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22/07/2001 - 08h46

Polícia ganha mal, mata e morre mais

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SÍLVIA CORRÊA
ALESSANDRO SILVA

da Folha de S. Paulo

Armados, eles são responsáveis pela manutenção da ordem pública. Mas ganham mal, estão endividados e estressados, só vêem aumentar o poder de fogo dos opositores e podem ser presos só por não cumprimentar o chefe.

O resultado desse coquetel explosivo chega às ruas com uma força alarmante. Ano a ano, os homens que deveriam dar segurança matam e morrem cada vez mais. E, agora, amotinam-se com frequência cada vez maior, deixando à própria sorte a população que deveriam proteger.
Este ano, das 27 unidades da federação (26 Estados e DF), 2 enfrentam greve de policiais, 4 já enfrentaram e 8 estão sob ameaça.

"Uma remuneração justa, equipamentos adequados e normas democráticas de disciplina são as únicas formas de impedir situações como essa e garantir dedicação e eficiência às polícias", avalia o sociólogo Benedito Domingos Mariano, o primeiro ouvidor de polícia do país, que deixou o cargo, em São Paulo, no final de 2000.

Comparação feita pela Folha mostra que o salário inicial de um policial militar -regime no qual está 71,7% do efetivo das polícias estaduais- é menor do que o rendimento médio dos trabalhadores em 3 das 6 principais regiões metropolitanas do país pesquisadas pelo IBGE.

No Rio, por exemplo, o salário médio dos trabalhadores era, em abril, R$ 718,76. O soldado ganhava R$ 500. A situação se repete em Porto Alegre: média de R$ 720,57, contra um soldo de R$ 524. Em São Paulo, os trabalhadores recebem, em média, R$ 884,20. Os soldados, R$ 756,78 (veja quadro abaixo). São 65% da tropa.

O montante é praticante o mesmo do que é recebido por um coletor de lixo (R$ 700) e equivale a 78% do salário de um vigilante.

"Ninguém faz greve porque quer. É um estado de necessidade", afirma o deputado estadual Wilson Morais (PSDB), cabo da PM paulista e presidente das Associações de Cabos e Soldados de São Paulo e do Brasil.

Os baixos salários impõem à categoria a favelização e o endividamento.
Em Pernambuco, a Associação de Cabos e Soldados projeta que 3.000 policiais da Grande Recife -quase um terço do efetivo na região- moram em favelas, palafitas, áreas invadidas ou insalubres, como lixões.

Em São Paulo, que tem o maior efetivo do país -23% do total-, a Associação de Cabos e Soldados afirma que 30% dos praças moram em zonas violentas e 17% vivem em favelas ou cortiços.

A associação paulista tem um convênio com a Caixa Econômica Federal para oferecer moradia aos praças, mas afirma que conseguiu entregar até agora apenas 1.754 das 10 mil unidades previstas porque os PMs têm dificuldades de comprovar a renda exigida.

Para completar o salário, segundo as associações de PMs do Estado de São Paulo, 13 mil homens procuram as entidades para pedir empréstimos a cada mês -15% da corporação. Outros, fazem bicos de segurança, perueiro etc.

Em Pernambuco, a Polícia Civil calcula que 90% do efetivo tenham outro emprego. "Quem não faz bico é porque virou ladrão ou tem parentes trabalhando", diz o presidente do sindicato da categoria, Henrique Leite. No DF, onde são pagos os maiores salários do país, boa parte dos policiais trabalha de perueiro.

Na PM paulista, a estimativa é que 85% da tropa trabalhe fora do expediente. O bico é proibido pelo Regulamento Disciplinar, mas o próprio comando da corporação admite, reservadamente, tolerar a infração e só puni-la quando há tiroteio na folga.

A troca de tiros no bico, porém, fica cada vez mais comum. No começo da década de 90, os homicídios de PMs paulistas na folga eram o dobro dos registrados em serviço -33 e 14. Em 2000, eles foram o quádruplo -109 e 25.

Os PMs morrem, mas também matam mais. De 1996 para cá, o número de vítimas fatais das ações policiais em São Paulo só cresceu. Foram 368 naquele ano contra 749 em 2000. Somadas às vítimas dos policiais civis, elas chegam a 406 (96) e 807 (2000). Os demais Estados não têm dados precisos sobre essas ocorrências.

"Todo mundo precisa de uma válvula de escape. Com contas atrasadas, mulher falando, indo preso por nada, vou descontar em quem?", indaga o soldado Sérgio (nome fictício), 46, 20 na PM paulista, afirmando que os motins e os abusos são, em parte, motivados por medos e frustrações.

Entre 1996 e 2000, o número de assassinatos gerais também cresceu. No país, o índice passou de 24,76 mortes por 100 mil habitantes para 25,96. Em São Paulo, por exemplo, foi de 36,11 para 42,03.

A tensão e as dificuldades financeiras são os principais problemas que levam os policiais a buscar ajuda. O Centro de Assistência Social, Psicológica e Jurídica da PM-SP é procurado, mensalmente, por cerca de 400 policiais ou familiares. As queixas vão de problemas com pensões a pedidos de dinheiro, habitação e médicos.

Só nos primeiros seis meses deste ano, 931 policiais passaram por avaliação por terem se envolvido em ocorrências de risco. Outros 1.374 procuraram espontaneamente os terapeutas. Na fila, mais 300 esperam atendimento.

Para o sociólogo José Vicente Tavares dos Santos, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a situação mostra que a polícia está em crise e precisa de reformas. A crise já começa a aparecer na procura por vagas. Em 1991, 104.421 tentaram ingressar na PM paulista. Este ano, foram 51.528 até junho. E a PM estima que chegue a 85 mil em dezembro.

Leia mais sobre a crise da polícia
 

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