Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
01/01/2001 - 19h17

Leia a íntegra do discurso de posse de Marta Suplicy

Publicidade

da Folha Online

Leia abaixo a íntegra do pronunciamento da prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT), durante sua posse no Palácio das Indústrias, sede do governo paulistano:

"Pronunciamento de posse da prefeita Marta Suplicy

Cidadãos e cidadãs de São Paulo: Uma página da nossa história acaba de ser virada. Coincidentemente um novo milênio começa hoje.

Deixamos atrás o século 20 e junto com ele desejaríamos também deixar no passado as tragédias que o ensanguentaram; as desigualdades que se aprofundaram e a miséria inerente ao sistema em vigor ao longo dele. Porém, isto ainda não foi possível.

A humanidade ainda não saiu das trevas geradas pela perpetuação dum sistema baseado na apropriação das riquezas por uma ínfima minoria, em detrimento dos que, amplamente majoritários, contribuem com seu trabalho para gerá-la.

Nesse sentido, a luta dos trabalhadores que marcou os dois últimos séculos ainda deverá marcar este novo século e esperamos que com melhores e mais consistentes resultados.

Talvez a investidura que nos reúne hoje seja um sinal, a idéia que uma luz ainda frágil ilumina o caminho e que nossa utopia começa a se tornar realidade.

O que é utopia? Gostaria de descrevê-la com as palavras do escritor latino-americano Eduardo Galeano, que diz:

'A utopia está no horizonte:
quando caminho dois passos
ela se afasta dois passos
Eu caminho dez passos
e ela está dez passos mais longe:
Para que serve a utopia?
Serve para isso:
para caminhar'

Vamos juntos empreender essa caminhada e deixar para trás o passado nefasto. Os últimos oito anos fizeram da cidade um lugar de difícil convivência. Todos os problemas sociais foram agravados.

Ao drama gerado pela falta de visão dos governantes e pela implementação duma política que dá as costas ao interesse do povo brasileiro em proveito das grandes finanças internacionais, veio se acrescentar a ação específica de administradores municipais descomprometidos com o interesse público.

Em oito anos São Paulo foi sucateada, a sujeira permeia todos os lugares e a cidade tornou-se a imagem do abandono. Seu povo foi humilhado pela corrupção, desmoralizado pelo descaso com a educação e a saúde, desiludido na sua capacidade de conter a destruição de todos os espaço de convívio civilizado.

Se o agravamento do endividamento do Brasil, por conta de uma política de juros elevados, foi a marca dos últimos oito anos no país, assegurando a estabilidade monetária que todos apreciamos, foi à custa do futuro de várias gerações de brasileiros. Em São Paulo, isto se expressou também na infâmia dos precatório e nas obras superfaturadas, fazendo da dívida municipal o nó que estrangula a cidade e suas forças vivas.

Se no Brasil os programas sociais foram protelados e o desemprego foi correlato da política de ajuste econômico desenhado pelo FMI, aqui isto foi agravado pelas falcatruas engenhadas para desviar os recursos públicos em benefício de apadrinhados e compadres da verdadeira gangue que tomou conta da cidade: sistema de saúde privatizado para beneficiar vereadores amigos, regionais loteadas para manter negócio escusos e obras faraônicas para fazer caixa.

Enquanto nos palanques perorava-se abundantemente sobre segurança, educação e emprego, a criminalidade ganhava espaços maiores inspirados nos exemplos nefastos de governantes e na ausência de ética no trato da coisa pública.

A cidade foi destruída no seu amor próprio, seus serviços desestruturados e suas finanças alienadas por várias décadas.

Ao mesmo tempo em que isto ocorria, a exclusão social se aprofundava com o desemprego, a criminalidade se espalhava junto com a miséria e a saúde e educação deixavam de ser uma conquista que preservava o futuro de nossos cidadãos mais necessitados, para se transformar no privilégio de uma pequena minoria dentre eles.

Fazer um diagnóstico claro da situação é condição necessária para traçar um caminho para resolver os problemas e não um objeto de vingança. Só assim se poderá estabelecer metas realistas e entender o esforço que exigirá repor a cidade nos trilhos.

Tudo não ser possível e será necessária a contribuição de todos para que o possível seja realizado.
Por este motivo e sem abrir mão da vitória obtida pelo meu partido, o PT, no pleito municipal constituí uma equipe de governo que além do PT inclui todas as forças democráticas dispostas a se unirem para recuperar São Paulo. Tenho estendido a mão franca e aberta a todos que têm tido um procedimento ético em defesa do interesse público.

Reitero aqui solenemente meu compromisso. Estou disposta a compartilhar as responsabilidades inerentes ao governo da cidade, fundamentalmente a de trabalhar duro, com todos os que estejam dispostos a contribuir pelo bem comum.

Minha administração será para todos, mas agirá para resgatar a dívida social com a maioria e priorizará os excluídos. Esta será a marca do governo municipal.

Amanhã selarei este compromisso almoçando com o povo da rua. Como primeiro gesto, assinarei a regulamentação do projeto de combate à exclusão de autoria da vereadora Aldaísa Sposati. Mais que um gesto, se trata de manifestar uma vontade: tentar que em quatro anos nenhuma criança, nenhum ser humano na nossa cidade esteja passando fome na rua e sem um teto para o acolher.

Nos próximos dias regulamentarei a lei do vereador Arselino Tatto que institui o Programa de Renda Mínima no município. Ele será implantado gradualmente, iniciando pelas famílias de menor renda per capita, até que se atinja todas as que recebem renda até três salários mínimos mensais e têm crianças até 14 anos, correspondendo a 10% das famílias paulistanas.

Como um direito à cidadania, elas receberão um terço da diferença entre três salários mínimos e a sua renda, devendo as suas crianças estar frequentando a escola. Para atingir essa meta rapidamente, coordenaremos ações com os governos dos Estados e da União.

Faremos todos os esforços para brevemente regulamentar os demais projetos de solidariedade: o "Bolsa-Trabalho", para facilitar o acesso dos jovens ao seu primeiro emprego; o "Começar de Novo", dedicado à formação profissional das pessoas de mais de 40 anos; o "Banco do Povo" que fornecerá crédito em pequenas quantias e a juros baixos para contribuir para o desenvolvimento de oportunidades de trabalho; e o apoio às formas solidárias e cooperativas de produção.

Mesmo que sejam poucas as pessoas que no primeiro momento poderão beneficiar-se destes programas, por conta da falência financeira que herdamos da administração anterior.

Quero, com isso, mostrar minha determinação em cumprir o mandato dos eleitores e o compromisso com eles assumido. Paulatinamente estenderemos a abrangência destes programas e iremos procurar recursos onde for necessário para atingir nosso objetivo.

Não existirá recuperação da auto-estima dos paulistanos e paulistanas, nem reconstrução da cidade, sem que comecemos a resgatar os mais miseráveis dentre nosso compatriotas.

Não apresentei propostas em vão. Meu compromisso com o povo será honrado. A nova era começa invertendo as prioridades e começando pelos de baixo. Para recuperar os excluídos, tudo!

O restabelecimento do princípio de autoridade é condição sine qua non da democracia e base do funcionamento civilizado das instituição. Ele implica o respeito aos adversários, a convivência democrática e a liberdade para os cidadãos.

A crítica da imprensa, expressão de sua independência, será bem-vinda e ajudará a corrigir os erros inevitáveis. Espero cometer somente os erros certos, como disse o músico de jazz Thelonious Monk.

A relação do Executivo municipal com o Legislativo será pautada pelo respeito e independência de ambos os poderes, sem o qual a vontade do povo soberano não estará sendo respeitada.

Esta independência do Legislativo, nos marcos da constituição municipal, implica o respeito à ação de cada uma das vereadoras e vereadores eleitos, sejam estes da oposição ou da base de sustentação do governo. Esta relação será ética e transparente, buscando o acordo quando possível ou a constatação e clarificação das divergências, porém sempre respeitosa da soberania própria a cada um dos poderes.

Os vereadores de meu partido e da base de sustentação do meu governo quero conclamá-los a exercer com responsabilidade o espírito crítico, pois o apoio ao governo, inerente à participação do PT e dos partidos aliados, não deve significar ausência de crítica e nem ausência de independência.

Nos marcos da defesa do governo e de sua política, a crítica dos vereadores aliados e dos partidos que participam do governo contribui'ra, sem dúvida, para aprimorar a política do executivo em prol do interesse d população de São Paulo.

Eu pessoalmente estarei à escuta de cada um dos 55 vereadores e vereadoras e regularmente dedicarei uma parte de meu tempo a ouvir todos os eleitos da cidade que assim o desejem. Os secretários e secretárias de governo também estarão disponíveis à esse diálogo.

O debate democrático será também a marca do funcionamento interno do governo municipal, pois tal como o poeta Augusto de Campos, eu também sinto atração pela dissonância e muito açúcar me enjoa.
Porém a orquestra tem que seguir a partitura, respeitar os ritmos e silêncios, interpretando a vontade do maestro voltada para harmonizar o coletivo. O programa e o maestro foram escolhidos pelo povo e este mandato popular deverá ser respeitado por todos.

Este governo municipal é constituído por forças diversas, unidas pela mesma vontade de ajudar a reconstruir São Paulo.

Mesmo que a força que estrutura a nova administração esteja identificada com a oposição de centro-esquerda aos governos estadual e federal, procurarei em todo momento fazer prevalecer a parceria e o diálogo com esses governos, buscando o bem-estar da cidade.

Espero reciprocidade e desprendimento, pois a cidade não pode ser penalizada, nem seu clamor ignorado.

Sua força provém de seu dinamismo econômico, de seu peso na economia e na história do Brasil, de seu reconhecimento internacional e também da combatividade de seus cidadãos, da força concentrada de seus 10 milhões e 400 mil habitantes.

Ninguém poderá ignorar esta realidade expressa no novo governo recentemente ungido pelas urnas. Que a mão estendida não seja considerada como expressão de debilidade. Ela terá a firmeza necessária para defender os interesses da cidade e a energia indispensável para superar os obstáculos.

Gostaria de dedicar algumas palavras a um setor particularmente atingido pela crise moral, administrativa, financeira e política de São Paulo. Refiro-me aos servidores municipais.

A grande maioria de vocês está impregnada do sentido do serviço público no que tem de mais nobre e desprendido.

Vocês assistiram nas primeiras filas a degradação paulatina e sistemática do poder municipal, a deterioração dos serviços prestados à população e a falta de recursos para atender ao público. Não surpreende que muitos de vocês se sintam desmotivados após estes oito anos de malversação.
Porém, nada será possível sem a contribuição e a participação dos servidores municipais nas tarefas de reconstrução.

Esta participação será organizada conjuntamente com todas as organizações dos servidores municipais e visará a associar estreitamente os seus representantes as decisões do novo governo, para que possam ser ouvidos e co-participes das decisões que os concernem, pois integradas na busca de solução para os problemas da cidade como um todo.

As melhorias nas condições de trabalho, a eficiência no atendimento a população, o enxugamento da máquina burocrática, a ética e o fim dos privilégios acompanharão a recuperação gradual dos salários nos marcos duma reforma administrativa que redesenhe a estrutura municipal, adequando-a à informatização de seus serviços e a modernização do seu espaço.

O resultado será atingido graças à participação dos servidores e contribuirá decididamente para restabelecer a motivação e a auto-estima, assim como o reconhecimento dos cidadãos.

Esta tarefa está indissoluvelmente ligada à resolução de problemas emergenciais e a elaboração de soluções a médio e a longo prazo necessárias para integrar São Paulo no mundo como uma das cidades que possam mostrar o caminho da nova urbanidade que marcará este novo milênio.

Dentre os problemas emergenciais, dois particularmente exigem a mobilização de todos: evitar as catástrofes humanas provocadas pelas chuvas que costumam assolar São Paulo neste período do ano e pelo desinteresse manifestado nestes últimos oito anos para combater as enchentes. Isto obriga a remover a população das áreas de risco e a promover soluções de fundo em parceria com o governo estadual e federal para resolver de vez esse flagelo.

O segundo é o de assegurar que as milhares de crianças que deveriam naturalmente sair das creches para as Emeis municipais não fiquem na rua pela ausência de vagas na rede municipal, pois novamente o despreparo da administração anterior acabou criando uma situação explosiva.

A parceria com as iniciativa privada, com clubes, igrejas e sindicatos será indispensável para encontrar espaços adequados, assim como pessoas qualificadas para tender estas crianças. Na espera de soluções de fundo, com a construção e ampliação de creches e Emeis, estabelecendo convênio com as que surjam da iniciativa privada, estaremos tentando evitar no imediato uma situação insuportável para as famílias, em particular para aquelas em que as mães trabalham para o seu sustento.

A educação é a prioridade nº 1 deste governo. Os 30% que a lei manda investir na educação serão aplicados escrupulosamente. No centro de nossas preocupações estará a criança e seu acesso às bases do conhecimento, pois a escola de primeiro grau tem uma importância capital na formação futura das nossa juventude. Ampliar a capacidade das escolas, reduzir o número de crianças por classe, reforçar a capacitação dos professores e a valorização do trabalho do educador, promover o acesso às novas tecnologias, estar à escuta da família do aluno e combater o analfabetismo serão nossos objetivos.

Quatro anos serão poucos para responder aos desafios educativos do novo milênio, no qual o acesso ao conhecimento será determinante no plano profissional. Mas quero dar passos significativos nesta direção e espero contar com a contribuição de toda a sociedade paulistana nesta empreitada.

As parcerias com o setor privado, a ação conjunta com as centrais sindicais e os acordos com as autoridades educacionais do Estado e da Federação, serão reforçados pela procura de financiamentos e ajudas de parceiros internacionais. Todos serão procurados nesta cruzada pela educação das nossas crianças.

Junto com a educação, a saúde exigirá esforços redobrados do nosso governo. Talvez seja o setor em que a herança seja a mais pesada, com um serviço à beira do colapso. O PAS serviu para agradar amigos, terceirizar benefícios, socializar gastos e desatendimento. Faltam remédios, marcar consulta parece loteria e a ausência de investimento das cooperativas é manifesto.

Reverter esta situação, reintegrando o SUS e ampliando o atendimento não será fácil, nem poderá ser realizado num passe de mágica. Isto será feito preservando em todo momento o atendimento à população, procurando integrar no sistema municipal o máximo de profissionais da saúde do atual PAS, por meio de concurso público, recuperando os já concursados e que se encontram alocados em outros setores.

O terceiro vetor de nossa ação é lutar para transformar em realidade o direito a moradia. Este direito, parte integrante dos direitos humanos e preceito constitucional, não pode ser relegado ao papel de decoração na árvore de natal, pois não será jamais um presente que irá cair do céu.

Não poderemos resolver o déficit habitacional, nem dar moradia digna, pela simples ação municipal, aos milhões de favelados que moram em São Paulo. Podemos e vamos sim regularizar o uso do solo, arrumar e regularizar os cortiços, construir habitação popular e reforçar os mutirões. Através do plano diretor, tentaremos adensar certas regiões da cidade e aliviar a pressão demográfica em outros bairros.

Será dado um lugar de destaque à revitalização do centro. Repovoar esse cartão postal, hoje abandonado, é uma meta, pois não existirá recuperação sem a presença viva da população.

Ao mesmo tempo deveremos negociar e resolver com muito cuidado a questão dos vendedores ambulantes, sabendo que não existe resposta simples a este problema com raízes sociais profundas. Junto com o desemprego que atinge 1.500.000 pessoas na área metropolitana, assistimos ao crescimento do setor informal que foi o maior receptáculo de criação de empregos no último decênio, não só no Brasil, mas em toda América Latina. Temos que fazer coexistir o comércio, o direito à livre circulação das pessoas e a integração dos ambulantes no espaço urbano.

Um verdadeiro plano Marshall seria necessário para atacar o problema da moradia no Brasil, o qual serviria ao mesmo tempo como impulsionador do desenvolvimento econômico e do emprego.

As dívidas dos países pobres já produziram os mesmos efeitos que a Segunda Guerra provocou com a destruição na Europa, porém em vez dum plano Marshall para tirar esses países do marasmo social, as grandes potências induzem seus servidores locais a vender a preço vil o pouco que possuímos.

O dinheiro das privatizações poderia ao menos servir para investir pesadamente a fim de garantir o direito à habitação, em vez de voltar para os mesmos credores na forma de pagamento dos juros exorbitantes da dívida.

São Paulo é uma das três maiores cidades do mundo. A maior capital do hemisfério sul do planeta. Ela será nos próximos quatro anos uma cidade aberta para os grandes problemas do mundo e do país. Uma cidade marcada pela efervescência de idéias, pelo debate, pelo experimentalismo cultural, pelo pluralismo.

Se faço essa reflexão é para chamar a atenção para a importância que terão as questões culturais em meu governo. Queremos que o amplo acervo de bens culturais que esta cidade possui possa ser compartilhado pela maioria da sociedade, sobretudo por aqueles que vivem marginalizados das grandes criações do espírito, da enorme herança cultural de que esta cidade é depositária.

Nossa administração será marcada igualmente pela valorização da produção cultural de nosso povo, que reflete o entrelaçamento de etnias, de distintas identidades nacionais, de todos aqueles que são paulistanos por opção, que escolheram nossa cidade para viver e aqui construir seus sonhos de liberdade e justiça social. A cultura não será, assim, somente entretenimento, adorno, mas um instrumento de cidadania.

Tem uma esfera que não é da competência das autoridades do município e, apesar disto, ocupará um lugar cada vez maior na ação da prefeitura. Se trata da luta contra a violência e as questões de segurança na cidade.

Além de procurar as autoridades do Estado para garantir uma verdadeira política de segurança pública, que inclua o combate às causas do crescimento assustador da criminalidade, penso ser necessário que a Guarda Civil Municipal seja capacitada para agir, em particular, no combate ao pequeno traficante na porta das escolas, em parceria com a própria Polícia Militar.

Não existe política de segurança separada da ação da população e tenho a firme intenção de fazer participar nos conselhos locais representantes da Guarda, assim como convidar a Polícia Militar e Civil a participar destes conselhos. Ao mesmo tempo haverá tolerância zero com o desrespeito aos direitos humanos. Toda atitude racista, sexista ou discriminatória para com qualquer cidadão ou cidadã será de pronto objeto de correção.

O Conselho Municipal dos Direitos Humanos que será criado e presidido pelo dr. Helio Bicudo, vice-prefeito de São Paulo, vigiará com todo o rigor necessário qualquer manifestação contrária a estes direitos universalmente reconhecidos.

Em particular, gostaria de destacar a importância que darei à Coordenadoria da Mulher e à todas as questões relativas à igualdade de gênero. O governo em seu conjunto agirá para defender a ampliar os direitos e reivindicações das mulheres. Na administração uma atenção particular será dada ao princípio de trabalho igual salário igual e a igualdade nas promoções. Na saúde, iremos cumprir efetivamente a legislação referente ao direito ao aborto. Deverá ser implantado um atendimento específico para as mulheres vítimas de violência e abuso sexual.

Transporte e meio-ambiente estão ligados, em particular na cidade de São Paulo. Em lugar de 12 m2 de área verde por habitante, como recomenda a ONU, nossa cidade tem apenas 4 m2. Este déficit de espaços verdes de lazer está diretamente relacionado com o crescimento caótico e mal orientado do fluxo das pessoas na nossa urbe.

No lugar de privilegiar o transporte pelo metrô e trem, menos poluidores e com maior capacidade de circulação, sistematicamente as autoridades nos últimos trinta anos privilegiaram o automóvel.

Inverter este processo não será fácil, pois como diz o grande urbanista Jordi Borja, ex-vice prefeito de Barcelona: "O espaço público paulistano está sendo sistematicamente destruído. A política nos anos 90 foi a de construir muitas vias rápidas, com altos níveis de poluição, congestionamento etc. o que torna a cidade um lugar difícil para os pedestres. A política paulistana é um exemplo do que não se deve fazer, um paradigma mundial de gestão catastrófica".

As finanças municipais não permitem investir como deveríamos no metrô, na construção de corredores e transporte com maior capacidade e menos poluidor. Mas não vamos ficar de braços cruzados assistindo a asfixia gradual da nossa cidade.

Junto com investidores internacionais, por meio de concessões e em parceria com o governo estadual e federal, a prefeitura de São Paulo está disposta a investir na construção de novas linhas de metrô e ampliar o número de corredores, além de concluir o fura-fila.

A constituição estabelece claramente que o transporte público está sob autoridade do município. Temos que encontrar o caminho para que possamos cumprir plenamente seu objetivo. Estimular a população a utilizar o transporte coletivo, ampliando sua frequência, criando novas linhas, em particular na periferia, e regulamentando as lotações.

Negociar com o governo de Estado a criação do bilhete único integrado para facilitar a vida das pessoas que utilizam várias locomoções e abaixar o custo para elas.

Combinar uma política de transporte moderna, a educação cívica das pessoas e a ampliação do combate a poluição, ampliando as áreas verdes, controlando o parque automotriz e as emissões de poluentes, atenuarão os efeitos negativos da tensão provocada em nossas vidas pelo desenvolvimento caótico de nosso espaço urbano.

Junto com isto, a limpeza da cidade, a eliminação gradativa da poluição visual e a redução do barulho contribuirão na melhora da qualidade de vida da população.

Simbolicamente, no próximo dia 20 de janeiro, junto com as torcidas dos times de São Paulo, estarei no Pacaembu para pintar e limpar esse espaço. Convido todas as entidades e moradores do bairro, os jovens pichadores e grafiteiros, os voluntários dispostos a contribuir com uma manhã de trabalho, para a recuperação da cara de nossa cidade. Empresas estão dispostas a contribuir. Juntos com o pessoal municipal estaremos mostrando com este gesto que o destino de São Paulo está na ação e é responsabilidade de cada um de nós.

Estas urgências, produto da pesada herança deixada pelos predecessores, devem integrar-se ao trabalho planejado de recuperação da cidade. A escala necessária da planificação urbana, do desenvolvimento do sistema viário e de transporte público é o conjunto metropolitano. Hoje ausente de toda reflexão e ação coordenada, a região metropolitana deve constituir a dimensão indispensável dum pensamento da cidade como um todo integrado. Respeitando a soberania e a pluralidade política das prefeituras da vizinhança de São Paulo, trabalharei para que seja constituída a aliança metropolitana necessária ao ordenamento planificado, aos sistemas integrados e dando uma projeção humana ao desenvolvimento da região.

Reconstrução da cidade e construção duma verdadeira cidadania são tarefas indissociáveis no tempo e no espaço. Elas implicam essencialmente a participação da população na definição das prioridades.

A escala local é o espaço mais imediato em que pode ser construída esta participação dos habitantes como atores ativos, junto com as autoridades eleitas, na definição concreta dos rumos da ação municipal.

Tanto as questões de orçamento, de investimento, como as questões mais genéricas de saúde, educação, segurança e limpeza urbana têm que passar pelo crivo do debate democrático e pela escolha da população. No caso de haver uma decisão de grande relevância para os destinos da cidade e para o bem-estar da população, me disponho junto com a Câmara Municipal a promover a consulta popular por referendo ou plebiscito previstos na nossa Constituição e na Lei Orgânica do Município.

Sem que isso signifique abdicar das prerrogativas do mandato eletivo e nos marcos do plano de ação do governo municipal, a realização de plebiscitos nos bairros, de assembléias que definam prioridades e de conferências locais deve ser a marca do nosso governo. A participação é a base essencial do exercício da cidadania, mas sem a informação a democracia é uma ilusão. na era de internet a informação pode circular horizontalmente e ela mesma ser objeto da democratização. A informatização da prefeitura visará em primeiro lugar a disponibilizar as informações, elementos da transparência e do controle cidadão, contribuindo assim fundamentalmente ao processo de decisão.

Este processo dará conteúdo à constituição das sub-prefeituras que foram concebidas como elementos da descentralização e da aproximação do governo com a população. Elas terão autonomia na definição da ação local, facilitarão o relacionamento com a administração e, com a participação dos conselhos de representantes eleitos, darão um caráter orgânico à participação popular na administração da cidade. No primeiro ano de governo, se possível até julho, enviarei o projeto das subprefeituras. Espero que o orçamento de 2002, que será nosso primeiro orçamento, seja elaborado e discutido com a participação da população, junto com a Câmara de Vereadores.

Paradoxalmente a cidade constitui o elo mais próximo da ação cidadã e, na era da globalização, um instrumento direto de relação com o mundo. Este novo ator começa a intervir diretamente na definição da política internacional, junto aos Estados e blocos de estados, nos marcos dos organismos internacionais. A forte pressão que hoje existe para a eliminação das fronteiras para a circulação de capitais e mercadorias e a criação de regras mais estritas no plano internacional, têm como correlato a diminuição da capacidade de ação autônoma das entidades nacionais. Este processo pode solapar as bases do sistema democrático, se não for acompanhado pela configuração duma nova cidadania internacional, na qual as cidades venham a ter um lugar primordial a preencher.

Ao mesmo tempo as implicações da globalização, na ação da prefeitura, exige uma presença ativa no cenário internacional, na procura de investimentos públicos e privados, assim como na definição das políticas dos organismos multilaterais em direção ás cidades e metrópoles como a nossa. Este foi o sentido da minha recente viagem a Washington e das reuniões com o Banco Mundial e Interamericano e será a lógica da intensa atividade internacional que espero realizar para obter os maiores benefícios para nossa cidade.

Precisamente por constituir um elemento maior desta nova cidadania em construção, estarei presente no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, o anti-Fórum de Davos, o dos povos. Se trata da dimensão indispensável de toda a nossa ação municipal, fazendo dos cidadãos os verdadeiros sujeitos de nossas sociedades e não vítimas desrespeitadas da cobiça dos poderosos.

Para responder a estes novos desafios tenho discutido com os prefeitos de Buenos Aires e Montevideo o Merco-cidades, agrupando as cidades do Mercosul, para fazer valer os interesses e reivindicações dos habitantes das cidades nos rumos da necessária integração sul-americana. No momento em que este espaço encontra-se ameaçado na sua própria existência, a presença forte das principais cidades do Cone Sul pode contribuir para preservar este instrumento de desenvolvimento e de independência perante os grandes blocos hegemônicos.

Quero hoje anunciar a criação de uma Comissão Independente que terá o objetivo de estudar a inserção de São Paulo no processo de globalização sob uma ótica solidária com o ser humano, não perversa e que exigirá uma reorganização da arquitetura político-territorial da própria nação. Essa comissão será presidida pelo eminente geógrafo, professor Milton Santos, aqui presente. Nos próximos dias anunciarei os demais convidados para esta Comissão.

As tarefas são gigantescas, as dificuldades enormes. Faltam recursos e as necessidades são imensas. Mas sobra vontade e a palavra resignação está banida do meu vocabulário. Espero que a força de nosso povo me ilumine e me ajude a encontrar a direção certa.

"Caminhante, não há caminho. O caminho se faz ao andar".

Estou convicta que São Paulo vai dar a volta por cima.

Muito obrigado.

São Paulo, 1º de janeiro de 2001"
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página