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23/04/2006 - 09h30

Lista de transplantes, na prática, não existe

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MALU DELGADO
da Folha de S.Paulo

Auditoria do Tribunal de Contas da União aponta que o sistema nacional de transplantes é extremamente sujeito a fraudes, podendo ser facilmente alterada a ordem de inscrição de pacientes na lista de espera de um órgão.

Nas centrais estaduais, há desorganização e falta de segurança nos sistemas de informática. Não há explicação, por exemplo, por que doentes que constam nos primeiros lugares da lista não foram chamados para o transplante.

Na prática, a auditoria inédita do TCU comprova o que até então era suspeita de muitos especialistas do setor de saúde e pacientes: a lista nacional de transplantes, prevista pelo decreto 2.268, de junho de 1997, na prática, não existe. Ou seja: as centrais de transplantes dos Estados não se comunicam e também não passam informações adequadamente a quem controla o sistema, o Ministério da Saúde.

O trabalho, ao qual a Folha teve acesso, foi aprovado por unanimidade na última quarta e é relatado pelo ministro Marcos Vilaça.

Esperam um transplante 62.785 doentes (dado de maio de 2005), mas o TCU concluiu que a eficácia do Programa Doação, Captação e Transplante de Órgãos e Tecidos está seriamente comprometida.

O programa nacional de transplante consome mais de R$ 400 milhões dos cofres públicos por ano e o objetivo é exatamente minimizar o tempo de espera dos pacientes na fila com a integração entre as centrais. O SUS financia todos os tipos de transplante no Brasil, hoje o país que detém o maior sistema público de transplantes do mundo.

"Cada vez que o telefone toca, penso que chegou a minha vez", diz o aposentado Aguinailton Ribeiro de Souza, 45, há 11 anos na fila do transplante de rim em São Paulo. Ele utiliza ônibus, trem e metrô para se submeter a sessões de diálise, dia sim, dia não, em uma clínica a 33 km da sua casa.

A auditoria mostrou que nas 22 centrais estaduais e nas 8 regionais, os sistemas de informação são incompatíveis, o que impede a existência da lista única. O alerta sobre o problema já tinha sido feito por gestores do programa em 2000. A coordenação do programa procurou, então, desenvolver um software moderno e único, que era usado em São Paulo. Após mais de cinco anos, o sistema ainda está em teste nos Estados.

Por causa dessa incompatibilidade, caso haja um órgão que não tenha um receptor no Rio de Janeiro, por exemplo, outras centrais não ficarão sabendo.

Em 2005, a família do garoto Antonio, que morreu aos 9 anos, não conseguiu doar o coração do menino em razão da confusão entre as centrais. A morte ocorreu no Rio. A central não tinha receptor para o órgão e também não houve comunicação para oferecê-lo a outros Estados.

A equipe de auditoria solicitou à Central Nacional de Notificação, Captação e Doação de Órgãos dados sobre os receptores da lista nacional. Resposta: não estavam consolidados ou disponíveis. Os dados tiveram que ser colhidos. Apenas 15 centrais estaduais enviaram as respostas. Ainda assim, com atraso, erros, dados incompletos ou falta de endereços. Houve casos em que a atualização foi repassada por fac-símile.

Além do problema da comunicação, há o da segurança. Em quase todas as centrais, aponta o TCU, não há registro sobre o número de funcionários que detêm as senhas que dão acesso às listas. As senhas não são renovadas e podem ser facilmente descobertas --possibilitando alterações sem deixar pistas. Também não são feitas cópias de segurança.

Em Brasília, por exemplo, constatou-se que o sistema "permite a geração de listas sucessivas de seleção de receptores, ficando registrada no sistema só a última gerada". Os equipamentos, em boa parte das centrais estaduais, não estão protegidos em salas reservadas. Há casos de computadores que nem sequer têm antivírus.

"Os sistemas em uso não registram os motivos pelos quais um paciente que tenha constado nos primeiros lugares das listas geradas para alocação de órgãos não foi selecionado", diz o relatório.

A auditoria operacional, uma metodologia de fiscalização importada do Reino Unido pelo TCU, não só identifica fraudes, mas também analisa a eficácia de políticas públicas. No caso do programa nacional de transplantes, o órgão afirma que "os processos, em termos de recursos alocados e procedimentos realizados, ainda não têm sido suficientes para o atendimento das necessidades de toda a população".

Colaboraram CLÁUDIA COLLUCCI e FABIANE LEITE, da Reportagem Local

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