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14/03/2004 - 03h00

39% dos paulistanos têm excesso de peso

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JOÃO BATISTA NATALI
da Folha de S.Paulo

A obesidade já é o segundo fator de maior risco para a saúde do paulistano. Pesquisa realizada no último trimestre de 2003 pelo Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde) revela que 39% dos adultos estão com excesso de peso, 15% estão fazendo dieta e 3% estão tomando medicamento para emagrecer.

É o que revela, em entrevista à Folha, o diretor científico da instituição, Carlos Augusto Monteiro, 56, também professor titular da Faculdade de Saúde Pública da USP. O primeiro fator de risco, diz ele, é a sedentariedade: 68% dos paulistanos não fazem exercícios.

Folha - A epidemia de obesidade, que atingiu em cheio os Estados Unidos, já chegou ao Brasil?

Carlos Augusto Monteiro
- Sem dúvida. Nos últimos 20 anos, a obesidade duplicou entre adultos e triplicou entre crianças. Entre adultos temos 10% obesos e 40% com excesso de peso. No caso de crianças, perto de 15% têm excesso de peso e 5% são obesas.

Folha - Qual a relação entre obesidade e problemas de saúde?

Monteiro
- Em 2002, a OMS (Organização Mundial da Saúde) tentou calcular, por país, o impacto de fatores de risco sobre mortes e doenças. Para o Brasil, estima-se que a obesidade seja o segundo maior fator nesse ranking.

Folha - Que doenças ela favorece?

Monteiro
- A obesidade aumenta o risco de diabetes, hipertensão, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral [derrames], doenças dos aparelhos respiratório e locomotor, doença da vesícula biliar e até tipos de câncer.

Folha - Câncer?

Monteiro
- Principalmente câncer de mama, do intestino grosso, de próstata e do endométrio. No caso do câncer de mama, o mecanismo parece estar associado à produção de hormônio estrogênico pelo tecido gorduroso. A obesidade aumenta a produção desse hormônio, o que aumenta o risco de câncer de mama.

Folha - Então a obesidade "rouba" anos de vida.

Monteiro
- Justamente. Em países como o Brasil, a obesidade já "rouba"" mais anos de vida saudável do que o cigarro. A OMS estima que o primeiro fator que mais causa mortes e doença no Brasil seja o consumo excessivo de álcool. O segundo é a obesidade, o terceiro é a pressão arterial elevada, o quarto é o tabagismo, e o quinto é o colesterol elevado.

Folha - Há estudos brasileiros com porcentagens exatas?

Monteiro
- Na cidade de São Paulo criamos um sistema de monitoramento de freqüência de fatores de risco para doenças crônicas de adultos. O primeiro inquérito desse sistema, no ano passado, revela que 68% dos adultos que vivem em São Paulo são sedentários; 39% têm excesso de peso, 20% são ex-fumantes, 19% fumam e só 4% são magros.

Folha - Não é estranho termos uma epidemia de obesidade num país no qual o governo diz que, em 2003, 44 milhões passavam fome?

Monteiro
- Na realidade há nisso um equívoco. Temos 44 milhões de pessoas muito pobres, mas a prevalência de mulheres obesas na região Sudeste, no quartil de renda mais baixa, é de 14%. No quartil de renda mais elevada a prevalência da obesidade é 7%. Ou seja: pobreza e obesidade estão associadas. A fome, de fato, como deficiência de calorias, atinge proporções muito menores do que as que são apontadas. O semi-árido nordestino, onde há problemas de produção e abastecimento de alimentos, é a única região onde a obesidade não constitui problema de saúde pública.

Folha - O que a OMS diz sobre o avanço da obesidade no Brasil?

Monteiro
- O Brasil tinha prazo até 29 de fevereiro para ratificar o apoio à "Estratégia Global da OMS sobre Alimentação, Atividade Física e Saúde", que é um documento que aquele organismo deverá aprovar na Assembléia Mundial da Saúde, em maio. Quando todos esperavam que o Brasil ratificasse, sem ressalvas, o governo enviou mensagem em que alegou ter dúvidas quanto à validade científica das recomendações, e, secundariamente, que o impacto delas sobre a economia não havia sido considerado.

Folha - Quais são as recomendações da OMS?

Monteiro
- De modo sintético, recomendam-se ações em dois sentidos: para informar as pessoas sobre as relações entre alimentação e atividade física e para tornar o ambiente mais propício a escolhas saudáveis e menos indutor de padrões não saudáveis de alimentação e sedentarismo.

Folha - Qual seria o ambiente mais propício?

Monteiro
- São previstas ações no ambiente físico, como políticas para assegurar a produção e venda de alimentos mais saudáveis, e no ambiente econômico [taxações e subsídios] e sociocultural, além de campanhas educativas e restrições na publicidade de alimentos não-saudáveis, sobretudo quando dirigidas a crianças.

Folha - A lista desses alimentos não saudáveis é muito longa?

Monteiro
- Eles são basicamente aqueles que têm uma alta densidade energética, excesso de gordura, de açúcar e de sal, além de escassez de fibras e de vitaminas. Um exemplo: os refrigerantes.

Folha - O refrigerante faz mal ou ele deixa de fazer bem?

Monteiro
- As duas coisas. Ele deixa de fazer bem porque você deixa de consumir uma outra bebida que poderia trazer nutrientes essenciais. Mas o refrigerante é ruim em si porque, além de contribuir para problemas dentários, ele é um dos fatores de risco comprovados para a obesidade.

Folha - Mas os fabricantes de refrigerantes têm linhas dietéticas.

Monteiro
- O refrigerante dietético deixa de causar mal pelo consumo excessivo de calorias, mas a destruição do esmalte dental --e a conseqüente perda dos dentes-- aumenta igualmente, porque o que importa é o conteúdo ácido do produto.

Folha - Por que é que, a seu ver, o Ministério da Saúde não reagiu às ressalvas do Brasil à OMS?

Monteiro
- O que sabemos é que todo o corpo técnico do Ministério da Saúde reconhece a validade das recomendações da OMS, mas quem formalmente transmite as mensagens do governo brasileiro para a OMS é o Ministério das Relações Exteriores. A resistência do governo vem de pressões exercidas por setores do empresariado.

Folha - Em outros países ocorreu o mesmo tipo de pressão?

Monteiro
- De cerca de 50 países que se manifestaram, apenas quatro foram reticentes: os Estados Unidos, a Suazilândia, que é um produtor de açúcar que se sentiu prejudicado, as Ilhas Maurício e o Brasil.

Folha - Por que a reação dos EUA?

Monteiro
- A única divergência é com relação ao açúcar. A OMS fixa como limite de consumo 10% das calorias que têm como origem o açúcar, enquanto nos EUA não se admite que haja evidência científica para estabelecer um nível seguro para esse consumo.

Folha - Algum país já limita a publicidade de alimentos?

Monteiro
- Muitos países da Europa têm restrições. A Prefeitura do Rio de Janeiro proibiu a venda de alimentos não-saudáveis nas cantinas das escolas municipais, e a Justiça estendeu a determinação às unidades particulares. Os alimentos proibidos são frituras, refrigerantes, todos os embutidos [presunto, lingüiça etc.], hambúrguer, balas, pirulitos, sorvetes cremosos e biscoitos.

Folha - Há alguma reversão da epidemia de obesidade?

Monteiro
- A Finlândia é um dos poucos países onde há relato de reversão da epidemia de obesidade. Os finlandeses tradicionalmente consumiam alimentos com muita gordura. Investimentos na produção de alimentos mais saudáveis e em medidas de controle do ambiente, como taxação de alimentos não-saudáveis e subsídios a alimentos saudáveis, permitiram deter a epidemia.

Folha - E no Brasil?

Monteiro
- Há o exemplo da população feminina do Sudeste que tem mais escolaridade. Houve, nela, um declínio da obesidade nos anos 90, muito possivelmente por um aumento na percepção da importância para a saúde de se manter o peso adequado.
 

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