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02/05/2004 - 02h58

Militar na rua não dá certo, diz líder de ONG

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LUIZ FERNANDO VIANNA
da Folha de S.Paulo, no Rio

Por trás de grande parte das intervenções socioculturais feitas em favelas cariocas está o Grupo Cultural Afro Reggae. E por trás da ONG (organização não-governamental) criada há 11 anos está José Júnior, 36.

Empreendedor compulsivo, que projeta na fala rápida sua ansiedade, Júnior não precisou de diploma para se afirmar como uma das lideranças dos movimentos sociais do Rio. Tem trânsito com políticos de todas as tendências, artistas idem e socialites. Seu maior orgulho é ter conseguido evitar que centenas de jovens se rendessem ao tráfico de drogas.

Centralizador assumido, supervisiona todas as atividades da ONG. A mais famosa delas é a banda AfroReggae, que, acompanhada pelo padrinho Caetano Veloso, tocou neste mês no Carnegie Hall, em Nova York.

No exterior, o nome Afro Reggae está cada vez mais conhecido. Em julho, por exemplo, chega ao Rio um grupo de 80 jovens da Dragon School, da elite britânica, para conhecer o trabalho da ONG nas favelas cariocas.

Na entrevista a seguir, ele comenta a guerra na Rocinha (favela em São Conrado, na zona sul), critica a volta do Exército às ruas e elogia Anthony Garotinho, secretário de Segurança Pública do Estado do Rio e ex-governador.

Folha - Como você viu a volta da violência à Rocinha, com a guerra pelo controle do tráfico?
José Júnior
- A Rocinha tinha o tráfico mais bem armado, mas não tinha cultura de guerra. Foi por isso que a facção rival conseguiu entrar e fazer aquele estrago. Segundo o que eu sei, morreu até mais gente do que foi dito.

Talvez a Rocinha tenha sido a última favela romântica, da extinta Falange Vermelha. No sentido de que tinha uma ação assistencialista, bandidos amados. Não existe mais bandido amado. Nós fizemos um trabalho lá durante um ano, em 2001, e vimos que era uma favela atípica. Foi a primeira favela a ter banco. Até agora, era a menos conturbada das favelas.

Folha - Como enfrentar o tráfico sem ser pela repressão policial?
José Júnior
- O problema é que ninguém gera mais emprego que o tráfico em subúrbios e favelas. Tem sempre vaga, porque há muitas mortes e prisões.

Desde que a gente criou o Afro Reggae, há 11 anos, eu ouço que o que resolve é educação. Mas hoje eu acho que o que resolve é emprego. Não posso chegar para um cara de 38 anos e dizer que ele precisa voltar a estudar para trabalhar. A educação, infelizmente, ficou em segundo plano.

Muita gente vai para o tráfico porque tem fome. Há uma ilusão de que os caras do tráfico ganham muito. Mas tem muita gente ganhando R$ 100, R$ 150. É um grande erro chamar esses caras de traficantes. Eles são só vendedores de drogas. Já teve gerente de boca-de-fumo pedindo emprego para mim por R$ 450.

Folha - O Exército deverá novamente atuar nas ruas do Rio. É uma boa medida?
José Júnior
- A Operação Rio, que aconteceu há dez anos, é a prova de que não dá certo. Quem vai para a rua é o recruta, o praça, o soldado. Esses garotos não estão preparados para isso. E, para piorar, eles moram todos em comunidades. Ou seja, ainda ficam em situação de risco.

Folha - Ofertas de emprego dependem de crescimento econômico. Não há ações de emergência?
José Júnior
- Eu só vejo geração de renda. O que leva o indivíduo para a criminalidade é a falta de perspectiva. Quando aparece um negro na TV, ou um nordestino, ou um mestiço, o que você vê? Ele está preso, chorando, reclamando que o barraco desabou.

Mas já quando você vê o Jonathan Haagensen [do filme "Cidade de Deus"]) é outra coisa. Ele é modelo, desfilou em Paris, e é negro e oriundo do Vidigal. Quando você vê o Heraldo Pereira apresentando o "Jornal Nacional", é importante. O MV Bill, quando fica 40 minutos no "Faustão" sem prostituir sua ideologia, é muito importante. Essa entrada na mídia é fundamental. No país todo, quando encontro gente do tráfico, pergunto quais são os ídolos deles, e a resposta é: Elias Maluco, Fernandinho Beira-Mar, Osama Bin Laden.

Folha - Você apóia as ações que a polícia tem feito nas favelas? O que achou da imagem de um corpo sendo carregando num carrinho de mão pela Rocinha?
José Júnior
- Diante de arbitrariedades que a polícia normalmente comete no Brasil, como mostramos no clipe da música "Tô Bolado", o carrinho não é nada. Mataram um cara, o cara está com o corpo duro, desceram no carrinho. É uma foto de impacto, claro, mas tem coisas piores.

Muita gente não vai concordar comigo, mas a polícia tem melhorado com o Garotinho. Eu acho que, hoje, o policial tem medo. Pode ser populismo, mas ele bate muito na polícia. Eu nunca tinha visto um secretário fazer isso. Nunca se exonerou tanto nem se contratou tanto. Só que o governo não vai resolver o problema só focando em segurança pública. O que é necessária é a união das quatro esferas de poder: o poder público, a sociedade civil, as empresas privadas e a mídia. O Viva Rio [ONG] é um produto desses quatro poderes.

Folha - Excetuando o poder público, o que as outras esferas que você citou podem fazer?
José Júnior
- Por que os empresários não abrem mão de um pouquinho do que ganham? Será que a classe artística não poderia dar 1% de seus cachês? A Firjan [Federação das Indústrias do Rio de Janeiro] criou o Núcleo de Responsabilidade Social, está com vontade de dialogar. A Fecomércio [Federação do Comércio do Rio de Janeiro], idem. Quem imaginaria há 15 anos que a Rede Globo daria R$ 10 milhões em mídia para o Afro Reggae? Ou teria uma negra protagonizando uma novela? As coisas estão mudando. Se a moda é construir muros, nós temos que construir pontes.
 

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