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14/01/2001 - 04h08

PT quer contratar amigo trotskista de Marta

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MARIO SERGIO CONTI, da Folha de S.Paulo

Luis Favre tinha viagem marcada na noite de ontem para Paris, onde até o dia 24 deverá tomar a decisão de se naturalizar brasileiro ou obter visto de residência em São Paulo, caso queira estreitar os laços que o ligam ao PT e à prefeita Marta Suplicy.

Até o primeiro turno da eleição do ano passado, Favre, 51, se dividiu entre São Paulo e Paris, onde mora com sua quarta mulher, a urbanista Sophie, e seu quarto filho, Lucas, 5, ambos franceses.

Em Paris, ele lia os jornais paulistas na Internet e enviava diariamente análises e sugestões à candidata do PT, que as lia pela manhã, antes de sair para as atividades da campanha.

"Eram boas análises", lembra Marta, "já que eram feitas por alguém que não estava diretamente envolvido na campanha e tinha experiência política".

No segundo turno, a convite da candidata, Favre mudou-se para São Paulo. Passou a atuar na área de comunicação e esteve ao lado de Marta em comícios, debates e entrevistas.

Caso decida viver definitivamente no Brasil, Favre terá a sua terceira nacionalidade. Será um argentino-franco-brasileiro.

Favre nasceu num cortiço de Buenos Aires, tendo sido registrado com o nome de Felipe Warmus. Seus pais, operários de origem judaica, tinham simpatia pelo peronismo até porque a Fundação Eva Peron os ajudava a sobreviver.

Autodidata, ele só tem o curso primário completo. Foi expulso da escola aos 17 anos por ter liderado uma greve de secundaristas. Na ocasião, militava no grupo trotskista Politica Obrera, fundado por seu irmão, Jorge Altamira, que continua na organização até hoje e é vereador.

Até os 20 anos, Favre viveu em Buenos Aires, onde trabalhou como gráfico, metalúrgico e contínuo. Sua atividade primordial era a política. Foi detido oito vezes. Na iminência de ser condenado a mais de um ano de prisão, fugiu da Argentina de navio.

Estabeleceu-se em Paris. Passou a trabalhar na gráfica de uma das facções da Quarta Internacional, a organização criada pelo revolucionário russo Leon Trotsky (1879-1940).

Na França, adotou o nome de guerra de Luis Favre. Ficou tão conhecido pelo pseudônimo que o incorporou oficialmente a seu nome. Casou-se com uma francesa, Marie Ange, teve com ela um filho, Flavio, 23. Naturalizou-se francês, mas não abdicou da cidadania argentina.

Favre subiu na hierarquia da Quarta Internacional. Foi eleito para a sua direção e nomeado responsável pelos grupos latino-americanos. Tornou-se supervisor da seção brasileira, cuja tendência estudantil, Liberdade e Luta (Libelu), teve alguma projeção nos anos 70.

Para acompanhar mais de perto o trabalho dos 1.500 trotskistas brasileiros, em 1985 Favre mudou-se para São Paulo. Veio com sua segunda mulher, a americana Alexandra, com quem teve dois filhos, Tristam, 18, e Fabrice, 17.

Em 1987, ele liderou uma cisão da Quarta Internacional. O pivô da discórdia foi o PT. Favre defendia que a seção brasileira se diluísse no partido, agrupando-se sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva e de sua tendência interna, a Articulação.

Com a cisão consumada, a seção brasileira praticamente acabou. A maioria dos seus seus integrantes tornou-se petista. A minoria, agrupada em torno do jornal "O Trabalho", manteve relações com a Quarta Internacional.

"Favre já tinha então uma grande capacidade de elaboração política", lembra a arquiteta Clara Ant, hoje administradora da Regional da Sé, que militou com ele naquele período.

Sem deixar de elogiar o talento político de Favre, Glauco Arbix, que também esteve com ele nos anos 70 e 80, tem uma outra lembrança de Favre. "Ele gostava de bons vinhos, boa comida, boa música, bons carros, e às vezes gastava demais com a boa vida", diz Arbix, professor de sociologia na Universidade de São Paulo.

Favre continuou a viver no Brasil. Mesmo não sendo formalmente do PT, tornou-se amigo de Lula, do deputado federal José Dirceu e foi assessor de Gilmar Carneiro quando o bancário presidiu a CUT.

Ele separou-se de Alexandra no final dos anos 80. Passou a viver com Marília Andrade, filha de um dos donos da Andrade Gutierrez, uma das maiores empreiteiras brasileiras. Marília e seu irmão Flavio eram donos da Editora Joruês e da "Gazeta de Pinheiros", jornal de bairro paulistano do qual Favre foi editor-chefe.

Não causou constrangimentos a Favre o fato de Marilia ser sócia-proprietária de uma empreiteira que doou milhões de dólares às campanhas eleitorais de Paulo Maluf, Orestes Quércia e Fernando Collor nos anos 80.
"A Marilia era petista, e o pai dela, Gabriel, era um homem muito aberto", diz Favre. "Sou amigo deles até hoje."

Em 1992, com a morte em circunstâncias trágicas de uma de suas filhas de um casamento anterior, Marília Andrade quis sair do Brasil. Mudou-se com Favre para seu apartamento em Paris.

Na época, Marília Andrade havia se apegado a Lurian, a filha de Lula com a enfermeira Mirian Cordeiro (em 1989, Miriam acusou o candidato petista de ter-lhe proposto que abortasse Lurian).

Marília Andrade pagou uma cirurgia plástica de Lurian. Ainda em 1992, a filha de Lula passou seis meses na capital francesa com Marília e Favre.
Pouco depois, o casal se separou. Favre continuou a viver em Paris. Empregou-se numa empresa de comunicação, a Tiempo, que fazia manuais e catálogos e os imprimia na Espanha. Depois, montou a sua própria empresa, a Optei, que atua no mesmo ramo.

Favre não se afastou do PT. Junto com a Secretaria Internacional do partido, organizou inúmeros encontros de dirigentes petistas, a começar por Lula, com ministros e parlamentares do PS, do PCF e dos Verdes.
Foi nessa condição que conheceu Eduardo e Marta Suplicy. Quando se candidatou a governadora de São Paulo, em 1998, Favre organizou uma viagem dela pela Europa.

No ano passado, uma irmã de Marta, Irene Cristina, adoeceu e foi a Paris para operar-se de um angioma. Houve um problema durante a cirurgia. A única parente presente era outra irmã, Tetê. Em campanha, Marta recomendou que Tetê procurasse Favre.

"Ele nos ajudou enormemente, acompanhando minha irmã todos os dias ao hospital", diz a prefeita. "Favre foi mais que um amigo, foi um irmão."
Num fim de semana, Marta foi a Paris ver a irmã. Na madrugada de segunda-feira, enquanto voava de volta para o Brasil, Irene morreu. Favre cuidou de todos os trâmites burocráticos.

Favre veio com a mulher e o filho para assistir a posse da prefeita. Passou o dia seguinte no Palácio das Indústrias, organizando a vinda dos convidados internacionais para a festa de aniversário da cidade, que será realizada nos dias 24 e 25 próximos.

O deputado José Dirceu, presidente do PT, convidou Favre na semana passada a se tornar funcionário do partido.

"Favre é um militante de esquerda globalizado, que fala várias línguas, conhece várias situações diferentes e pode ajudar muito os prefeitos do PT a fazer acordos de intercâmbio e cooperação com prefeitos de esquerda da Europa", diz José Dirceu.

"Seria ótimo se ele pudesse nos ajudar mais de perto, além de mandar os e-mails com análises e idéias", diz Marta Suplicy. "Talvez seja possível arrumar um meio de ele viver um pouco em Paris e um pouco aqui."

Luis Favre está na dúvida. "Tenho mulher, filho, casa, emprego e empresa
em Paris", afirma. "Não é fácil mudar tudo isso de uma hora para outra." Ele volta ao Brasil no dia 24. Até lá, terá tomado uma decisão.
 

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