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23/06/2003 - 10h18

"É preciso combater pequenos delitos para reduzir violência", diz especialista

ANDRÉ SOLIANI
da Folha de S.Paulo

A polícia precisa subir os morros e entrar nas favelas. A ação, num primeiro momento, não deve visar à prisão de criminosos. É preciso entrar nas comunidades mais pobres para ganhar a confiança dos moradores. O conselho é da professora de Harvard especialista em segurança pública Catherine Coles, 56.

Co-autora do livro inédito no Brasil "Fixing Broken Windows", cuja tradução literal seria "Consertando Janelas Quebradas", Coles enfatiza a importância de combater pequenos delitos e comportamentos que provocam medo na população como forma de controlar crimes violentos.

Seu livro, escrito em parceria com o criminologista de Harvard George Kelling, é considerado um dos principais fundamentos teóricos da Tolerância Zero, regras de segurança usadas em Nova York para diminuir a violência.

Tolerância Zero significa combater com afinco pequenos delitos para sinalizar aos criminosos que a sociedade aplicará com rigor a lei. Segundo Coles, aceitar determinados comportamentos na rua é um convite para que a violência se instale.

A professora esteve em Brasília para fazer palestras sobre segurança pública. A aproximação entre polícia e comunidades, pregada por ela, faz parte das políticas de segurança em vários Estados, entre eles Rio e São Paulo, onde há bases de policiamento comunitário.

Em entrevista à Folha, ela fez questão de declarar que não é uma especialista em Brasil. Porém, afirmou que há evidências em vários países de que suas teses têm fundamento.

Folha - A senhora poderia começar com uma breve exposição da tese central do livro?
Catherine Coles
- O objetivo era mostrar que os pequenos delitos, embora pareçam insignificantes, não são. Combatê-los é fundamental para reduzir os crimes violentos. O título "Fixing Broken Windows" é uma analogia. Se uma simples janela quebrada não for consertada, sinaliza-se que ninguém se importa com a área.

Se tivermos um ou dois comportamentos que provocam distúrbios e não nos importarmos, em pouco tempo isso será um sinal para as pessoas de que ninguém se importa e de que o lugar perdeu qualquer referência de segurança. A consequência é um convite para quebrarem mais janelas. É um convite para criminosos, pois indica que eles estão livres para fazerem o que quiserem.

Nós propomos uma sequência lógica. Se há crescimento dos pequenos distúrbios, há um aumento do medo. As pessoas vêem a decadência física da vizinhança, atos de mau comportamento, jovens intimidando os mais velhos nas esquinas ou pequenos traficantes em espaços públicos. Eles tomam conta desses locais e os cidadãos não podem usá-los.

Aí vem o medo. Se os cidadãos ficarem com medo, eles vão sair dos espaços públicos. Deixarão de ir às ruas. Passarão a ficar em casa e colocarão grandes cadeados nas suas portas.

Finalmente, quando pararem de usar os espaços públicos, o controle social será reduzido. É o controle social que mantém nos locais públicos o comportamento civil. Com o fim do controle social, o que acontece é um convite para os criminosos cometerem crimes mais graves.

Folha - A senhora acredita que sua hipótese se aplica ao Brasil?
Coles
- Eu não fiz pessoalmente pesquisas em outros lugares do mundo. Mas conversei com policiais e promotores de outros países que dizem que a hipótese é verdadeira nas suas sociedades. Não posso dizer que isso se aplicará totalmente ao Brasil. Os brasileiros é que precisam fazer essas determinações.

Folha - No Brasil, o foco dos debates são os crimes mais violentos, como homicídios. A senhora acredita que seria proveitoso usar recursos escassos para combater pequenos delitos no país?
Coles
- Muitas pessoas se perguntam por que se deveria gastar recursos limitados no combate aos crimes menores, quando se tem altos índices de criminalidade. Há duas boas razões. Uma é a sequência que descrevi. Se os cidadãos ficarem assustados, deixarão de frequentar o espaço público, e a situação vai piorar.

A outra resposta é que há ligações entre os pequenos delitos e os índices de crimes violentos. Os dois são aparentemente relacionados e não há nenhuma outra explicação forte o suficiente, no caso de Nova York, para justificar a queda dos índices de violência.

Folha - Em algumas cidades do Brasil vivemos uma situação em que as pessoas já deixaram o espaço público. É possível, no caso brasileiro, ao tentar controlar pequenos delitos, reconquistar esse espaço?
Coles
- Eu estive no Rio, falei com muitas pessoas. Percebi muito medo nas pessoas. A maioria das pessoas estava deixando de sair à noite ou não saía com tanta frequência ou voltava mais cedo para casa. O Rio ainda me parece uma cidade com muita vida. As pessoas ainda estão nas ruas. Mas o nível de medo é alarmante.

Eu, no entanto, não tive a impressão de que os problemas fossem de tal magnitude que não tivessem solução.

Muitas pessoas diziam que parecia não haver mais esperança. Não seria possível fatiar o problema aparentemente sem solução em problemas menores, para que se pudesse obter sucesso em determinados espaços? Primeiro tentaria-se restabelecer a ordem numa determinada região e depois se avançaria para outra.

Folha - O Congresso estuda proibir o porte de armas no Brasil. Esse tipo de medida é eficiente contra o crime violento?
Coles
- Não sou especialista em controle de armas. Mas é plausível argumentar que controle de armas pode reduzir crimes.

Em Nova York, o departamento de polícia queria reduzir o número de pessoas que portavam armas. A polícia percebeu que, quando a política foi implementada com firmeza, o número de tiroteios e os índices de violência caíram rapidamente. O controle fez com que não houvesse armas para usar quando havia conflitos.

Folha - Muitos autores relacionam violência à desigualdade social. O que a senhora acha?
Coles
- A pobreza e a desigualdade são muitas vezes razões para as pessoas dizerem que não podem diminuir as taxas de crimes. Certamente existe uma relação. Mas nem todos os pobres violam as leis. Eles merecem segurança.

Enquanto a solução de longo prazo precisa resolver a pobreza e a desigualdade, ao longo do caminho há muito que a aplicação da lei pode fazer. Não vamos usar isso [a desigualdade] como uma desculpa para não fazer nada. O desenvolvimento não pode ocorrer sem segurança.

Folha - Como resolver o problema de segurança nos bairros pobres se falta confiança dos moradores na própria polícia?
Coles
- Uma das melhores mudanças que podem acontecer é a criação de polícias comunitárias. A polícia precisa ter mais contato com as pessoas das comunidades mais pobres, as mais violentas. A polícia precisa começar a ter laços próximos com essas comunidades, precisa ouvir a prioridade dessas áreas.

O primeiro passo é simplesmente ganhar a confiança dessas comunidades. A polícia terá de provar que é confiável. Uma vez que seja estabelecida a relação de confiança, a polícia e os cidadãos podem concordar sobre quais são as prioridades e a presença policial poderá crescer.

A polícia, pelo que ouvi, tem medo de ir às favelas. Ela tem medo, os cidadãos têm medo. Existe uma falta de confiança dos cidadãos na Justiça. Isso tem de ser restabelecido.

Folha - Como restabelecer a confiança entre comunidades pobres e policiais?
Coles
- Nos anos 60 e 70, nos EUA, as condições eram tão graves em certas áreas que a polícia não podia entrar. A polícia mandava oficiais especialmente treinados para se envolver com as comunidades. Estavam lá para conhecer os cidadãos.

Eles ofereciam às crianças um lugar para fazerem o dever de casa. Conseguiam um voluntário da comunidade para trabalhar no local. Os policiais participavam das reuniões de bairro. O primeiro passo era conhecer os cidadãos e ser conhecido. Gradualmente, a presença policial pode ser aumentada.

Outra solução foi o trabalho de policiais com associações de moradores. Algumas vezes, eles entraram como agentes do serviço social ou faziam palestras nas escolas.

Folha - Nesses exemplos, a polícia não entra para combater crimes, pelo menos no primeiro momento, correto?
Coles
- Eles entram para ouvir. Para perguntar para as pessoas quais são suas prioridades, qual é o problema, o que eles querem para o seu bairro. É preciso escutar muito. Eles não serão capazes de fazer nada antes de terem o apoio dos cidadãos.

Folha - Isso significa que a polícia precisará aceitar alguns tipos de crimes antes de atuar?
Coles
- Até ter a confiança do bairro, sim. Se você entrar e ninguém o conhecer, os moradores vão pensar em termos de nós contra eles: "Nós somos os cidadãos e vocês da polícia são um grupo hostil vindo de fora". Quando a polícia começar a tomar atitudes contra o crime, eles precisam ter o apoio da comunidade. Eles estarão tomando medidas contra as ofensas que a própria comunidade estabeleceu como prioridade.

Folha - Especialistas relacionam altos índices de criminalidade no Brasil com a impunidade. A senhora concorda?
Coles
- Uma maneira é desenvolver uma estratégia em que criminosos muito perigosos possam ser tratados de maneira especial, em que seus casos possam ser julgados de maneira rápida.

Outro importante aspecto é o papel dos promotores na solução de problemas e ações de prevenção. Eles podem trabalhar com a polícia e com os cidadãos para encontrar outras maneiras de enfrentar crimes, que não seja um processo penal. Podem abrir processos civis, podem fechar um ponto de venda de drogas usando códigos de segurança, que são leis civis.

Um promotor pode chamar um inspetor que encontrará falhas no sistema de segurança contra o fogo ou falta de pagamento de taxas. Então fecha-se a casa e se despeja os traficantes. Assim se pode acabar com uma atividade ilegal num prazo de duas semanas, quando um processo criminal, com toda a investigação e o processo judicial, poderia levar de oito a dez meses. Nesse intervalo, quantos cidadãos poderiam estar mortos?


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