Nas noites
de sábado, as portas da escola municipal Campos Salles,
na favela de Heliópolis, se abrem para Braz Nogueira
ensinar caratê a crianças e jovens -alguns dos
quais tenderiam a procurar confusão nas ruas, liderar
gangues ou até entrar em grupos como o PCC. Mas, ali,
a arte marcial é um experimento de autocontrole. "Eles
aprendem a brigar justamente para combater a violência",
conta Braz.
As aulas de caratê são, para o faixa-preta Braz,
uma espécie de hobby. Nos dias da semana, ele é
o diretor daquela escola, onde aprendeu que saber lidar com
a violência é tão importante quanto ensinar
português e matemática.
"Quando cheguei aqui, havia uma média de cinco
brigas por dia entre os alunos."
O que acontecia na Campos Salles apenas refletia o ambiente
da favela, com 110 mil habitantes, submetida por marginais
ao toque de recolher. Boa parte das famílias são
desestruturadas, e a imensa maioria dos jovens não
tem emprego. Ensinar artes marciais pareceu-lhe um caminho
para discutir, sem discursos, a violência. "O caratê
se presta como uma aula de diálogo."
Mas seu melhor golpe ocorreu em razão de uma tragédia.
Em 1999, uma das alunas da escola -Leonarda Soares Alves-
foi assassinada. Braz procurou a ajuda do líder comunitário
João Miranda. Planejaram uma passeata pelas ruas de
Heliópolis contra a violência. Desde então,
a cada ano, a passeata tem mais participantes. A próxima
já está em preparação para o dia
8 de junho.Com vários meses de antecedência,
os alunos elaboram textos sobre temas ligados à cidadania
e os colocam nos murais da escola.
Braz transformou a Campos Salles num laboratório comunitário.
Daí que, aos sábados à noite, em vez
de estar fechada, a escola oferece aulas de caratê.
E, em vez de os jovens estarem nas ruas, estão aprendendo
a dialogar. Criam-se assim laços de confiança,
o que ajuda a preservar a Campos Salles. Certa vez, roubaram
todos os computadores da sala de informática. Depois
de dar queixa na polícia, Braz parou num bar e, conhecendo
algumas pessoas, disse: "Os filhos de vocês foram
roubados". Todos ouviram em silêncio. Dois dias
depois, os computadores estavam de volta.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
|