O setor de atendimento ao consumidor é o que mais emprega
no Brasil. Gera hoje 1 milhão de empregos, segundo
a Associação Brasileira das Relações
Empresa Cliente (Abrarec). Começou 2007 com 750 mil
vagas diretas, de acordo com a Associação Brasileira
de Telesserviços (ABT), o que representa um aumento
de 33,33% de lá para cá. Mas o ritmo desse crescimento
deverá ser ainda mais acelerado até o fim do
ano, por conta da nova regulamentação para o
setor de call center, aprovada em 31 de julho pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. As companhias têm
até 31 de novembro para se adaptarem a uma série
de regras, o que significará para muitas delas ampliar
o quadro de funcionários e o investimento em treinamento
e qualificação.
Como terão de oferecer atendimento 24 horas por dia,
sete dias na semana, e o usuário deverá ter
no primeiro menu eletrônico a opção de
contato direto com o atendente que não serão
autorizados a fazer diversas transferências na chamada
(pelo menos o cliente não será obrigado a repetir
o pedido), as companhias precisarão investir mais na
preparação de quem atua na linha de frente.
Algumas precisarão procurar um perfil de profissional
mais qualificado.
A Almaviva do Brasil estima crescimento entre 25% e 35% no
seu quadro de funcionários entre no ano que vem. A
empresa, que atualmente tem 5 mil funcionários, tem
300 vagas abertas, mas planeja a contratação
de mais 1,5 mil pessoas para atender as novas normas do setor.
"Provavelmente o perfil do profissional também
deve mudar com as organizações contratando pessoas
de nível universitário e não só
médio, como é comum hoje", afirma o diretor-comercial
da corporação, Roberto Ribeiro.
O executivo também acredita que o tempo de treinamento
deverá subir, de uma semana para no mínimo um
mês (dependendo do setor), para garantir que o operador
fique apto a conhecer melhor o produto do cliente, já
que não terá a opção de transferir
para outros especialistas. "Teremos inclusive de reunir
os funcionários para explicar porque estão havendo
mudanças e porque terão de seguir novos procedimentos",
lembra. Outra alternativa que a empresa estuda é conversar
com os contratantes para buscar alternativas de pagamento
para que o trabalho seja mais atraente. Uma das idéias
é ter remunerações variáveis de
acordo com rendimento dos operadores, até para atrair
pessoas mais qualificadas.
Marcelo Amorim, presidente da NetcallCenter Orbium, fornecedora
de software para as empresas de call center, conta que três
clientes já pediram um reforço nos treinamentos,
o que totaliza dezenas de pessoas antes mesmo de entrar em
vigor a regulamentação. "Muitos estão
também incentivando o uso de chat no atendimento, o
que demanda menos gastos", diz.
Em contrapartida, a Voxline, que tem 2,4 mil funcionários
e 1,5 mil posições de atendimento, defende que
as organizações que estão adequadas às
boas práticas de recrutamento e seleção
já têm definido o perfil do atendente e não
vão mudar isso em função das novas normas.
Segundo o diretor-presidente da empresa, Lucas Mancini, as
companhias contratantes dos serviços de terceiros é
que terão que se adaptar e rever seus processos para
fornecer informações mais precisas aos operadores.
"Elas precisarão dar condições para
que eles tenham autonomia", diz. "Nós já
investimos 7% do nosso faturamento - que foi de R$ 30 milhões
em 2007 e deverá subir para R$ 50 milhões em
2008 - em treinamento", diz. A previsão, segundo
Mancini, é aumentar em 30% seu quadro de funcionários
este ano.
Quem também não acredita em grandes mudanças
na forma de treinamento é Stan Braz, diretor -executivo
da Abrarec. De acordo com ele, o treinamento em call center
sempre foi uma forma de corrigir deficiências básicas
da formação oferecida pelo governo, na linguagem
escrita, falada e no comportamento. O impacto maior das novas
regras será na contratação e na dinâmica
que isso provocará na sociedade. "O setor de call
center vai ampliar ainda mais sua importância como fonte
do primeiro emprego dos jovens", afirma. Segundo o diretor-presidente
da Abrarec, o único caminho para jovens que querem
seguir a carreira administrativa ou na área de tecnologia
é o contact center. Inclusive, o primeiro emprego de
45% deles é na área. "É uma opção
para o futuro", diz. A própria Abrarec já
negocia com o governo estratégias de capacitação,
numa tentativa de abastecer as empresas com jovens treinados
para atender o crescimento do setor nos próximos anos.
Mas para adequar suas operações às novas
regras do setor, além dos operadores, as empresas terão
que se preocupar em preparar melhor também os seus
supervisores. Normalmente, esses profissionais são
antigos operadores que, pelo bom desempenho, foram promovidos.
Por essa razão, não possuem grandes habilidades
gerenciais. "Os gestores terão que ser preparados
até para lidar com essas primeiras turbulências
provocadas pelo decreto", alerta Celina Beatriz Gazeti,
diretora da Cliv Solution Group, consultoria nas áreas
de marketing, TI, seleção, treinamento e reestruturação
de equipes. Esses profissionais terão que diminuir
a tensão e propiciar um clima mais ameno de trabalho,
para não afetar a produtividade de quem atua na área.
Vladimir Valadares, diretor-executivo da V2 Consulting, que
atua nas áreas de gestão da qualidade e do relacionamento
com clientes, afirma que por falta de pessoas qualificadas,
as empresas acabam flexibilizando o perfil desejado para preencher
os postos de supervisão. Mas quando as novas regras
estiverem em vigência, o papel do gerente imediato será
ainda mais importante. Ele dará dicas, ajudará
na prestação do serviço e no feedback
para os operadores. "Hoje já é visível
quando uma equipe de atendimento tem um bom líder e
isso vai ser mais gritante quando os atendentes tiverem autonomia
e precisarem resolver as questões rapidamente",
diz.
Apesar dos impactos já significativos advindos das
novas regras, outras mudanças ainda poderão
acontecer. Um dos itens discutidos para entrar no decreto,
que ficou de fora, pelo menos por enquanto, é a necessidade
de atendimento do clientes após no máximo 60
segundos de espera. "Estimamos que, se isso acontecer,
o número de pessoas a mais nos atendimentos subirá
até 50%", diz Valadares. "Mas ainda é
tudo muito novo. Alguns vão escalar aqueles que fazem
trabalhos periódicos e cada um vai descobrir sua forma
de adaptação", diz. Tudo para evitar, a
partir de dezembro, multas de até R$ 3 milhões
por alguma infração às novas regras.
Luiza Dalmazo
Valor Econômico
Áudio
dos comentários
|