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21/08/2001 - 03h02

Menor diz ser traficante, mas nega ter sequestrado bebê

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MARIO CESAR CARVALHO
da Folha de S. Paulo

Traficante, sim, ela diz ser, até com uma ponta de orgulho. "Vendo maconha, farinha, pedra", enumera, usando as gírias que designam cocaína e crack. Mas sequestradora, não. "Não fui eu que peguei o bebê. Assumi o sequestro na delegacia porque é a lei da rua. Quem sai na chuva é para se molhar", fala, resignada.

As gírias, os tiques e a ética lembram o bê-á-bá de um malandro tarimbado, mas T.A.S., apesar de seu 1,60 m de altura, tem só 12 anos. No último dia 13, ela foi apanhada pela polícia em São Paulo com um bebê e contou na delegacia que tinha sequestrado Luana, de um ano, a mando de traficantes, que a venderiam por R$ 20 mil a um casal estrangeiro. A mãe do bebê, colega e vizinha de T.A.S., tem 13 anos.

Em entrevista à Folha, T.A.S. deu outra versão para o caso. Disse que o sequestro foi praticado por outra garota, que nem se parece com ela: "Foi uma loura", conta a menina de cabelos pretos e rosto redondo de indiazinha.

O sequestro, na nova versão, foi ordenado "por uns meninos da favela Primavera", onde T.A.S. diz ter um barraco. Na casa dela, numa ocupação no extremo da zona leste, onde vive com a mãe, o padrasto e quatro dos cinco irmãos, o barraco é tratado como lenda. "Ela é muito mentirosa, gosta de inventar. Não existe barraco, traficante, nada", diz a irmã T.T.S., 14. "Besta de quem acredita."

Pode parecer besta acreditar numa menina de 12 anos que se diz traficante, mas a polícia resolveu conferir. Foi até o barraco onde ela indicou que viviam os traficantes para quem trabalhava e viu dois homens em fuga. Na pressa, deixaram no barraco R$ 1.602 e uma pistola Beretta. T.A.S. diz que havia mais dinheiro com eles.

"Os policiais pegaram uma pá de dinheiro. Tinha uns R$ 4.000 e pouco. Eles não entregaram tudo para o delegado. Tudo pilantra. Eles sempre fizeram acerto na favela." Acerto é o jargão do tráfico para propina.

Segunda vez
Na unidade provisória da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), T.A.S. é tratada como reincidente. Esta é a segunda vez que ela vai para a entidade. No ano passado, foi encaminhada por causa de tráfico, após ser apanhada com um pacote de maconha. Acabou liberada porque tinha um ano a menos do que os 12 exigidos para internação.

T.A.S. parece ser o caso típico das garotas de risco que têm dupla imagem: a de certinha exibida, para uso doméstico, e a de maluquete, para exibição nas ruas. Tanto que no Jardim Pernambuco, onde mora, é chamada de Noinha -"nóia" é a forma como são conhecidos os dependentes de crack em São Paulo.

Apesar da fama, ela diz não fumar crack. "Não uso droga, não. Só vendo. Fui no embalo. Dinheiro não faltava, minha mãe me dava, mas eu gostava de zoar."

Não se sabe de onde a mãe poderia tirar dinheiro. Faxineira diarista, ela está desempregada desde o final do ano passado, quando engravidou. O filho nasceu no dia 15 de julho e morreu cinco dias depois. O padrasto de T.A.S. sustenta sete com o salário mínimo que ganha como carregador num supermercado.

No tráfico, o dinheiro corria mais fácil, segundo T.A.S. Ela diz que ganhava cerca de R$ 300 por semana. "Vendia por R$ 10 o papelote de cocaína e ficava com R$ 5 para mim", exemplifica.

Se é falante para detalhar seus ganhos no tráfico, T.A.S. torna-se tumular quando o assunto é o sequestro do bebê. Diz frases enigmáticas. "Os meninos iam trocar o bebê. Já fizeram isso..."

Trocar com quem, pelo quê? T.A.S. cala-se. O máximo que revela é uma geografia desconexa formada por dois Estados que têm em comum o fato de serem palavras oxítonas terminadas em "a": "Os meninos iam levar o bebê para o Pará, o Ceará... Sei lá".

Na nova versão para o sequestro, T.A.S. aparece como salvadora do bebê. "Eu nem sabia que eles iam vender o bebezinho. Quando descobri, peguei a Luana para devolver para a mãe. Foi aí que a polícia me encontrou. Devolvi a criança para a polícia porque quis. Se eu quisesse, deixava ela na rua e caía fora."
Delírio, defesa ou mentira pura?

Ninguém se arrisca a fazer um diagnóstico. "Cada hora ela conta uma história", diz Marília Moreira Graciano, 31, diretora da Unidade de Internação Provisória da Febem. "Ela é muito infantil, não tem noção da gravidade do ato que cometeu, não sabe que sequestro é crime hediondo."
A Secretaria de Assistência Social, que controla a creche de onde o bebê foi sequestrado, informa que não há a menor dúvida de que foi a própria T.A.S. quem tirou o bebê de lá.

O tenente Joaquim Castro, 35, diz ter pena de T.A.S. "Ela adora inventar. Quando foi presa, contou umas três histórias até falar a verdade." Por isso, segundo Castro, não faz sentido a acusação de que os policiais pegaram mais dinheiro do que foi declarado no boletim de ocorrência.

T.A.S. só não inventa, segundo Castro, quando fala sobre o tráfico. "Ela conhece todos os traficantes da favela. Sabe o nome e o barraco onde vivem."


 

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