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A
censura é uma "m..."
Cristina
Veiga
Equipe GD
Alguns
purismos são inexplicáveis. Como alguém
pode ser contra uma campanha que diz que "Droga é
uma merda" e não reclamar de a Globo chamar sua
novela, que passa em plena sete da noite, de "Filhas
da mãe"? É a mesma coisa. Antigamente,
"merda" era feio, chulo, palavra de baixo calão.
"Filha da mãe" também. Igualzinho,
sem diferença. Quem podia imaginar alguém falando
"foda-se" em público 20 anos atrás?
Hoje é normal.
O sentido
das palavras tem outro significado na boca do povo. Qualquer
pessoa, hoje em dia, fala palavrão sem estar falando
palavrão. Traduzindo: ao dizer, por exemplo, "é
foda", na verdade, está-se dizendo que é
difícil. "Puta-que-pariu" é sinônimo
de "que droga" (ops!), "que porcaria".
Falar que é "um saco" só quer dizer
que é chato. Nada mais. Pequenos, de seis, sete anos,
de escolas particulares (imaginem!) dizem, sem qualquer medo
de repressão, que fulaninho é "um babaca"
. Longe de pensar que essas pessoazinhas tenham idéia
da tradução exata da palavra.
Hoje em
dia tem até dicionário exclusivo de palavrão.
Qual é o problema, gente?! O Ziraldo tem toda razão
no artigo publicado pelo Jornal do Brasil e transcrito abaixo.
A ex-menina de rua, ex-usuária de droga e hoje escritora
Esmeralda Ortiz ("Por que não dancei") é
que tem razão. Ela acha que vetaram a palavra merda
porque "merda é fedida, droga não".
"Tem até um cheirinho bom", ironiza ela para
arrematar: "Tem até perfume com cheiro de droga
e ninguém diz nada".
Leia mais
- Campanha
troca palavrão por frase menos agressiva
- Droga sem meias palavras
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Campanha
troca palavrão por frase menos agressiva
A campanha
da prefeitura, que escolheu a palavra merda para chamar a
atenção para o problema da dependência
química, vai ficar careta. A próxima peça
da série publicitária, criada em abril pelo
cartunista Ziraldo, prezará a moral e os bons costumes:
''Quem faz a sua cabeça é você, não
a droga!'', alerta o novo slogan que estará estampado,
no início do próximo mês, em 150 painéis
espalhados pela cidade.
Ele dará
início à segunda etapa da campanha que contará
com outras quatro peças e em que serão distribuídos
ainda cartazes e camisetas. ''A simbologia será a mesma,
mas as frases virão ilustradas por desenhos do próprio
Ziraldo'', antecipa Leila Castanheira, secretária de
Projetos Especiais e coordenadora de marketing da prefeitura.
Segundo
Leila, a polêmica gerada por causa do emprego do termo
chulo é positiva, mas muito menor se comparada com
a ampla discussão que o tema sugere. ''Não queremos
exercer autoridade e nem desafiar a moral das pessoas, apenas
trazer para o centro dos debates uma questão que muitos
têm medo de abordar. Criamos ícones para os caretas'',
acredita.
O cartunista
Ziraldo, que não hesitou em ceder os direitos da campanha
ao município, estava com o projeto engavetado há
pelo menos 20 anos. Nenhum órgão governamental
havia se interessado, até então, pelo projeto,
mesmo tendo ele aberto mão do dinheiro. ''Seria constrangedor
para mim cobrar por um trabalho desta natureza. A causa é
tão nobre que já tem outras cidades querendo
usar a mesma campanha e eu já liberei'', conta ele,
que se inspirou na atitude do designer gráfico americano
Milton Glaser, criador do slogan I love New York.
Apesar
da repercussão positiva junto à população,
a campanha da prefeitura continua a ser alvo de críticas.
O presidente do Conselho Estadual Antidrogas, Murilo Asfora,
duvida que um dependente possa ser influenciado a abandonar
o vício com frases de efeito. ''A prefeitura deveria
gastar dinheiro para construir unidades hospitalares de atendimento
a esses pacientes'', aponta Asfora.
(Jornal do Brasil)
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Droga
sem meias palavras
O inferno
é o outro para quem precisa de Droga. Para quem tem
suas ânsias de emoção satisfeitas, o outro
é o barato. A maior de todas as drogas - de todos os
baratos - é a própria vida, o próprio
ato de viver. Claro, se este ato satisfaz os nossos desejos.
Há
poucos prazeres maiores, poucos deleites se igualam ao ato
de puxar um fuminho; dar uma cheiradinha tem sua graça...
ou a cocaína e a maconha não fariam tanto sucesso,
não justificariam tantos crimes, tanta dor, tanta tristeza,
tanta violência. Quando, porém, pronunciamos
a palavra droga, não estamos nos referindo a estes
atos corriqueiros (ainda que eles multipliquem por milhões,
e engrossem mil vezes a trilha de desgraça em que o
tráfico transformou o mundo).
Quando
falo de Droga nos cartazes que estão espalhados pelas
ruas do Rio - e os homens de boa vontade sabem disso - estou
me referindo à dependência, ao crack, ao pico,
às seringas infectadas, à Aids e à dor
das famílias. Em síntese, a à Droga a
que me refiro é a instituição. E quando
digo que a Droga é uma eme - e não escrevo a
palavra por inteiro aqui porque ela é inadequada a
esta página - estou retratando uma verdade da sabedoria
popular que deve ser repetida, divulgada, assumida! O cartaz
que provocou a polêmica é apenas um de uma grande
série. Eu gostaria de ser - no espaço adequado
- mais direto ainda e, digamos, mais rude.
Gostaria
de ver nos espaços que minha série está
sendo mostrada, imagens mais duras. Como por exemplo, gostaria
de desenhar uma pessoa com cara de viciado cheirando pó
e escrever sob a ilustração: ''Você cheira?
Dane-se!''. Só que, é claro, eu não escreveria
dane-se e sim o imperativo mais popular da linguagem nas ruas.
E, diante de uma figura de um fumante segurando nas pontas
dos dedos, um charo ou uma pedrinha de crack acesa, escreveria:
''Você fuma? Dane-se!''.
Porque,
meus amigos, quem sustenta o mercado da droga não são
operários, não; não é o povão,
não; não são os funcionários públicos
ou os caixas dos supermercados, os professores, os porteiros,
o trabalhador pendurado no ônibus. Não são,
não.
São
os granfas, os executivos estressados das finanças
e das especulações, os freqüentadores dos
corredores de certos palácios e prédios públicos,
são os irrealizados; os muito carentes e mal atendidos
existenciais, os mauricinhos; são os de rolex nos pulsos
e os dos carrões, os da ejaculação precoce,
os que não sabem tirar prazer no olho no olho, os que
não sabem que a droga é o outro. O barato, esclareço...
O que
quero é contribuir, ainda que um pouquinho, para começar
uma campanha de desglamourização da Droga, é
transformar o ódio que devemos ter por ela numa ''transgressão''.
Pois que ela, a transgressão, é que faz o sucesso.
O menininho
que ''arrebenta'' no colégio é macho-toda-a-vida,
aquele que tem coragem de ser amigo do aviãozinho que
sobe com ele ao morro (que faz sucesso com as gatas, que esnoba
os caretas, que nem uma Cannabis sativa estampada em alto
contraste na camiseta charmosa). Não há imagens
de bom gosto (nem camisetas charmosas) para quem acha a droga
- a droga instituição - uma eme!
Não
tem frase, nem ícone algum que sirva como símbolo
para aquele menino macho-toda-a-vida, que tenha coragem de
dizer para aquele outro que está descendo o morro com
o bolso cheio de Droga: ''Você é uma Vavaca!''
(Eu queria escrever a palavra ''chula'' das ruas, mas outra
vez por respeito, a esta página, fica só na
minha intenção).
Tenho
esta campanha guardada em minhas gavetas desde os anos oitenta
- são dez cartazes ao todo, alguns inclusive com ilustrações
coloridas - sempre esperando que alguém me a encomende.
Até agora não tinha aparecido. Há alguns
meses uma agência de São Paulo me pediu sugestões.
Mandei a campanha inteira - esta que está sendo apresentada
no Rio - e eles não entenderam. Gostaram, mas resolveram
usar apenas um dos tantos cartazes que compõem a campanha
toda. Não topei. Agora, a prefeitura do Rio, através
da secretaria de Assuntos Especiais decide usar seus espaços
para meus argumentos. Mergulhei de cabeça.
Acho que
é por aí que podemos começar a mudar,
ainda que fragilmente, o rumo das inúteis campanhas
- supostamente com objetivo similar - que conhecemos, sempre
patéticas, sempre sinistras, sempre desprovidas do
charme da espontaneidade. Quero começar a contribuir
para que adolescentes e adultos possam pensar e dizer numa
boa: ''Eu sou sensacional, sou um barato, sou uma alegria
de viver, sou o rei do pedaço, sou bem amado e sou
legal. E acho droga uma eme! Careta é a ...!''
ZIRALDO
(Jornal do Brasil)
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