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Regra 10

21/08/2009

Lazaronês e 3-5-2 como legado

EDUARDO VIEIRA DA COSTA
Editor de Esporte da Folha Online

Na galeria dos grandes vilões do futebol brasileiro, Sebastião Lazaroni só perde para o goleiro Barbosa. Mas se o arqueiro da Copa de 1950 também pode ser considerado o maior injustiçado da história ludopédica nacional, o técnico, nesta categoria, fica mais uma vez com o segundo lugar.

Acusado ferozmente por ter sofrido o gol de Ghiggia que deu o título do Mundial ao Uruguai, na derrota por 2 a 1 em pleno Maracanã, Barbosa viveu uma verdadeira maldição nos 50 anos restantes de sua vida, sempre sendo lembrado como culpado pela tragédia. Pouco antes de morrer, disse uma frase emblemática:

"No Brasil, a pena máxima para quem comete um crime é de 30 anos. Eu, que não cometi crime nenhum, pago faz 50 anos."

Com Lazaroni, a história tem sido menos dramática. Tanto que até hoje ele está aí no mercado, como técnico no Qatar, faturando os petrodólares do mundo árabe. Esportivamente, no entanto, ele paga até hoje pelo fracasso brasileiro na Copa de 1990.

E paga especialmente por ter utilizado na ocasião um sistema tático que revoltou a todos, do pipoqueiro de porta de estádio ao presidente da República, passando pela imprensa e até pelos próprios jogadores da seleção.

Lazaroni foi o introdutor do esquema 3-5-2 na seleção brasileira e no futebol brasileiro. O mesmo 3-5-2 com o qual Felipão seria pentacampeão na Copa-2002. Mas, 12 anos antes, isso foi um verdadeiro crime.

Eu, devo confessar, não sou nem um pouco fã do 3-5-2. Muito pelo contrário. Mas foi jogando assim que o próprio Lazaroni conquistou a Copa América de 1989. Com louvor, diga-se. Além de ter quebrado um tabu de 40 anos sem título na competição, o time jogou bem, principalmente com Bebeto e Romário.

Além disso, a equipe se segurou muito bem com os três zagueiros. Na fase final, contra Argentina, Paraguai e Uruguai, não levou nenhum gol. Venceu os três jogos e marcou seis gols.

Aí veio a Copa da Itália. A escalação da equipe que jogou como titular parece ótima sendo analisada hoje. O goleiro era Taffarel (excelente). Os dois alas eram Jorginho e Branco (excelentes). Os três zagueiros foram Mozer, Ricardo Gomes e Mauro Galvão (todos muito bons). O meio campo tinha Dunga, Alemão e Valdo (setor mais fraco). E o ataque era Muller e Careca (excelentes).

Se o time não brilhou na primeira fase, também não decepcionou. Bateu a Suécia (2 a 1), a Costa Rica (1 a 0) e a Escócia (1 a 0).

Logo nas oitavas, teve pela frente a Argentina de Maradona e Caniggia. Mas, ainda assim, jogou muito mais. Mas muito mais mesmo. Só deu Brasil no primeiro tempo. Foram inúmeras chances de gol perdidas. Como diria o próprio Maradona depois, "o Brasil perdeu uns 20 gols debaixo do arco". Teve até bola na trave.

Mas quem marcou foi Caniggia, já aos 36min do segundo tempo, após jogada e passe geniais de Maradona. Deu Argentina, mas poderia ter dado Brasil. Se a seleção passasse por esse jogo, certamente ganharia moral. Numa Copa de nível técnico baixo, dá para arriscar dizer que seria favorita para ser campeã. Não foi.

De qualquer forma, sendo com Lazaroni ou qualquer outro no comando, não pode ser considerado demérito perder para a Argentina. Assim como não é demérito perder para o Brasil. São resultados normais.

O que acabou com a credibilidade do Lazaroni, no final das contas, foi o "maledetto" esquema 3-5-2, que os principais detratores colocavam como 5-3-2. E, principalmente, o raio da figura do líbero, personificado na ocasião por Mauro Galvão.

O grande problema do time, na verdade, para não dizer que era o único, era a falta de um grande meio-campista, um grande armador.

Anos depois, o próprio Lazaroni reconheceria:

"Tenho consciência que fiz o melhor que pude. Reuni um grupo com bons zagueiros e atacantes, mas não tínhamos meias do mesmo nível. Perdemos para a Argentina num jogo em que fomos melhor."

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Demorou, mas o 3-5-2 trazido precocemente por Lazaroni ao Brasil pegou por aqui dez anos depois. A partir de 2000, 2001, vários times começaram a jogar assim. Muitos jogam assim até hoje. Sem contar o já citado time que levou o título da Copa de 2002.

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Além do 3-5-2, Lazaroni deixou como legado para o futebol nacional o lazaronês. A mania do técnico de falar de forma empolada, que chega a dificultar a compreensão, é praticada largamente pelos treinadores de hoje. Vide Tite, Leão, Mano Menezes, Dorival Júnior, Vanderlei Luxemburgo, Renê Simões etc.

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Termos clássicos do Lazaronês original:

Pijama-training: Não treinar
Treinamento invisível: O mesmo que pijama-training
Galgar parâmetros: Evoluir
Interação sinérgica: Jogo coletivo
Lastro físico: Boa preparação
Evento: Jogo

Um exemplo de frase completa é essa explicação do técnico de o que é uma zebra:

- Ela ocorre quando uma equipe que tem menos nome obtém rendimento 100% e aproveita as chances que cria. E quando a equipe favorita tem chance, mas não aproveita.

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Ainda sobre o jogo contra a Argentina na Copa de 1990, vale lembrar que tanto o técnico Carlos Bilardo como Maradona confessaram em 2005 que a comissão técnica argentina deu ao lateral Branco água batizada com calmantes. O jogador ficou tonto na partida. Veja a confissão.

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Comercial do Uno com Sebastião Lazaroni. Só para relembrar a fanfarronice.

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Eduardo Vieira da Costa foi repórter do diário "Lance" e da Folha Online, onde atualmente é editor de Esporte. Escreve a coluna Regra 10, semanalmente, às sextas-feiras, além de comentar futebol em podcast neste mesmo dia.

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