Fundef

Os números do repasse em São Paulo

Como funciona a distribuição das verbas

Jogo de empurra paralisa fiscalização
de uso do Fundef em São Paulo


Para vereador, dinheiro do fundo está sendo usado para cobrir rombo na educação municipal

RAFAEL GARCIA
da Folha Online

A desorganização do Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundef (Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental) e a sonegação de informações pela Prefeitura de São Paulo impedem a fiscalização da gestão de R$ 1,04 bilhão em verbas para a educação, repassadas em dois anos e meio.

De acordo com o vereador Vicente Cândido (PT), a prefeitura está dificultando o acesso aos dados sobre o fundo porque parte do dinheiro está sendo usado irregularmente, para compensar desvios em outras verbas do setor.

Desde 98, quando o Fundef foi implementado, o órgão responsável por vigiar os gastos em São Paulo não consegue saber se as verbas são aplicadas corretamente e alega que isso ocorre porque a prefeitura omite dados.

Após dois anos de relatórios em branco, o novo conselho de acompanhamento das verbas se vê sem forças de obter da prefeitura as informações de que precisa e, mesmo assim, ainda não procurou o Ministério Público.

Segundo o ex-presidente do conselho José Waldir Grégio, que ocupou o cargo até julho, o órgão não buscou ajuda externa "por causa do regimento interno", aprovado pelos próprios membros. "Pelo regimento, nós não podíamos fazer isso. Entregamos os relatórios à Secretaria de Educação", diz o professor.

De acordo com ele, nem a Secretaria de Finanças nem o Tribunal de Contas colaboraram para a obtenção das informações necessárias. Grégio afirma que os dados fornecidos pela prefeitura não permitem saber nem mesmo qual é o número de professores de ensino fundamental na rede.

Na opinião do diretor de acompanhamento do Fundef no Ministério da Educação, Ulysses Semeghini, a justificativa para imobilidade do conselho do Fundef é "uma situação inusitada". "Nada impede que qualquer um dos conselheiros leve denúncias ao Ministério Público. Essa é a recomendação do MEC nas cidades com problemas semelhantes", diz.

A secretaria de Finanças do Município afirma que considera "improcedentes" as denúncias de sonegação de informações, porque passa o demonstrativo do Fundef mensalmente à Secretaria de Educação.

O Tribunal de Contas, por sua vez, alega que os "questionamentos feitos pelo conselho foram respondidos" e que obteve da prefeitura todas as informações necessárias para a fiscalização dos gastos, inclusive o quadro de professores do ensino fundamental.

Os documentos que a Folha Online recebeu como "resposta" da Secretaria de Educação, no entanto, não discriminam os valores gastos por tipo de funcionário. Uma planilha referente a gastos de 1998 separa os funcionários apenas em dois tipos: apoio e regência.

Denúncias sobre indícios de irregularidades no Fundef em São Paulo não faltam. A principal delas é a do uso do fundo para "tapar o buraco" deixado por gastos irregulares da prefeitura com outras verbas da educação.

Pela lei do Fundef, até 40% da verba pode ser gasta com reformas em escolas e compra de material didático. A prefeitura, no entanto, prefere gastar 100% do valor com folha de pagamento.

Segundo o vereador Vicente Cândido (PT), essa é uma estratégia para "economizar" outras verbas da educação, que estariam sendo gastas irregularmente.

Uma lista desses gastos foi encaminhada pela secretaria de Finanças à Câmara Municipal, no período em que Regis de Oliveira assumiu a prefeitura. O vereador obteve uma cópia do documento e encontrou cerca de 1.300 vencimentos que estariam sendo pagos irregularmente com o dinheiro da educação, entre aposentados e funcionários de outros setores. O uso incorreto das verbas estimado pelo parlamentar envolve R$ 13 milhões.

Por conta desse e outros motivos, as contas do prefeito Celso Pitta relativas a 98 foram reprovadas pelo TCM. Os gastos do Fundef, no entanto, foram aprovados mesmo sem o aval do conselho.

Nomeação

Em julho, quando os mandatos dos conselheiros do Fundef tiveram de ser renovados, três representantes de sindicatos de professores foram afastados do cargo, a pedido da Secretaria Municipal de Educação. Coincidência ou não, eles estavam entre os que questionavam a imobilidade dos relatórios durante as reuniões.

A atitude do secretário de Educação, João Gualberto de Meneses, no entanto, não é ilegal. A legislação do Fundef deixa para as câmaras municipais a decisão sobre as regras de escolha do conselho. Em São Paulo, os membros são nomeados pela prefeitura e não há cota estabelecida para sindicalistas.

A atual presidente do conselho, Iraildes Meira Pereira, eleita internamente, é integrante do Conselho Municipal de Educação. Waldir Grégio, o presidente anterior, é funcionário da prefeitura, chefiando a Delegacia Regional de Ensino 8.

Apesar de ter exercido as duas funções simultaneamente, o professor nega ter sofrido qualquer tipo de pressão da prefeitura para alterar relatórios. Grégio afirma que encontrou indícios de irregularidade, mas não teve condições de investigar. "Achamos que o dinheiro do Fundef estava indo para o caixa comum das contas da prefeitura, o que é proibido", disse. O Tribunal de Contas nega.

Ulysses Semeghini, do MEC, afirma que a escolha do conselho por nomeação do prefeito é um "desrespeito ao espírito da lei", que tem por objetivo criar mecanismos de fuscalizar o poder Executivo.

Legislação

A legislação do Fundef estabelece que pelo menos 60% das verbas do fundo devem ser usadas com salário de profissionais da educação. O restante pode usado em obras, material didático e outras despesas, desde que estejam relacionadas ao ensino fundamental.

O Sinpeem (Sindicato dos Profissionais de Educação no Ensino Municipal) reclama que o objetivo do Fundef, a "valorização do ensino fundamental", foi distorcido em São Paulo. A entidade pede que a cota mínima de 60% da verba destinada a salários sirva para pagar apenas os professores, excluindo outros funcionários voltados para o ensino de 1ª a 8ª séries.

"A prefeitura diz que todo o dinheiro é usado em salários, mas nosso holerite continua o mesmo desde a implantação do Fundef", diz Adelson Queiroz, diretor da entidade.

O problema do impasse sobre o que se pode fazer ou não com a verba vem da própria lei federal, que abre brechas para o uso do dinheiro fora de sua finalidade. O problema ocorre em tantas cidades que o MEC está preparando um cartaz para ser distribuído a todas as escolas do país, mostrando o que pode e o que não pode com o dinheiro do Fundef.

Alguns pontos "mal resolvidos" da lei estão sendo questionados na Câmara Federal. O deputado Gilmar Machado quer fazer uma lei para regulamentar a forma de escolha do conselho, que em muitas cidades é presidido pelo próprio secretário de educação. "O poder executivo não pode se auto-fiscalizar. Os conselheiros têm de ser eleitos pela comunidade de pais e professores", diz.

Machado é o relator da subcomissão da Câmara que investiga irregularidades no Fundef em 350 cidades do país. O deputado quer uma CPI para apurar as denúncias de desvios de verba.

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