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Noutras Palavras

29/04/2005

O melhor e o pior

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
Colunista da Folha Online

Ainda provoca alguma confusão a concordância das palavras "melhor" e "pior". E o motivo disso é que tais termos, de valor comparativo ou superlativo, podem ser adjetivos ou advérbios. Os adjetivos, como sabemos, concordam em gênero e número com os substantivos a que se referem. "Dias melhores virão", diz a sabedoria popular, com seu louvável otimismo. Os pessimistas dizem "Dias piores virão". Com otimismo ou com pessimismo, ambos acertam na concordância: "dias melhores" ou "piores".

O problema surge quando essas palavras têm valor de advérbio, pois os advérbios são invariáveis. Não se flexionam, portanto, em frases como as seguintes: "Elas escrevem melhor que eles", "Eles argumentaram pior que elas". Observe que, nessas formulações, os termos modificam verbos, não substantivos.

Para facilitar o raciocínio, basta pensar que, quando equivale a "mais bom", o termo "melhor" pode sofrer a flexão de plural, mas, quando equivale a "mais bem", é invariável. Afinal, "bom" é adjetivo e "bem" é advérbio. O mesmo vale para a forma "pior". No sentido de "mais mau", pode ir ao plural, pois "mau" é adjetivo; no sentido de "mais mal", é invariável, pois "mal" é advérbio. Não é demais lembrar que "bom" é o antônimo de "mau" e que "bem" é o antônimo de "mal".

Como se pode notar, o problema da concordância em si resolve-se facilmente. Outras questões, entretanto, podem vir à tona quando o assunto é o uso das formas "melhor" e "pior". Uma delas diz respeito à noção de comparação. O comparativo é um "grau" do adjetivo ou do advérbio. Se, por exemplo, alguém disser que um livro é melhor do que outro, estará admitindo que ambos são bons. Isso está pressuposto no uso do termo "melhor". Um é "mais bom" que outro, mas ambos são bons. O mesmo vale para "pior". Se dissermos que a apresentação de um cantor foi pior na noite de ontem, estaremos dando a entender que já vinha sendo má (ou ruim) e que apenas se tornou "mais má".

Na linguagem do dia-a-dia, diante da escolha entre dois objetos, é comum ouvirmos afirmações do tipo: "Este (perfume, carro etc.) é melhor e aquele é pior". Muito bem: melhor ou pior do que o quê? Ou se diz que uma coisa é melhor que outra (porque ambas são boas) ou se diz que uma coisa é pior que outra (porque ambas são más). O que está em jogo é o ponto de vista do qual se faz o julgamento.

Pode ocorrer o uso das formas em questão como superlativos relativos de superioridade e, nesse caso, são antecedidas de artigo. Assim: "Este é o melhor de todos" ou "Este é o pior de todos". No primeiro caso, todos são bons e, no segundo, todos são maus; em ambos os casos, um elemento sobressai entre os demais.

Como podemos observar, as formas "melhor" e "pior" são sempre comparativos ou superlativos de "superioridade", pois ambas pressupõem o acréscimo do advérbio de intensidade "mais". Por esse motivo é que não dizemos "mais melhor" ou "mais pior", construções redundantes. Fiquem atentos, entretanto, aqueles que costumam usar a construção "menos pior", outro equívoco. Se "pior" quer dizer "mais mau", que quererá dizer "menos pior"? "Menos mais mau (ou mal)"! Basta dizer "menos mau" ou "menos mal", dependendo da situação.

Outra questão é a do uso das construções "mais bem" e "mais mal", ambas corretas diante de particípios. Assim: "Seu carro é mais bem equipado que o meu", "Sua casa é mais mal decorada que a dela". Há os que defendem a possibilidade de empregar as formas "melhor" e "pior" nesses casos. Tradicionalmente, entretanto, é a forma analítica (em duas palavras) que se verifica ante os particípios. Diante de termos nos quais "bem" ou "mal" são prefixos, praticamente não há hesitação entre uma construção e outra. Assim: "O marido era mais bem-humorado [e não "melhor humorado"] que a mulher", "O trabalho dela estava mais bem-feito [e não "melhor feito"] que o dele".

Há ainda outras situações em que o falante não vacila ante uma construção que poderia soar como "incorreta". Normalmente se diz que uma pessoa tem "mais boa vontade" que outra [e não "melhor vontade"]. De exemplos como esse e os anteriores depreende-se o motivo pelo qual as formas irregulares ("melhor" e "pior") não são necessárias antes dos particípios.

Ao dizermos, por exemplo, que uma família é "mais bem estruturada" que outra [e não "melhor estruturada"], estamos tomando o sintagma "bem estruturada" como um conjunto significativo (um só adjetivo) passível de gradação _e a anteposição do advérbio de intensidade "mais" a ele opera o grau comparativo de superioridade. É o que ocorre com a expressão "boa vontade", também percebida como um só grupo semântico.

Não é só a construção "mais bem" que se emprega na chamada norma culta do idioma. Existe uma situação em que se usa corretamente a expressão "mais bom". Isso ocorre quando se comparam dois adjetivos (não dois substantivos). Imagine um diálogo como o seguinte: "O apartamento é bom e barato?" "É mais bom que barato!". Nesse contexto, seria impossível empregar a forma "melhor". O mesmo vale para "mais grande" (em vez de "maior") numa frase como: "A sala é mais grande que arejada". Esse assunto será retomado oportunamente.
Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa, é autora de "Redação Linha a Linha" (Publifolha), "Uso da Vírgula"(Manole) e "Manual Graciliano Ramos de Uso do Português" (Secom-AL) e colunista do caderno "Fovest" da Folha.

E-mail: mailto:thaisncamargo@uol.com.br

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