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25/02/2007 - 11h46

Ação de milícias no Rio inclui foto de satélite

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RAPHAEL GOMIDE
da Folha de S.Paulo, no Rio

Mapas e fotos produzidas por satélite do site Google Earth, ao menos 40 homens com fuzis, granadas e pistolas, coletes à prova de balas e o auxílio de um X-9 (informante) conhecedor da estrutura do tráfico.

Esse é o procedimento comum nas invasões de milícias a favelas do Rio, segundo contaram à Folha três líderes desse tipo de grupo (integrado por PMs, ex-PMs, bombeiros e até militares das Forças Armadas), que espraiou sua atuação a quase uma centena de áreas nos últimos quatro meses.

Folha Imagem
Bandeira de luto em Rio das Pedras, após morte de suspeito de chefiar milícia
Bandeira de luto em Rio das Pedras, após morte de suspeito de chefiar milícia
Dos pontos-de-venda de drogas aos esconderijos dos traficantes, de armas e de dinheiro, tudo é mapeado com a ajuda dos X-9. Cooptados pelos milicianos, esse morador ou ex-integrante do bando acompanha a invasão, apontando os locais pessoalmente.

"Entramos sempre com X-9, informantes, pessoas ligadas a eles que fecham com a gente. Entregam onde está a droga, o dinheiro, onde o cara se esconde. Em um dia, a gente bate todos os pontos. Quando vê que não tem mais vagabundo dentro, ocupa. Os que conseguem fugir, fugiram", conta um dos líderes, que aceita falar, pela primeira vez, mas sob condição de anonimato.

"Só convidado"

Sentado na sala principal da sede da Associação de Moradores da Vila Esperança Palmeirinha, em Guadalupe (zona norte), um homem forte e alto de pouco mais de 30 anos, camiseta sem mangas e tênis modernos, distribui ordens.

Entre os que o escutam com deferência, o presidente da associação local e homens com pistola na cintura --a maioria PMs e ex-militares. O cartaz na porta avisa: "Só entre se convidado. Não insista para não ser destratado".

Sem farda, o policial militar chefia a milícia que controla há oito meses favelas do complexo da Palmeirinha, com dez comunidades. Articulado, tranqüilo e sob a condição de não ser identificado ou fotografado, contou à Folha os planos para tirar seu grupo da irregularidade e da mira da polícia e do governo.

Fim da procura e da oferta

Além de reprimir e tentar acabar com a oferta de drogas, as milícias atacam também os consumidores nas favelas.

"Viciado não pode usar drogas mais. Na primeira vez, a gente chama a atenção e avisa a família; na segunda, leva um pau [surra]. Aí levamos para a pastora, que encaminha para centro de reabilitação. Não acontece mais. Um cara foi pego quatro vezes. Hoje passa aqui com calça social, camisa de linho. Antes, entrava um cara aqui e acendia a maconha na sua cara, e a ia falar o quê?"

Essa é a versão admitida pelo miliciano. Mas, em reincidência, o usuário de droga pode ter o mesmo destino de seu fornecedor: o "microondas", forno arcaico montado com pneus e que derretem os corpos de inimigos fazendo que engrossem a contabilidade dos "desaparecidos" no Rio.

Segundo a polícia, as milícias invadem as comunidades, matam os traficantes ou provocam sua fuga e passam a controlar com mão-de-ferro os negócios da favela. Dão "proteção" a comerciantes e moradores em troca de pagamentos mensais.

"É a Santa Inquisição: 'a gente mata por um bem maior'. Chegam com arma na mão e se tiver confronto eles matam. A milícia surge da pobreza, a pretexto de salvar a comunidade dos traficantes, mas ela cai nas mãos de outra tirania, que não tem boas intenções: os objetivos são financeiros e políticos", afirma Alexandre Neto, da Delegacia Anti-Seqüestro.

Em setembro do ano passado, quando a milícia atuava para tomar parte das favelas na região, foram registrados dez homicídios na 30ª DP, responsável pela área.

Foi o maior índice desde março de 2005 e representou aumento de 233% em relação a setembro do ano anterior. Em julho e agosto, houve duas e uma morte, respectivamente (em 2005 foram uma e cinco mortes nesses mesmos meses).

Custo e investimento

Uma invasão de favela pode custar a um grupo de milicianos até R$ 4.000 em logística e munição. Nenhum integrante do grupo recebe dinheiro para participar das invasões a favelas ocupadas pelo tráfico.

É uma espécie de investimento, em que os membros esperam recuperar os riscos em médio prazo, com a atuação no dia-a-dia.

Os "soldados" milicianos no complexo da Palmeirinha trabalham em turnos e ganham R$ 300 mensais, mais cesta básica. Rodam a comunidade a pé ou de carro, em rondas, 24h por dia. "Temos 'plano de carreira', com melhoria salarial", diz.

O complexo de Palmeirinha, em Guadalupe, demorou pouco menos de dois meses para ser tomado pelo grupo. Tinha cerca de 25 traficantes.

O líder do milícia local disse que o armamento para essa invasão é comprado no mercado negro ou "herdado" de traficantes. Nada é registrado. A variedade de fuzis é grande: FAL calibre 7.62 (Fuzil Automático Leve, das Forças Armadas), o alemão Ruger, o americano AR-15.

A estrela da coleção das milícias é o FAL, pelo alto poder de destruição. Embora grande e pesado (4,2 kg sem o carregador com 20 projéteis), seus tiros furam com facilidade as precárias paredes das casas de favela.

O impacto no corpo humano é devastador. É também o mais caro deles, custando cerca de R$ 27 mil no mercado negro. Os outros fuzis variam de R$ 10 mil a R$ 15 mil cada um. Uma pistola vai de R$ 1.500 a R$ 3.000.

Contribuições

O miliciano admitiu controlar e arrecadar dinheiro da venda de gás, do "GatoNet" --serviço de TV a cabo pirata--, de pontos de Kombi e van nas comunidades. Também disse receber contribuições "espontâneas" de comerciantes locais de R$ 2 a R$ 20 mensais. "Colabora quem quer. Quem bota o rótulo de R$ 10 é a mídia."

Afirmou que a associação de moradores, com seu apoio, passou a receber R$ 5 de cada casa da região, pagou dívidas e saneou suas finanças. O miliciano disse que ele e os companheiros são moradores da área e "enjoaram do tráfico".

"Tenho medo de ser preso, mas estou fazendo o bem. Se a polícia entrar [para me prender], eu saio, não vou trocar nunca [tiros] com polícia. Se me prendem aqui dentro, vão ter de arrastar mais de mil: quanto mais faço mais eles me abraçam. Se eu largar a comunidade [e o tráfico voltar], vai ser uma carnificina aqui."

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