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17/12/2006 - 02h33

"Rádio funcionava bem", dizem pilotos do Legacy

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ELIANE CANTANHÊDE
enviada especial da Folha de S.Paulo a Nova York

Em sua primeira entrevista a um jornal e também a primeira à imprensa brasileira, os pilotos americanos Joe Lepore e Jan Paladino, do Legacy que se chocou em 29 de setembro com o Boeing da Gol, causando a maior tragédia da aviação brasileira, disseram que o rádio do jato "funcionava bem, perfeitamente bem", apesar de quase 30 tentativas malsucedidas entre eles e o Cindacta-1, o centro de controle de Brasília.

Também disseram que não é possível garantir que o transponder estava inoperante, como fazem as autoridades brasileiras. Relataram, ainda, que os controladores não demonstravam "nenhuma urgência" quando conseguiram contato com o Legacy e que voaram sempre na altitude de 37 mil pés para Manaus, apesar de ser "contramão" naquela via aérea, porque seguiram a orientação da torre de controle de São José dos Campos. Segundo eles, só o controle de tráfego aéreo poderia mudar essa orientação mais adiante. E não mudou.

Há ou não um buraco negro nos céus do Brasil? Para Lepore, "ele não deveria estar lá". E para Paladino: "É um problema do sistema, mas não está indicado em lugar nenhum. Penso que o governo brasileiro deve saber dele. Algumas pessoas [do governo] dizem que não há, mas todo mundo sabe e diz que há".

O advogado americano Robert Torricella, que participou ativamente da entrevista, concedida na última sexta-feira, num hotel de Nova York, fez constantes sinais para seus clientes, especialmente quando poderiam criticar o Brasil, as autoridades ou o sistema de vôo brasileiros. E respondeu a várias perguntas dedicadas a seus clientes, chamando o plano de vôo original de "piece of paper"(pedaço de papel).

Torricella justificou a preocupação com o fato de Lepore e Paladino terem sido indiciados no inquérito da Polícia Federal. Qualquer coisa que digam além do limite poderá ser usado contra eles. Exigiu, inclusive, que as duas fitas resultantes da conversa lhe fossem entregues assim que transcritas em português no mesmo dia. Assumiu o compromisso de destrui-las, sem nenhum uso nas investigações.

Lepore, 42, nascido na Itália, filho de italianos, mudou-se para os EUA aos sete anos, é casado e tem dois filhos. Paladino, 34, filho de pai argentino e de mãe espanhola, também é casado, mas sem filhos. Ambos são cidadãos norte-americanos. Estavam de terno escuro e gravata, apesar de se tratar de uma entrevista e de um local informal. Só foram permitidos alguns poucos minutos de fotos, antes e depois da conversa, não durante.

Eles contaram que não viram nem tiveram a mínima idéia de que o Boeing vinha na direção contrária e que só umas duas horas depois de pousar, sãos e salvos, na base militar da serra do Cachimbo, é que ficaram sabendo que um Boeing havia "sumido". Leia, a seguir, os principais pontos da entrevista.




Folha - Vocês conheciam bem o Legacy? Quantas horas tinham voado nele?
Joe Lepore - Sou piloto há 20 anos, treinei 20 horas no simulador e, além disso, eu tenho voado há bastante tempo em aviões bem semelhantes, estou habituado com eles. O equipamento me era muito familiar.

Jan Paladino - Eu tenho 16 anos como piloto e tinha voado bastante como comandante no Embraer 145, que é uma cópia exata do Legacy.

Folha - Ambos estavam acostumados o suficiente com a cabine de comando e com os equipamentos, como, por exemplo, o transponder?
Lepore - Com certeza. Eu tinha treinado bastante no simulador, que tem os mesmos equipamentos, e estava perfeitamente confortável com a aeronave.

Paladino - Eu também.

Folha - Vocês estudaram adequadamente a rota e o plano de vôo, que previa três altitudes diferentes entre São José dos Campos e Manaus?
Lepore - Eu olhei previamente diferentes possibilidades que eles poderiam nos dar no plano de vôo e, quando chegou o plano de vôo, olhei detalhadamente com o Jan e digitei os pontos de navegação em nosso sistema de computador, passo a passo.

Folha - Então vocês sabiam que seria contramão voar em altitude ímpar entre Brasília e Manaus?

Robert Torricella - A pergunta não é apropriada, porque a questão é outra. É bastante comum que aeronaves tenham autorização para voar em altitudes não regulares ou padrão, isso depende dos centros de controle.

Paladino - Vou dar um exemplo. Viajei muito pela American Airlines, na rota Nova York-Florida, ida e volta, e costumeiramente o controle de tráfego aéreo me botava numa altitude não regular, fora do padrão usual. Isso acontece com razoável freqüência. Acontece o tempo todo e depende só da autorização do centro de controle. Essa responsabilidade não é minha. É responsabilidade do centro de controle estabelecer a altitude.

Folha - Como foi a clearance [autorização] em São José? O que o controlador disse, e o que vocês responderam?
Torricella - Isso está sendo objeto da investigação, e eles não podem reproduzir a conversa, que ainda está sob sigilo. Os investigadores são especialistas e profissionais e saberão o momento adequado para divulgar as conversas gravadas.

Folha - Então, qual foi a clearance que vocês receberam em São José?
Lepore - Eles me autorizaram a voar em 37 mil pés até Manaus.

Folha - Você concluiu que deveria voar nessa altitude todo o tempo, apesar de o plano de vôo prever três diferentes níveis? E não questionou isso?
Lepore - Essa foi a clearance. Se eles quisessem que nós fizéssemos algo diferente, teriam dito isso claramente. Não disseram.

Folha - Na investigação da Polícia Federal, o delegado afirmou que um de vocês dois disse que não tinha entendido "the final fix", ou seja, as instruções finais. Correto?
Torricella - A Polícia não divulgou suas apurações publicamente, então, não se pode saber se há isso ou não no seu relatório.

Folha - Eu vi a transcrição dos depoimentos dos controladores, e o delegado diz especificamente isso, que os pilotos tiveram dúvidas sobre o "final fix".
Torricella - A informação da Polícia Federal não é correta e é por isso que nós devemos deixar os investigadores aeronáuticos profissionais fazerem seu trabalho.

Folha - No relatório preliminar da comissão de investigação aeronáutica, eles dizem que apuram eventuais divergências nas regras e procedimentos do controle aéreo entre o Brasil e o resto do mundo. Há divergências?
Torricella - Isso é uma questão para os controladores responderem, não para os pilotos.

Folha - Mas há uma dúvida importante, se houve falha de comunicação entre a torre, que pode ter falado num só nível até Brasília, no primeiro setor, e os pilotos, que entenderam que seria uma só altitude até Manaus.
Torricella - Não há nenhuma dúvida de que o controle de São José deu uma clearance para Manaus voando em 370. A clearance se tornou o plano de vôo em vigor, e a lei exige que eles sigam esse plano autorizado. As regras são as mesmas no Brasil, nos Estados Unidos e internacionalmente.

Folha - Quando o controlador disse 370, vocês questionaram lembrando que o plano de vôo era diferente?
Paladino - Não é incomum haver diferença, acontece o tempo todo. Você tem que voar de acordo com o vôo autorizado.

Folha - Então, vocês não questionaram, apenas seguiram em 37 mil pés e pronto?
Lepore - Como Paladino disse, isso acontece o tempo todo, de você ter um plano de vôo num altitude e ser autorizado a voar em outro. Digamos que isso acontece 99% das vezes.

Folha - 99%?!
Lepore - É. Plano de vôo não passa de uma mera proposta.

Paladino - O plano de vôo real é a "clearance" que você recebe do centro de controle.

Torricella - Se for o caso, os aviões continuam recebendo autorizações de altitudes ao longo do vôo. O plano de vôo original é meramente um "piece of paper" [pedaço de papel].

Folha - No relatório preliminar, eles dizem que nem vocês pediram para baixar para 360 ao sobrevoar Brasília, nem os controladores orientaram vocês para fazê-lo. É uma indicação de que houve falha?

Paladino - Não se espera de nós que contatemos o centro de controle ao sobrevoar Brasília.

Torricella - A regulamentação para quando você está sob vigilância pelo radar diz que quem define as regras e altitudes do vôo é o centro de controle. A lei é clara.

Paladino - É aceito internacionalmente que você não muda de altitude a não ser que orientado pelo controle a fazê-lo. E não se espera de você que chame Brasília ao sobrevoar aquele ponto, a não ser que eles, do controle, tenham que modificar a clearance, uma vez, duas vezes, três vezes. Do contrário, você fica na altitude da clearance. Os controladores é que têm de nos contatar, quando e sempre que julguem ser necessário. Nós seguimos os regulamentos e seguimos também o plano de vôo em vigor, autorizado.

Folha - O relatório preliminar disse que houve quase 30 tentativas frustradas de contato por rádio, sete dos controladores, o resto de vocês. O que ocorreu?
Paladino - Posso garantir que os nossos rádios estavam funcionando apropriadamente, tanto que estávamos recebendo transmissões em português de Brasília durante todo o vôo. Esse é um fato. Nós não entendemos uma palavra em português, mas nós sabíamos que o rádio estava funcionando bem, apropriadamente. O "chart" [uma espécie de definição para mapa aeronáutico] não indicava uma mudança de setor, e é responsabilidade do controle de tráfego contatar o avião quanto está na hora de trocar de setor.

Quando estávamos nos aproximando da FIR fronteira [saindo da órbita de controle do Cindacta-1, de Brasília, para a do Cindacta-4, de Manaus], eu comecei a chamar o controle para ter certeza de que estávamos na freqüência correta. Quando não recebi resposta, eu segui os procedimentos habituais e chequei no "chart" as freqüências apropriadas para aquela rota. Isso tomou alguns poucos minutos. Eu estabeleci uma comunicação de mão única desde o centro de controle, pedindo para mudar a freqüência. Não havia nenhuma urgência na voz do controlador, que apenas nos instruiu a contatar o centro de Manaus a partir dali em determinada freqüência. Infelizmente, eu não consegui ouvir toda a freqüência. Pedi para repetir, no processo de tentar restabelecer comunicação.

Folha - Se vocês tentaram 19 ou 20 contatos, sem sucesso, por que não digitaram o código 7600 no transponder, registrando dificuldade de comunicação? Não é esse o procedimento?

Paladino - Isso é incorreto. 7600 não é para dificuldade de contato com o centro de controle, mas sim para quando há falha de equipamento, quando isso não funciona. Não era o caso. O rádio estava funcionando bem, perfeitamente bem. O que nós temos de fazer, nesses caso, é procurar uma outra freqüência, mais apropriada na rota, e foi o que eu fiz. E foram só alguns minutos.

Folha - Mas 27 ou 26 tentativas que falharam? Não é demais?
Torricella - O relatório preliminar claramente indica que eles fizeram 19 tentativas num espaço muito pequeno, de apenas oito minutos [de 16:48:16 até 16:56:53, um segundo antes da colisão].

Folha - Houve versões, no início, de que vocês estavam fora da cabine e não ouviram o rádio porque estavam brincando com um avião novinho em folha. E a hipótese de desligarem o transponder para fazer piruetas sem registro nos radares?
Paladino - Foram acusações falsas. Nós sabíamos que as investigações mostrariam que eram todas falsas, porque as gravações da caixa preta provariam que nada era verdade. Esses são os fatos.

Lepore - Nós estávamos a 37 mil pés, nós tínhamos o piloto automático ligado e nunca deixamos aquela altitude, como mostrou o relatório preliminar. Eu nunca faria isso. Eu não gosto nem de parques de diversão, de roda gigante. Detesto. Eu gosto mesmo de tudo direto, reto, no nível.

Paladino - Nós gostamos de transportar nossos passageiros em segurança do ponto A para o ponto B, gostamos de vôos tranqüilos, sem turbulências, e de voar profissionalmente, sem surpresas.

Lepore - Isso tudo não faz sentido, esses rumores de que estávamos fazendo piruetas. Não há nenhuma hipótese de ser verdade.

Paladino - Isso já passou. Ninguém mais duvida.

Folha - Mas como vocês dois reagiam ao ouvir e ler sobre essas hipóteses?
Lepore - Isso me atinge profundamente, ataca meu caráter. Jamais faria alguma coisa assim, colocando em risco a vida de alguém. Não faz nenhum sentido. Nunca faria isso, em nenhuma hipótese.

Folha - Por que o transponder estava inoperante, então?
Torricella - Não há nenhuma evidência de que ele não estava funcionando. O que o relatório preliminar diz é que houve uma falha de contato entre o transponder e o centro de controle. Isso é diferente de não estar funcionando. Vamos lembrar que o transponder ainda está passando pela perícia nos EUA, ninguém tem ainda certezas sobre isso, não há provas.

Folha - Vocês desligaram ou não o transponder?
Lepore - Absolutamente, não.

Folha - No relatório da PF, eles dizem que o transponder ficou desligado por 50 minutos. Por quê?
Paladino - É como ele [Torricella] disse: não há provas, nós não vimos nenhuma prova disso, de que o transponder estava inoperante. Poderia ser um outro problema. Não havia durante o vôo nenhuma indicação na cabine de que ele estava inoperante.

Torricella - Esse é o problema com a investigação da polícia. Os investigadores policiais concluem coisas antes mesmo que os investigadores aeronáuticos, que são profissionais, cheguem a suas próprias conclusões. Os investigadores policiais concluem sem a informação completa.

Folha - Mas o sinal do transponder sumiu dos radares de Brasília, esse é um fato que os investigadores aeronáuticos profissionais já confirmaram.
Paladino - Nós não sabemos por quê, não sabemos porque o sinal não estava chegando. Onde estavam os controladores, que não perceberam isso?

Folha - É possível o transponder parar sem que os pilotos percebam?
Paladino - O avião não é desenhado para dar nenhum sinal, nenhuma indicação, em caso de inoperância do transponder. Não há nenhum alarme na cabine para os pilotos se o transponder para de funcionar.

Folha - Isso, aliás, deverá ser uma das recomendações da comissão de investigação ao final.
Lepore - Eu concordo. Já ocorreram casos em que o transponder falhou, e o controle de tráfego aéreo imediatamente contatou os pilotos e disse: "Por favor, cheque seu transponder, eu não estou recebendo nenhum sinal dele". Então, o que você faz é desligar e religar de novo, exatamente quando dá pau no seu computador e você tem de religá-lo. Muitas vezes, se você procede assim, ele volta a funcionar quando você religa.

Paladino - Caso contrário, se não funcionar mesmo assim, você tenta o outro transponder. Isso faz parte da investigação, e não comporta nenhuma especulação precipitada, antes das conclusões.

Folha - Problemas com o rádio, problemas com o transponder, problemas com o sinal do radar secundário. Há a possibilidade de ter havido uma espécie de pane eletrônica, já que o avião era novo em folha?
Torricella - Há um grande número de coisas que poderiam ter ocorrido aqui, e é por isso que os investigadores profissionais alertaram que serão necessários vários meses para se chegar a conclusões definitivas sobre o que houve. É por isso que a Polícia Federal não deveria ter essa postura de fazer acusações tão já.

Folha - Vocês dois, pilotos, sabiam que o Legacy ficou completamente fora de qualquer radar, tanto do primário quanto do secundário, por cerca de 20 minutos?
Lepore - Não. Como nós saberíamos disso? Só saberíamos se o centro de controle tivesse nos alertado.

Paladino - E, se foi o caso, eles tinham obrigação de nos comunicar. Não comunicaram.

Folha - Por que vocês se recusaram a dar sua versão no depoimento à PF? Por que ficaram calados?
Torricella - Joe e Jan ficaram detidos no Brasil por 70 dias, supostamente porque sua presença era necessária para dar informações para os investigadores da polícia.mas, antes mesmo que respondessem a uma única questão, o delegado já foi dizendo que eles já estavam indiciados. Ficou claro para nós que ele já tinha certezas da sua própria cabeça e que os fatos eram irrelevantes.

Folha - A polícia indiciou os dois dizendo que há um diálogo entre vocês na caixa preta confirmando que ambos sabiam que o transponder estava fora do ar. Qual foi esse diálogo?

Torricella - Como sempre dissemos e mantemos, nós não pretendemos tornar públicos detalhes específicos das gravações que os próprios investigadores não estão divulgando. Mas Joe e Jan já responderam que o transponder estava ok durante todo o vôo.

Paladino - Todas as indicações que nós tínhamos na cabine era de que tudo estava indo bem.

Folha - A dificuldade de comunicação, por causa da língua, foi um fator decisivo no acidente?
Lepore - Não acredito nisso. Nós não entendemos nada errado na comunicação com os controladores. Talvez tenhamos pedido a eles para repetir uma coisa ou outra, mas isso é absolutamente normal, até mesmo aqui nos EUA.

Paladino - Às vezes, há interferência, fica difícil de ouvir. Isso é normal. Quando você fala a mesma língua do controlador, isso melhora e facilita "the situational awareness" [as circunstâncias gerais do vôo]. Por exemplo, se o controlador esquece de te dar uma mudança de freqüência, você estará ouvindo as conversas dele com outras aeronaves e se situará melhor, terá uma posição melhor para identificar e corrigir o erro. Se o controlador falar português, eu não consigo entender o que ele está falando com outra aeronave, não vou poder me situar tão bem. Isso vale para alemão, francês, argentino, americanos, não interessa, a língua internacional da aviação é inglês, todos estão no mesmo barco.

Folha - Vocês viram ou perceberam de alguma forma que o Boeing estava vindo?
Lepore - Nós não vimos nada.

Paladino - No princípio, nem tivemos idéia de que alguma coisa tinha nos atingido. Nós nem poderíamos imaginar ter batido num outro avião e ainda assim estar aqui vivos.

Folha - Como foi aquele exato momento da batida?
Lepore - Nós sentimos uma forte sacudida, o piloto automático desligou, aí nós agarramos os controles e fizemos tudo para manter o avião voando. Só fizemos isso, nos concentramos em tentar manter o avião voando. A asa estava muito atingida, e um dos passageiros avisou sobre o dano. Nós tínhamos o aeroporto mais próximo no display da cabine e voamos naquela direção, para lá.

Folha - Vocês entenderam o que tinha acontecido?
Lepore - Foi um choque, nós não sabíamos em que e por que. O que causou o choque? Nós não sabíamos.

Paladino - Pensamos que, talvez, tivesse tido uma falha estrutural. Ninguém poderia imaginar que um outro avião tinha batido na gente. Então, nossa atenção foi controlar o avião, pousar o mais rápido possível, porque sabíamos que o tempo corria contra nós. Nós não sabíamos quanto tempo a asa suportaria. Era preciso pousar logo. Só pensávamos em pousar, em chegar em terra firme. Não estávamos focados no que tinha acontecido, mas no que fazer naquela situação.

Folha - Em que vocês pensaram na hora?
Paladino - Nós só pensávamos nos passos seguintes para pousar, como usar os flaps, se convinha voar mais rápido ou não, se isso poderia afetar ainda mais a asa e se a velocidade estava muito rápida para pousar. Qual o tamanho da pista de pouso? Há morros em volta? Será que as rodas vão aguentar? Você tenta imaginar todos os cenários, de forma a pousar dentro das melhores condições possíveis de segurança.

Folha - Em que momento e como vocês souberam que tinham colidido com um Boeing?
Lepore - Só depois de umas duas horas depois de pousar. Nós estávamos jantando com os outros [cinco passageiros], quando um deles, um dos empregados da Embraer que estava no avião e que fala português, veio e disse que havia um Boeing sumido. Não sei se ele viu na televisão, se soube por alguém, não sei.

Paladino - Logo depois que pousamos na base [de Cachimbo, em Mato Grosso], havia militares em torno de nós, mas eles não falavam inglês, à exceção de um deles. A primeira coisa que nós perguntamos a ele foi se ele tinha recebido alguma chamada de emergência de outra aeronave. 'Por favor, nos diga'. E ele: 'Não, não ouvimos nada'. E nós sentimos um enorme alívio, ao achar que não havia nenhum outro avião envolvido naquilo. Assim que tivemos certeza de que estava tudo bem conosco, nossa primeira preocupação foi saber se alguém havia se ferido.

Folha - Depois da colisão, como ficou o clima no Legacy? As pessoas estavam nervosas? Alguém gritou? Houve pânico?
Lepore - Todo mundo, na verdade, estava muito calmo. Eu fiquei feliz com isso, porque não tivemos que nos preocupar muito com os passageiros e pudemos nos concentrar no avião e em como pousar.

Folha - O primeiro contato por rádio foi com um outro avião americano da Polar, certo?
Paladino - Nós fizemos uma série de chamados de emergência e, finalmente, foi justamente um avião cargueiro que nos ouviu, respondeu e foi nossa ponte com o controle de Manaus.

Torricella - É importante frisar que não foram eles que procuraram o cargueiro. Depois que eles declararam emergência, tentaram desesperadamente ter socorro, e a única pessoa que os ouviu foi o piloto do cargueiro.

Folha - Há ou não um buraco negro nos céus do Brasil?
Lepore - Ele não deveria estar lá.

Paladino - É um problema do sistema, mas não está indicado em lugar nenhum. Penso que o governo brasileiro deve saber dele. Algumas pessoas dizem que não há, mas todo mundo sabe e diz que há.

Folha - Vocês têm acompanhado todo esse caos nos aeroportos e no sistema de tráfego aéreo do Brasil?
Lepore - Nós precisamos ver agora o que está ocorrendo com o sistema de tráfego aéreo lá agora. Nós vimos pelo noticiário da TV.

Paladino - Ficamos no Brasil por um bom tempo e, depois de dez semanas, era possível pegar uma palavra ou outra e entender.

Folha - Como foram essas semanas no Brasil?
Lepore - Foi muito duro. Não sabíamos o que acontecia dia após dia, todas aquelas acusações sendo feitas, nós não tínhamos idéia do que iria aconteceu conosco. Estamos realmente preocupados.

Paladino - Foi um tempo muito emocional e aquelas acusações contra nós... Em respeito às famílias, nós nos mantivemos em silêncio. Nós queríamos que os fatos surgissem, porque sabíamos que isso eliminaria as falsas acusações. Nós ficamos quietos, esperando as emoções acalmarem, para que os investigadores pudessem fazer seu trabalho. Era isso que queríamos que ocorresse. Nunca pensamos que demoraria tanto, que ficaríamos tanto tempo detidos no Brasil. Assim, nós tínhamos medo. A nossa liberdade estava sendo tirada de nós, porque não podíamos voltar para casa.

Folha - Vocês estão muito pálidos. Não foram nenhuma vez à praia, não saíam nunca do hotel?
Torricella - Nós ficamos praticamente dentro do hotel [no Rio], mas em pelo menos duas oportunidades, nós conseguimos sair os três.
Lepore - A verdade é que nós basicamente queríamos ficar sozinhos.

Folha - E a imprensa brasileira, qual a impressão de vocês?
Paladino - Os jornalistas estavam fazendo o trabalho deles, reportando as informações que recebiam. Quando as emoções se acalmaram, eles continuaram fazendo seu trabalho, mas investigando mais além, mais fundo.

Torricella - Em geral, a imprensa tem feito um excelente trabalho de investigação para revelar toda a verdade.

Folha - A festa de recepção para vocês em Nova York, com tapete vermelho e tudo, pegou mal no Brasil. Afinal, 154 pessoas morreram.
Torricella - A razão para essa reação [contra a festa de recepção] foram os rumores e as acusações falsas contra eles. Se as pessoas soubessem da verdade, se soubessem que eles não fizeram nada errado, não reagiram assim.

Folha - Algumas pessoas na imprensa americana se referiram a vocês como heróis. Vocês realmente se sentem heróis, apesar da tragédia?
Lepore - Não há nada disso. Nós não pensamos que somos heróis.

Paladino - Apenas fizemos o nosso trabalho.
 

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