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10/10/2005
-
09h57
GILMAR PENTEADO
ALEXANDRE HISAYASU
da Folha de S.Paulo
R., 16, fez bicos, economizou R$ 300 e comprou um revólver 38 para impressionar os amigos. Inexperiente, D., 18, tentou manuseá-la, mas ela disparou. Ivanilton Gomes da Silva, 15, que nem sabia que havia uma arma na sala de aula, foi atingido pelo tiro e morreu cinco dias depois.
Para a investigação policial, o episódio em uma escola estadual na periferia de São Paulo, às 7h do último dia 29, tratou-se de um acidente. Pelas estatísticas, no entanto, o desfecho não é resultado do acaso. Retrata personagens que, esquecidos nos debates nacionais do referendo do dia 23, são corriqueiras nas ocorrências policiais.
Levantamento das prisões por porte ilegal de arma desde janeiro de 2004, logo após o início da vigência do Estatuto do Desarmamento, em dezembro de 2003, revela perfil parecido ao de R. São dados de quem foi flagrado circulando com arma de fogo pelas áreas mais violentas de São Paulo.
Segundo dados de 7.071 ocorrências entre janeiro de 2004 e setembro de 2005, os presos com armas são muito jovens (48,5% têm entre 16 e 24 anos) e têm pouco escolaridade (metade nem completou o ensino fundamental).
O levantamento, feito a partir dos dados do Infocrim (base de dados informatizada de ocorrências na capital, Grande São Paulo, Campinas e Santos), mostra que a maioria dos presos por porte ilegal não é de chefes de família.
Dos 7.071 detidos, 73,8% eram solteiros. Os desempregados somam 13%. Os estudantes --como os três jovens sem antecedentes criminais que protagonizaram o incidente na sala de aula da oitava série da Escola Estadual Priciliana Duarte de Almeida, em Parelheiros-- representam 2,9%.
À polícia, R. justificou que "comprou a arma para ter". Três meses antes, juntou o dinheiro de bicos que fazia no bar da mãe e o entregou a outro jovem da rua onde mora em troca de um revólver. R., D. e Ivanilton cresceram em Parelheiros, região do 25º DP --distrito que registrou 131 prisões por porte ilegal de arma entre 2004 e 2005, 1,9% do total.
"Não é por acaso que o perfil do portador da arma é semelhante ao perfil de quem mata e de quem morre nas áreas mais violentas", afirmou o cientista político Túlio Kahn, coordenador da CAP (Coordenadoria de Análise e Planejamento) da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, que organizou o levantamento.
Os homicidas e as vítimas também são, em sua maioria, muito jovens, de baixa escolaridade e moradores da periferia. Ele ressalva, no entanto, que a pesquisa também reflete o trabalho policial em busca de armas, que prioriza as áreas com maior concentração de homicídios --logo, com maior número de apreensões.
Para Kahn, os dados sobre o perfil do portador da arma reforça uma deficiência nos programas sobre o referendo. "A mensagem devia ser mais direcionada para esse público. Mostrar que o jovem está predisposto a um risco maior." Segundo ele, o enfoque dos debates está centrado nos adultos, chefes de família. "Além do aspecto de insegurança, existe o mito da virilidade ao portar uma arma. Isso pode ser melhor trabalhado pelas campanhas."
A pesquisadora Karina Sposato, diretora-executiva do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente), concorda que a campanha para o referendo esteja direcionada para o público errado.
"Fala-se dos problemas da classe média, só que ela não é a mais afetada pela violência. As mortes estão concentradas na periferia, no público jovem", afirmou.
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ALEXANDRE HISAYASU
da Folha de S.Paulo
R., 16, fez bicos, economizou R$ 300 e comprou um revólver 38 para impressionar os amigos. Inexperiente, D., 18, tentou manuseá-la, mas ela disparou. Ivanilton Gomes da Silva, 15, que nem sabia que havia uma arma na sala de aula, foi atingido pelo tiro e morreu cinco dias depois.
Para a investigação policial, o episódio em uma escola estadual na periferia de São Paulo, às 7h do último dia 29, tratou-se de um acidente. Pelas estatísticas, no entanto, o desfecho não é resultado do acaso. Retrata personagens que, esquecidos nos debates nacionais do referendo do dia 23, são corriqueiras nas ocorrências policiais.
Levantamento das prisões por porte ilegal de arma desde janeiro de 2004, logo após o início da vigência do Estatuto do Desarmamento, em dezembro de 2003, revela perfil parecido ao de R. São dados de quem foi flagrado circulando com arma de fogo pelas áreas mais violentas de São Paulo.
Segundo dados de 7.071 ocorrências entre janeiro de 2004 e setembro de 2005, os presos com armas são muito jovens (48,5% têm entre 16 e 24 anos) e têm pouco escolaridade (metade nem completou o ensino fundamental).
O levantamento, feito a partir dos dados do Infocrim (base de dados informatizada de ocorrências na capital, Grande São Paulo, Campinas e Santos), mostra que a maioria dos presos por porte ilegal não é de chefes de família.
Dos 7.071 detidos, 73,8% eram solteiros. Os desempregados somam 13%. Os estudantes --como os três jovens sem antecedentes criminais que protagonizaram o incidente na sala de aula da oitava série da Escola Estadual Priciliana Duarte de Almeida, em Parelheiros-- representam 2,9%.
À polícia, R. justificou que "comprou a arma para ter". Três meses antes, juntou o dinheiro de bicos que fazia no bar da mãe e o entregou a outro jovem da rua onde mora em troca de um revólver. R., D. e Ivanilton cresceram em Parelheiros, região do 25º DP --distrito que registrou 131 prisões por porte ilegal de arma entre 2004 e 2005, 1,9% do total.
"Não é por acaso que o perfil do portador da arma é semelhante ao perfil de quem mata e de quem morre nas áreas mais violentas", afirmou o cientista político Túlio Kahn, coordenador da CAP (Coordenadoria de Análise e Planejamento) da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, que organizou o levantamento.
Os homicidas e as vítimas também são, em sua maioria, muito jovens, de baixa escolaridade e moradores da periferia. Ele ressalva, no entanto, que a pesquisa também reflete o trabalho policial em busca de armas, que prioriza as áreas com maior concentração de homicídios --logo, com maior número de apreensões.
Para Kahn, os dados sobre o perfil do portador da arma reforça uma deficiência nos programas sobre o referendo. "A mensagem devia ser mais direcionada para esse público. Mostrar que o jovem está predisposto a um risco maior." Segundo ele, o enfoque dos debates está centrado nos adultos, chefes de família. "Além do aspecto de insegurança, existe o mito da virilidade ao portar uma arma. Isso pode ser melhor trabalhado pelas campanhas."
A pesquisadora Karina Sposato, diretora-executiva do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente), concorda que a campanha para o referendo esteja direcionada para o público errado.
"Fala-se dos problemas da classe média, só que ela não é a mais afetada pela violência. As mortes estão concentradas na periferia, no público jovem", afirmou.
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