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Diário, Depressão e Fama

20/02/2006

Getúlio, Juscelino e José

O G e o J têm o mesmo som em nossa língua, dependendo da vogal que vem depois. Por isso, Getúlio alitera com Juscelino e José. Mas é só isso, aliteração: não acredito que G, J, ou quaisquer outras letras, tenham alguma influência numerológica ou cabalista. E olha, que como músico, teria motivos para acreditar, pois dizem que os três maiores são Bach, Beethoven e Brahms, os três Bs. Acontece que prefiro Mozart. Mas os entendidos, por favor, me corrijam.

Uma vez, um entendido em numerologia disse que se eu usasse o sobrenome de minha mãe, Mantovani, o nome artístico "Hermelino Mantovani" me traria fama internacional e imortal, pois teria o mesmo poder que "Pelé"! Como sou muito burro, continuei com o Neder que já usava e aqui estou eu escrevendo esta coluninha (que me dá, pelo menos, muito prazer, não vamos cuspir no prato em que comemos).

Os leitores que acompanham a coluninha sabem de minha simpatia pelos tucanos. (simpatia apenas, não morro de amores). Portanto, já devem ter imaginado que o José do título seja o Serra. Acertaram. Juntei o trio porque tenho uma impressão sobre nosso prefeito: se eleito, ele será tão decisivo e histórico quanto foram Getúlio e Juscelino. Calma, petistas, já explico, principalmente você aí que me chamou de nazista por conta da última coluna.

Na minha humilde, o grande ânimo e a enorme energia com que viveram seus mandatos distinguiram para sempre Getúlio e Juscelino do resto dos chefes de estado brasileiros. Suas conquistas podem ser criticadas, pois não é incomum que, com o passar dos anos, metas que pareciam importantíssimas venham a se revelar menos fundamentais. Mas, a grande energia aliada à vontade de fazer, de acertar, de deixar uma marca histórica positiva, à coragem para enfrentar interesses conflitantes, ao gosto pelo capricho, e à exigência para que seus colaboradores dêem o máximo, esse tipo de personalidade é uma das poucas garantias que temos de que o governante tentará chegar a algum lugar grandioso e, que por isso, porque está no seu sangue, ele deverá promover mudança, desenvolvimento, bem-estar. Claro que tomar a vontade e o ânimo como qualidades fundamentais parece coisa de deprimido, de quem inveja a energia do outro. Mas também elegi a vontade de fazer a coisa certa, o perfeccionismo, a vaidade de passar positivamente para a história. E a coragem.

Vejo com apreensão (mas nenhum desespero) a retomada de Lula na liderança das intenções de voto. Com a mesma apreensão, vejo o apoio que Alckmin recebe de políticos, empresários e populares. É triste imaginar nosso destino entre o catolicismo da Opus Dei e o comunismo bolchevista do PT. E isso se torna mais triste se visto pelo meu ângulo: temos ao nosso alcance, mas perderemos a oportunidade de escolher um grande estadista, um daqueles que marca beneficamente a história de seu país.

Já cansei de criticar Lula. Meus argumentos estão aí nas colunas anteriores. No entanto, apesar de minha quase ojeriza por esse PT que se mostrou o contrário do que pregava, tenho dúvidas se prefiro Alckmin a Lula. Nosso simpático governador não parece ter a coragem necessária. Ele se parece um pouco demais com FHC, que compunha bem com adversários e aliados, mas não parecia realmente disposto a enfrentar interesses poderosos. Alckmin não parece capaz do tipo de enfrentamento que notabilizou Serra contra aos laboratórios internacionais e o Brasil com uma referência mundial na luta contra a Aids. Quem tem alguma noção do poder dos trilhões que transitam na indústria farmacêutica, sabe que José brigou com cachorro grande, como cachorro grande.

Não me entra na cabeça que Alckmin tenha realmente tentado resolver fato os problemas da Febem. Parece-me que esse bom moço (que reparte o cabelo do jeito mais cafona que um careca poderia repartir, e ainda usa brilhantina ou gumex, o que dá à careca aquele brilhozinho oleoso) menosprezou o constrangimento paulista de patrocinar uma instituição que lembra campos de concentração e porões de ditadura. Para ficar apenas em analogias próximas à memória. Faltou-lhe aquela coragem de Mário Covas, esta de José Serra. Ou o norte, que se espera de um cristão, de que as crianças precisam ser bem tratadas, "vinde a mim as criancinhas". Não creio que essa frase seja ouvida dentro dos muros da Opus Dei, ao redor do mundo. Pelo menos, a crer no tedioso "O código Da Vinci". Mas se o livro mente sobre a Opus Dei, por que ela tenta atrapalhar a produção do filme baseado nele? Ouço monges rezando "vem a nós o poder".

Meus argumentos são empíricos, leigos, não os de quem estuda política ou história a fundo. Mas confesso que quando tentam usar argumentos científicos em discussão política, a menos que eu conheça a idoneidade intelectual do interlocutor, desprezo-os com base na profunda convicção de que mesmo os cientistas perdem a razão quando envenenados pela ideologia. Fico com meu empirismo. E me permito escrever num veículo público baseado nesse "achismo" porque que a maioria das pessoas se baseia em raciocínios similares ao escolher suas simpatias políticas. Não me motiva discutir em patamares inalcançáveis. Nem poderia.

Eis, portanto, mais um argumento empírico: o que José Serra faz com as ruas de São Paulo me dá a impressão de que ele cuida do bem público com se fosse a casa dele. As ruas de bairros que já receberam os cuidados da prefeitura estão lindas, bem sinalizadas (de branco e amarelo sobre o fundo negro do asfalto), e o asfalto é liso por igual. Serra não tapou buracos como Marta, os mesmos buracos de sempre. E dizem as manchetes, os buracos que o PT tapa às pressas já precisam de reparos. José mandou raspar e re-asfaltar. Se fosse plausível (atenção: sei que não é - tô meio paranóico com certas interpretações de meus artigos, e aí fico didático, o que é chato. Paciência), eleitores do Brasil poderiam visitar esses bairros de São Paulo e ver o cartão de visitas de Serra à presidência. Ele trataria o Brasil como se fosse a casa dele, no bom sentido, não no de não "plantar" um tucano no jardim da residência oficial. Espero. Pelo jeito, José gosta de coisas bonitas e duradouras, como as que gente gosta para a nossa casa e para a nossa família.

Além dessas impressões simplistas, nas quais me baseio fortemente na hora de votar, ainda tenho umas razões pessoais para confiar em Serra. Conheci-o numa festa na casa de Paul Singer. Quando tive a oportunidade, provoquei-o não me lembro com que tema que lhe era politicamente sensível no momento. Quando respondeu, ele parecia... eu, parecia-se comigo quando alguém me provoca com alguma coisa importante para mim: tento sempre responder com calma, cordialidade e seriedade. Nem sempre consigo, mas sei a atitude que gostaria de ter. Ele a teve.

Outra impressão pessoal veio de sua escolha para Chefe de Gabinete quando estava no Ministério da Saúde. Ele escolheu um homem que era 1) médico, 2) extremamente calmo e afável, e 3) sensível. Esse médico, depois de uma apresentação que fiz com uma classe de crianças de 10 anos, em que apresentamos uma versão do Hino Nacional num colégio da capital, uma versão muito mais parecida como uma canção popular do que com um hino propriamente dito, acompanhada apenas por meu violão, mas com as crianças muito apropriadas do difícil texto do hino, que estudamos e analisamos a fundo, esse homem veio me cumprimentar e disse com lágrimas nos olhos que aquela era a interpretação do hino mais emocionante que já tinha ouvido. Como mencionei, não se tratava de um coro profissional, ou de uma banda sinfônica, mas de um violão e crianças que sabiam o que diziam, que estavam bem ensaiadas, e cantavam em Ré maior, pois Fá, o tom oficial, ficaria muito agudo para elas. Como também considero essa a melhor versão do hino que já ouvi (modéstia à parte e às favas), gostei do cara. Além disso, gosto de homem que chora.

Bem, essas são as razões que fundamentam minha impressão sobre Serra. Não tem nada a ver com Gs e Js. Ou Jânio, Jango e José Sarney mereceriam também minisséries da Globo e a lembrança carinhosa da história.

Nem me fale em José Dirceu, mesmo porque este é com Z, que não alitera com o Juscelino da mini-série, nem com o Getúlio do trabalhismo. E nem com o José de Serra.
Hermelino Neder é compositor e professor de música. Venceu vários prêmios nacionais e internacionais por suas trilhas sonoras para cinema. É doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Tem canções gravadas por Cássia Eller e Arrigo Barnabé, entre outros.

E-mail: nederman@that.com.br

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