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12/10/2003 - 07h30

Cultura inibe uso de camisinha entre índios

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CHICO DE GOIS
enviado especial da Folha de S.Paulo a Dourados

Maria de Fátima Alves Garcia, 25, segura uma espiga de milho em uma das mãos enquanto com a outra, lentamente, começa a desenrolar uma camisinha. Ao seu lado, quatro índias --a maioria com crianças no colo-- olham atentamente para a instrutora, tentando conter o riso ao mesmo tempo envergonhado e malicioso.

Em guarani, Garcia explica a importância de usar o preservativo. Já havia preparado a pequena audiência exibindo cartazes sobre DSTs (doenças sexualmente transmissíveis).

As fotos provocam apreensão nas índias. Uma delas diz, também em guarani, que a campanha deveria ser dirigida aos maridos. Garcia, que também é índia da aldeia bororó, em Dourados (200 quilômetros de Campo Grande), concorda.

Em 2002, em todo o país, foram registrados mais de 4.000 casos de DST entre a população indígena que vive nas aldeias, o que significa, na média, 12,9 casos por 1.000 habitantes.

Um número considerado alto, principalmente levando-se em conta que em toda a população brasileira foram cerca de 200 mil notificações para um público de mais de 170 milhões de habitantes, o que significa 1,17 caso
por 1.000 habitantes.

De 98 até o ano passado, foram notificados 43 casos de Aids entre os índios --24 deles no Mato Grosso do Sul. Não há registros de contaminação por HIV, uma vez que o exame não é obrigatório.

Em quase seis anos de atuação como agente de saúde na área, Garcia aprendeu que os homens são os mais resistentes ao uso do preservativo.
"Muitos pais não querem que seus filhos adolescentes usem camisinha."

Dependendo da casa, falar sobre o assunto é quase um insulto. "Eles ficam bravos e perguntam se eu acho que os filhos deles são vagabundos."
Mas os adolescentes interessados em educação sexual arranjam um jeito de se proteger.

Eles a procuram em sua casa e pedem "a encomenda". Garcia, então, lhes entrega um pacote com três unidades.

As igrejas evangélicas pentecostais também oferecem resistência ao trabalho de prevenção. Uma enfermeira que atua entre os índios, e que não quis se identificar por temer a criação de mais empecilhos para o trabalho, lembra de um pastor que proíbe seus seguidores de usar o preservativo e até mesmo de aceitar o trabalho de prevenção e cura de outras doenças, principalmente a desnutrição entre crianças.

"Eles dizem que não precisam de nada porque Deus cura." O resultado são casos como a morte de uma criança de menos de um ano de idade, no ano passado. Os pais não permitiram que ela fosse levada a um hospital mantido pela Missão Caiuá, uma ONG ligada a outra igreja evangélica, que trata de 45 desnutridos graves.

O professor Antonio Brand, coordenador do Programa Kaiowa, da Universidade Católica Dom Bosco, também aponta uma questão cultural-religiosa sobre as doenças. De acordo com ele, alguns males que não têm explicação dentro da cultura dos guaranis são atribuídos "ao mundo sobrenatural". A Aids e a tuberculose são exemplos. "A existência do vírus é muito difícil de ser entendida pelos índios."

Para curá-las não basta, portanto, recorrer aos remédios tradicionais dos brancos. "A cura desses males está inserida mais no xamã do que no médico." Xamã é uma espécie de sacerdote que atua como curandeiro.

A proliferação das doenças sexualmente transmissíveis e da Aids preocupa os órgãos responsáveis pela saúde do índio.

Um relatório do ano passado elaborado pela Coordenação Nacional de Aids aponta que "a epidemia cresce e se expande entre índios residentes em áreas urbanas, mas que mantêm contatos frequentes com as aldeias".

O documento destaca que as variáveis responsáveis por essa proliferação são "a pobreza, a prostituição e o alcoolismo".

Por causa desse quadro, a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) tem disseminado cursos de capacitação para profissionais que atuam nas aldeias.
 

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