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25/01/2003 - 03h01

Violência e trânsito irritam o morador de SP

PALOMA COTES
AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S.Paulo

Se São Paulo fosse como os paulistanos gostariam que fosse, a cidade não daria um bom filme nem teria chances de existir. A vida agitada, a ebulição, a diversidade e o intenso movimento cultural -que os paulistanos destacam- não combinam com o trânsito tranquilo, com o qual sonham. Da mesma forma que a cidade aberta 24 horas -que a maioria elogia- e as diferenças sociais são um convite e um cenário propício à violência, que todos querem ver eliminada.

A Folha perguntou a 53 personalidades paulistanas o que mais gostam e o que mais detestam na cidade. De uma maneira ou de outra, todas se queixaram da segurança. E 12 delas citaram a violência como o mal que mais atormenta a cidade. Vários, como d. Pedro Luiz Stringhini, bispo do Belém, na zona leste, já foram assaltados; ele mesmo, três vezes. "Não gosto de ter que conviver e negociar com o medo", diz a apresentadora Marília Gabriela.

Parados no trânsito
O trânsito vem logo em seguida, com 11 queixas. "O trânsito é irritante, violento, desumano", diz o titã Paulo Miklos, que perdeu o amigo Marcelo Fromer atropelado por uma moto.

Guilherme Faiguenboim, diretor do sistema Anglo de ensino, diz que tiraria "os ônibus vazios que circulam pela cidade". E João Paulo Capobianco, fundador do SOS Mata Atlântica, diz que "o exagerado número de veículos", além de poluir, impede que se chegue a espaços públicos interessantes. Para o urbanista e vereador Nabil Bonduki (PT), a "riqueza concentrada" em áreas da cidade obriga as pessoas a se deslocarem, o que exigiria transporte público de melhor qualidade.

Mas o trânsito não seria um dos piores problemas de São Paulo, segundo especialistas. Ailton Brasiliense, diretor do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), diz que a violência, "resultado de uma decomposição social e da perda de valores", é mais difícil de resolver. Roberto Scaringella, fundador e ex-presidente da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), também considera a violência o maior problema.

Do lado bom, a diversidade, a oferta cultural, a pluralidade, a culinária e a cidade que não fecha foram citadas por quase todos os entrevistados. Tem gente que elogia as bancas de jornais que funcionam 24 horas, como a apresentadora de TV e jornalista Soninha, ou a "solidariedade" dos paulistanos, citada pela empresária Milú Villela, militante do voluntariado.

Sem estrelas
O padre Antonio Luiz Marchione, o padre Ticão, disse admirar a garra das "pessoas que pisam no barro para construir uma cidade mais humana e acolhedora". São Paulo se traveste segundo as vivências e o olhar de seus moradores. O professor e infectologista Vicente Amato Neto, 75, que até hoje dirige um time de futebol de médicos, lamenta os estádios da cidade, "poucos e pequenos".

José Augusto Lourenço, presidente do sindicato das escolas particulares do Estado, se queixa da poluição que o impede de ver o céu. "O que eu gostaria é ter na cidade um céu estrelado." Ligia Kogos, dermatologista de VIPs paulistanos, elogia a "sofisticação científica" da cidade e lamenta a falta de educação das pessoas.

Os pernilongos picam e irritam Edgard Scandurra, músico do Ira!, e o que ele mais detesta é a feiúra dos rios Tietê e Pinheiros, "malcheirosos", e o trânsito engarrafado de suas marginais.

A falta de estética urbana, a poluição visual e a ocupação desordenada da cidade aparecem nas queixas de vários entrevistados. O publicitário Celso Loducca compara São Paulo a uma "pessoa que não se gosta muito, não se veste bem, não penteia o cabelo".

O estilista Alexandre Herchcovitch reclama da sujeira e da poluição. "Tem gente que acha que as ruas são um cesto de lixo." O ator Cássio Scapin diz que "faltam latas de lixo". "Não há programação visual. A cidade fica enfeiada com cartazes e anúncios."

Adolpho José Melfi, reitor da USP, cita os buracos das ruas que já estouraram um pneu de seu carro, deixando-o sozinho e em risco na marginal Pinheiros.

O DJ Patife acha feio mesmo o aeroporto de Congonhas, "velho e ultrapassado", que, se pudesse, eliminaria do solo paulistano.

Henry Sobel, presidente do rabinato da Congregação Israelista Paulista, diz que quando chegou a São Paulo, há 33 anos, achou a cidade horrível, suja, cinzenta, caótica. "Hoje, ainda acho, só que aos meus olhos é linda, dinâmica, fascinante." Suely Riviera, promotora da Infância e da Juventude, detesta "a falta de planejamento urbano, a falta de cuidado e as desigualdades de renda e moradia".

A segregação da cidade e suas desigualdades foram lembradas por vários entrevistados como o pior de São Paulo. A beleza de parques como o Ibirapuera, citada em quatro respostas, nada tem a ver com a feiúra e a desordem das grandes artérias de trânsito que levam para a periferia, como as estradas do M'Boi Mirim e a das Lágrimas, na zona sul.

O roteiro e a efervescência cultural elogiados pela maioria não agitam as áreas periféricas, lembraram alguns. "Mesmo o acesso aos bons locais públicos é limitado a quem tem mais recursos financeiros", diz Suely Riviera.

A VJ Marina Person, da MTV, diz não gostar do lado paulistano de cobrar por tudo. "Não há possibilidades nem opções gratuitas de lazer, transporte, parques."

Mãe e filho, a prefeita Marta Suplicy (PT) e o músico Supla, não gostam do "contraste entre a riqueza e a pobreza". "Lutamos para mudar isso", diz Marta.

A miséria "dá dor no coração", diz Supla. Para o marido de sua mãe, Luis Favre, o pior de São Paulo "é a coexistência entre a miséria e a riqueza".

A escritora Fernanda Young trocou o Rio por São Paulo "por ser muito branca" e para fugir do selo "praiano" carioca. "Gosto das pessoas aqui, são profissionais e modernas."

Quanto mais louco...
O ritmo alucinante da cidade, que afugenta muitos, é para outros inspirador e instigante. "É um ritmo gerador de criação", diz Favre. Neusa Maria, uma das coordenadoras da Parada Gay e artesã, afirma que são o ritmo e a vida noturna agitada da cidade que a prendem aqui.

A agilidade, o movimento e a urbanidade de São Paulo "são uma escola e uma terapia", diz Horacio Lafer Piva, presidente da Fiesp. "A cidade é tão grande e tão verdadeiramente metrópole que você pode viver várias vidas diferentes, frequentar várias turmas", afirma a consultora de moda Costanza Pascolato. O lado ruim, diz, é o trânsito, que a obriga a trabalhar no carro enquanto se desloca.

A empresária e socialite Yara Baumgart, que anda com dois seguranças e carros blindados, chega a sentir falta da "loucura" do trânsito nos meses de férias. Alencar Burti, presidente da Associação Comercial de São Paulo, diz que se assusta quando "as coisas estão calmas" na cidade. "Você não quer paz em São Paulo, porque a cidade te ensinou a conviver com o dinamismo", afirma.

O filósofo Mário Sérgio Cortella, secretário da Educação na gestão Erundina, pensou que não conseguiria viver na cidade quando veio de Londrina (PR), aos 13 anos. "Achei que não conseguiria domá-la. Aqui as pessoas saltam os degraus das escadas rolantes, isso sempre me impressiona." Para a psiquiatra e socióloga Carmita Abdo, 53, o inusitado e a capacidade de surpreender é o que São Paulo tem de melhor. "É uma cidade que não envelhece nunca, e isso me dá a sensação de não envelhecer também", diz. O pior da cidade, na sua opinião, é justamente o oposto: tratar mal seus bens antigos, sejam suas pessoas, seus prédios e tradições.

O lado cosmopolita da cidade, suas instituições de ponta e as chances de trabalho que oferece foram lembrados por vários entrevistados. "Não preciso sair daqui para me atualizar", diz Regina Parizi, presidente do Conselho Regional de Medicina.

"Quem quer trabalhar, fica aqui", diz Hélio Egydio Nogueira, médico e reitor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
 

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