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28/01/2002 - 07h00

Namorada de Celso Daniel não crê em crime político

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ARMANDO ANTENORE
da Folha de S.Paulo

A socióloga Ivone de Santana, 38, namorada do prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), não crê que ele, encontrado morto no dia 20, sofreu sequestro político.

Ontem, em entrevista à Folha (a primeira que concedeu desde o assassinato), ela disse acreditar que Daniel foi vítima de "um crime urbano". "Ele não possuía inimigos políticos que pudessem chegar ao ponto de matá-lo".

Coordenadora da Escola de Governo _ONG fundada por Daniel há sete anos_, Ivone namorava o prefeito desde 1996. Os dois viviam em casas separadas, mas estavam sempre juntos.

Durante a entrevista, que ocorreu no apartamento da socióloga, em um bairro de classe média de Santo André, ela se mostrou muito abatida e chorou duas vezes.

Folha - A senhora acredita que o assassinato do prefeito Celso Daniel teve motivações políticas?

Ivone de Santana - Quando recebi a notícia do sequestro, pensei: "Não, deve ser um engano". Foi minha primeira reação. O telefonema com a notícia chegou à meia-noite de sexta-feira (dia 18). Meu ex-marido, Michel (Mindrisz, secretário da Saúde de Santo André), ligou para minha casa. Eu estava dormindo. Imaginei que era o Celso _ele às vezes me telefonava quando chegava de São Paulo. Falei: "Michel, confirma isso direito, porque Celso saiu para jantar com o Sérgio (Gomes da Silva, empresário amigo do prefeito).". Logo em seguida, porém, assisti à notícia no "Jornal da Globo". Não quis acreditar. Mas assim que entendi o que realmente havia acontecido, me veio à cabeça o seguinte: "Os caras vão ligar e nós teremos de arrumar grana". Era só nisso que pensava.
O Celso não possuía inimigos políticos que pudessem chegar ao ponto de sequestrá-lo e matá-lo. Aliás, seus adversários tinham todas as divergências trabalhadas com transparência. A gente conhece esses adversários. Sabemos que são capazes de dar umas rasteiras, de criar inverdades, mas isso faz parte do jogo político. Não é problema. Daí acreditar que se tratava de um crime urbano.

Folha - Nesse caso, por que os criminosos não levaram também o empresário que dirigia o carro?

Ivone - O Sérgio é moreno. Nosso racismo cordial deve ter falado mais alto, e os caras acharam melhor pegar o Celso. Até agora não consigo pensar em outra hipótese. Conheço os bastidores da política em Santo André há muito tempo e não imagino que haja adversários capazes de cometer um crime como aquele.

Folha - O prefeito temia algum tipo de violência?

Ivone - Claro que, como administrador, Celso se preocupava com a banalização da violência e tentava combatê-la. Mas pessoalmente não se sentia ameaçado _não mais do que qualquer um de nós. Quando vínhamos juntos de São Paulo, por exemplo, ficávamos hesitando se deveríamos parar no semáforo à noite ou não. Essas coisas... De resto, andava muito solto. Ia ao cinema, ao supermercado, à padaria. No horário em que era um cidadão, não usava seguranças. Quando estava atuando como prefeito, sim, mas sem grandes aparatos.

Folha - Como o prefeito reagiu quando recebeu a carta ameaçadora da Farb (Frente de Ação Revolucionária Brasileira)?

Ivone - Não deu grande importância, não. Achou apenas que o episódio precisava ser apurado.

Folha - E o assassinato do prefeito de Campinas, o preocupou?

Ivone - Sim, a morte de Toninho (Antonio da Costa Santos) o tocou muito. Celso ficou preocupado com o que aconteceu e com o fato de as investigações não terem resultado em nada. Mas não pensou que pudesse existir um cerco violento contra o PT.

Folha - O prefeito sofria pressões de empresários locais?

Ivone -
Não acredito. Ele trabalhava muito bem com os empresários daqui. O empresariado participava das discussões sobre a cidade. Os interesses e as divergências eram transparentes, sempre colocados na mesa. O método de trabalho do Celso priorizava o consenso. Negociação era a palavra-chave. Se não houvesse espaço para o diálogo, bem... Aí poderíamos suspeitar de algo.

Folha - A sra. e o prefeito estiveram juntos no dia do crime?

Ivone -
Na quinta-feira, dia 17, dormi na casa dele. Não queríamos sair para jantar e acabamos vendo um filme na TV por assinatura _horrível, violento. Fiquei muito impressionada. Era barra pesada. Até me recordo do enredo, mas prefiro não contar. O Celso já conhecia o filme e quis vê-lo. Saí do apartamento dele na sexta, umas 7h. Estava meio assim, meio cabrera por causa do filme. Fiquei mal de ver aquilo. Não gosto desse tipo de filme. Saí e fui nadar. Depois, segui para o trabalho. Trocamos alguns telefonemas durante o dia. À noite, meu filho e eu estávamos no meu trabalho, e Celso passou lá para combinarmos o sábado. Ele estava a caminho de São Paulo, com o Sérgio. Foi a última vez que conversamos.

Folha - O que a sra. fez depois que teve a confirmação do sequestro?

Ivone -
Permaneci em casa o tempo inteiro. Não saí até o desfecho. Tinha certeza de que iam ligar, tinha certeza de que iam pedir um resgate. Fiquei esperando uma ligação, acordada, até domingo. Dormi só umas horinhas.

Folha - Quando a sra. soube do telefonema que o senador Eduardo Suplicy diz ter recebido de um suposto sequestrador?

Ivone -
Só soube depois da morte. Mas não acreditei que pudesse ser um dos sequestradores. Se o Celso tivesse lhes dado um número de telefone, não seria o do Suplicy, mas o de alguém de Santo André.

Folha - Se ocorreu um crime urbano, como a sra. acredita, por que os sequestradores mataram o prefeito sem pedir resgate?

Ivone -
De início, não passava por minha cabeça que o caso pudesse terminar tragicamente. Só depois de 24 horas sem nenhum contato é que me alarmei de verdade. Aquele barulho todo da imprensa... Pensei: "Os caras foram atrás porque acharam que era um empresário com grana. Mas aí descobriram que pegaram o sujeito errado. Com todo aquele cerco, aquele barulho da imprensa, os caras devem ter se apavorado e achado que não podiam ficar com ele, que tinham de se livrar dele". Fiquei muito preocupada. Essa coisa da informação pode ter um efeito oposto ao que se imagina. Questiono muito esse negócio de a imprensa anunciar o fato imediatamente após o sequestro sem consultar a família. O que aconteceu no caso do Celso? Primeiro, a TV informou, e só depois é que um dos irmãos dele autorizou a divulgação. Achou que, como o episódio já estava mesmo no ar, não havia mais razão para escondê-lo. [A Folha só noticiou o sequestro após o consentimento de Bruno José Daniel Filho, irmão caçula do prefeito.]

Folha - Na sua opinião, a mídia não deve divulgar sequestros?

Ivone -
É preciso, primeiro, dar a chance de a família decidir se deve ou não haver divulgação.

Folha - A sra. acha que a morte do prefeito poderia ter sido evitada?

Ivone -
Pensei justamente nisso quando o governador Geraldo Alckmin chegou ao velório e falou: "Meus pêsames".

Folha - Para a sra., o governador tem alguma responsabilidade no desfecho trágico do sequestro?

Ivone -
Não quero fazer nenhum discurso político agora, mas a responsabilidade do Estado é evidente. O governo _não só o estadual; o federal também_ é tão primário... Anuncia aquelas medidas contra a violência, contra as pessoas que usam celular pré-pago! A coisa que mais desejo neste momento é que se desvende o crime. Mas você pode ter certeza de que, num segundo momento, vou trabalhar muito para que se avalie qual foi o procedimento da polícia e do governo. Já decidi que não vou me omitir.

Folha - Como a sra. avalia a quebra dos sigilos bancário e telefônico do prefeito?

Ivone -
A quebra do sigilo bancário é outra violência. A conduta do Celso não está em questão agora. Se desejam analisar sua gestão, que analisem, mas não neste momento. Isso não tem nada a ver com a morte dele. É oportunismo político, desvio de rota. A administração do Celso sempre esteve aberta. O Tribunal de Contas sempre trabalhou em cima dela. Misturar essas conversas agora... Cadê o carro, cadê o cativeiro, a solução do caso? As outras coisas podem esperar. Respeitem a família! Quebrar o sigilo telefônico, é claro que devem. Não sei como demoraram tanto para pensar nisso. Mas o bancário?

Folha - E as suspeitas que começam a se lançar contra o empresário Sérgio Gomes da Silva?

Ivone -
Delírio puro. Celso saiu para jantar com um amigo, que é da família. E não "o prefeito saiu para jantar com um empresário". Será que as pessoas não entendem a diferença? Meus filhos poderiam estar juntos. Conheço Sérgio desde 1988. É um amigo.

Folha - As especulações em torno de Sérgio começaram por causa de suas afirmações sobre a Pajero...

Ivone -
Se o carro é da Mitsubishi e chamam um sujeito da Mitsubishi para dar pareceres... Tenha dó, não é? Pessoalmente, não entendo nada disso. Odeio carros grandes. Mas recebi e-mails de pessoas dizendo que as falhas apontadas por Sérgio são absolutamente possíveis.

Folha - E o fato de Sérgio ser sócio do dono de empresas que prestavam serviços à prefeitura?

Ivone -
Não sei o que o Sérgio empresaria. Não sei o que ele faz para ganhar dinheiro. Quando conheci o Celso, eu era balconista. Hoje sou socióloga e dirijo uma ONG. "Ó, então peraí, ela está dentro de um esquema." O que é isso? Brincadeira? O mesmo vale para o Sérgio: "Ah, se aproximou do Celso e virou empresário..." O que é isso?

Folha - Também estão circulando especulações sobre um suposto envolvimento homossexual entre Sérgio e Celso Daniel.

Ivone -
Tudo lixo. Não remexo em lixo. Não é a minha prática.

Folha - O que a sra. pensa de se recorrer à pena de morte, à prisão perpétua ou às Forças Armadas no combate à criminalidade?

Ivone -
Continuo pensando o que já pensava. Sou contra. São meros paliativos. Cadê o resgate da dívida social? Esse aspecto é que realmente importa. Minha dor é grande. Preciso de um tempo para absorver o impacto. Celso às vezes viajava, ficava um período fora... Não sei se ainda não estou achando que ele viajou. Mas mesmo com tudo isso não abro mão dos projetos de cidadania e educação que já tocava antes.
 

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