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14/10/2003
-
00h01
LUIZ CAVERSAN
da Folha de S.Paulo
As primeiras pedras e ovos começaram a voar ainda no dia anterior, quando secundaristas e alunas da Faculdade de Filosofia da USP faziam um pedágio na rua Maria Antônia para recolher dinheiro para o movimento estudantil.
Mas a "Batalha da Maria Antônia" estourou mesmo no dia seguinte, 3 de outubro de 1968, uma sexta-feira. E seu saldo foi trágico: um estudante secundarista (José Carlos Guimarães, 20) morto com um tiro na cabeça, três universitários também baleados e dezenas de feridos.
Além do prédio da Filosofia invadido e depredado por alunos da vizinha Universidade Mackenzie e integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), quebra-quebra, confronto com policiais e diversos automóveis incendiados.
O artista plástico Cláudio Tozzi, 58, participou ativamente daqueles dias conturbados, que colocaram a cidade de São Paulo no clima do que estava ocorrendo no resto do mundo, sobretudo na França.
"A Maria Antônia era o nosso Quartier Latin", afirma Tozzi, referindo-se ao boêmio bairro parisiense que, em maio de 68, viveu verdadeiras batalhas campais.
A semelhança com Paris não se referia apenas à contestação violenta. "A região da Maria Antônia era muito festiva, um ponto de encontro, uma parte da cidade agradável e animada", diz Tozzi.
Agradável enquanto as relações do movimento estudantil ligado à esquerda não passassem a se estranhar violentamente com os conservadores do Mackenzie.
"Sempre houve provocação", recorda Tozzi, como os roubos de urnas da eleição estudantil de 67. Mas havia também a animação das passeatas que rapidamente agregavam alunos das escolas próximas. "Em dois minutos, o que acontecia na Filosofia já chegava à FAU, onde eu estudava. Dali para a Administração de Empresas era um pulo, e de repente estava todo mundo lá."
O ambiente cultural também florescia, tanto nas escolas quanto nos bares da região, entre eles o lendário Bar do Zé, na Maria Antônia com Dr. Vila Nova.
Tozzi foi preso duas vezes, embora não constituísse uma liderança, como eram o atual ministro José Dirceu ou Luiz Travassos, da União Nacional dos Estudantes. Era, sim, um militante, e como tal sentiria a força do regime militar.
"A primeira prisão foi coletiva, mais de 60 estudantes, no largo da Concórdia, em uma ação comandada pelo então famoso policial Raul Careca. Na segunda, a coisa foi mais séria: acabei preso pela Oban [órgão de combate aos opositores do regime] e levado ao Doi-Codi [repartição do Exército que atuava na repressão]."
Segundo afirma, Tozzi foi submetido a maus tratos por pelo menos uma semana.
Como seria de se esperar, sua pintura foi fortemente influenciada pelos acontecimentos da época: "Na verdade, eu fazia uma espécie de retrato daquilo tudo. Fotografava e documentava, depois fazia intervenções nas fotos ampliadas, o que resultava num trabalho afinado com a realidade. Não era, de jeito nenhum, uma pintura de cavalete. Buscava uma comunicação mais ampla, tanto que expunha até em fábricas. Tinha a preocupação de vincular arte com luta pela liberdade, sob a influência de tudo o que acontecia no mundo de então e tendo São Paulo como cenário."
Nesta seção, "Eu Estava Lá", personagens contam a história de São Paulo, todas as terças-feiras.
Se você presenciou ou conhece pessoas que participaram de marcos da história paulistana, clique aqui para enviar sua sugestão.
Especial
São Paulo, 450 anos
SP 450: Maria Antônia era o nosso Quartier Latin
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da Folha de S.Paulo
As primeiras pedras e ovos começaram a voar ainda no dia anterior, quando secundaristas e alunas da Faculdade de Filosofia da USP faziam um pedágio na rua Maria Antônia para recolher dinheiro para o movimento estudantil.
Mas a "Batalha da Maria Antônia" estourou mesmo no dia seguinte, 3 de outubro de 1968, uma sexta-feira. E seu saldo foi trágico: um estudante secundarista (José Carlos Guimarães, 20) morto com um tiro na cabeça, três universitários também baleados e dezenas de feridos.
Matuiti Mayezo/Folha Imagem O artista plástico Cláudio Tozzi |
Além do prédio da Filosofia invadido e depredado por alunos da vizinha Universidade Mackenzie e integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), quebra-quebra, confronto com policiais e diversos automóveis incendiados.
O artista plástico Cláudio Tozzi, 58, participou ativamente daqueles dias conturbados, que colocaram a cidade de São Paulo no clima do que estava ocorrendo no resto do mundo, sobretudo na França.
"A Maria Antônia era o nosso Quartier Latin", afirma Tozzi, referindo-se ao boêmio bairro parisiense que, em maio de 68, viveu verdadeiras batalhas campais.
A semelhança com Paris não se referia apenas à contestação violenta. "A região da Maria Antônia era muito festiva, um ponto de encontro, uma parte da cidade agradável e animada", diz Tozzi.
Agradável enquanto as relações do movimento estudantil ligado à esquerda não passassem a se estranhar violentamente com os conservadores do Mackenzie.
"Sempre houve provocação", recorda Tozzi, como os roubos de urnas da eleição estudantil de 67. Mas havia também a animação das passeatas que rapidamente agregavam alunos das escolas próximas. "Em dois minutos, o que acontecia na Filosofia já chegava à FAU, onde eu estudava. Dali para a Administração de Empresas era um pulo, e de repente estava todo mundo lá."
O ambiente cultural também florescia, tanto nas escolas quanto nos bares da região, entre eles o lendário Bar do Zé, na Maria Antônia com Dr. Vila Nova.
Tozzi foi preso duas vezes, embora não constituísse uma liderança, como eram o atual ministro José Dirceu ou Luiz Travassos, da União Nacional dos Estudantes. Era, sim, um militante, e como tal sentiria a força do regime militar.
"A primeira prisão foi coletiva, mais de 60 estudantes, no largo da Concórdia, em uma ação comandada pelo então famoso policial Raul Careca. Na segunda, a coisa foi mais séria: acabei preso pela Oban [órgão de combate aos opositores do regime] e levado ao Doi-Codi [repartição do Exército que atuava na repressão]."
Segundo afirma, Tozzi foi submetido a maus tratos por pelo menos uma semana.
Como seria de se esperar, sua pintura foi fortemente influenciada pelos acontecimentos da época: "Na verdade, eu fazia uma espécie de retrato daquilo tudo. Fotografava e documentava, depois fazia intervenções nas fotos ampliadas, o que resultava num trabalho afinado com a realidade. Não era, de jeito nenhum, uma pintura de cavalete. Buscava uma comunicação mais ampla, tanto que expunha até em fábricas. Tinha a preocupação de vincular arte com luta pela liberdade, sob a influência de tudo o que acontecia no mundo de então e tendo São Paulo como cenário."
Nesta seção, "Eu Estava Lá", personagens contam a história de São Paulo, todas as terças-feiras.
Se você presenciou ou conhece pessoas que participaram de marcos da história paulistana, clique aqui para enviar sua sugestão.
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