no mês
de março do ano passado, quando fazia a cobertura de uma viagem
do presidente Fernando Henrique Cardoso àquele país.
O M-909 custou aproximadamente US$ 250.
Antes das gravações, a Folha teve várias reuniões sigilosas
com o ''Senhor X''. Essa pessoa foi instruída sobre como usar o
equipamento. Os controles são por meio de pequenos botões, que facilmente
podem ser desativados se alguém esbarrar no gravador.
Para captar a voz dos deputados, a Folha e o ''Senhor X''
tentaram várias localizações ideais para o microfone de alta sensibilidade
que era conectado ao gravador.
O microfone
O ''Senhor X'' chegou a embutir o microfone dentro do forro da manga
de um de seus paletós. Mas a qualidade do som não ficou boa, conforme
ficou constatado em uma das tentativas de gravação.
Após várias tentativas, a Folha concluiu que o posicionamento
ideal do microfone seria na altura do tórax, entre o corpo e a camisa
do ''Senhor X''. Com a camisa por dentro da calça, o ''Senhor X''
colocava o gravador nas costas, na altura da cintura. O equipamento
ficava solto.
A partir do gravador, saía o fio do microfone ultra-sensível, também
da marca Sony. Esse fio contornava o corpo do ''Senhor X'' até chegar
na região do tórax, onde estava uma corrente de ouro que servia
de suporte para o equipamento.
A qualidade da gravação não é excelente. Por causa da camisa sobre
o microfone, algumas frases não são ouvidas com clareza. Mas longos
trechos estão nítidos e é possível compreender o diálogo sem problemas.
Problemas técnicos
Como as gravações não ocorreram sempre em ambientes ideais, muitas
vezes as fitas ficaram prejudicadas. Os comandos do gravador raspavam
na camisa e nas costas do ''Senhor X'', e trechos da conversa não
eram captados.
Por conta desses problemas, a reportagem da Folha teve de
orientar o ''Senhor X'' sobre que tipo de perguntas deveriam ser
feitas nas gravações seguintes. O ''Senhor X'' era sempre orientado
a ser neutro e nunca induzir os deputados a dizer alguma coisa.
O ideal, e isso foi feito, era deixar o parlamentar falar livremente
a respeito do processo de votação da emenda da reeleição.
Durante os cerca de três meses em que as gravações ocorreram, o
''Senhor X'' manteve reuniões regulares com a Folha.
Apenas as gravações que já foram publicadas tiveram supervisão da
reportagem. As outras gravações que o ''Senhor X'' fez, conforme
revelou na edição da Folha de domingo, são de sua inteira
responsabilidade. A Folha não teve acesso a essas gravações
inéditas.
Durante o período em que as fitas foram gravadas, a maior dificuldade
não era conseguir que Ronivon e João Maia contassem detalhes sobre
a reeleição.
O problema era entendê-los depois que as fitas estavam gravadas.
Ronivon tem um sotaque carregado e costuma falar baixo. João Maia
tem voz grave, o que dificultou a audição da fita.
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