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11/02/2008
Carta da semana
desabafo da pesquisadora da UFMG a respeito do ‘pedagogês’
e das avaliações
“Creio que a necessidade de traduzir o
‘pedagogês’ é uma questão
que sucede à incorporação da avaliação
de sistemas de ensino nos cursos superiores de Pedagogia.
No Brasil, as avaliações educacionais sistêmicas
já estão consolidadas. O INEP/MEC realiza o
SAEB com metodologia comparável desde 1995. Vários
estados e municípios também desenvolveram suas
metodologias de avaliação. Algumas redes particulares
também o fazem. Com tudo isso, já se encontram
completamente mapeados os níveis de desempenho escolar
dos sistemas de ensino regionais, estaduais, nas redes de
ensino pública e privada, etc. Com pequenas variações,
sabe-se que o que você mostrou dos resultados da Prova
São Paulo é o retrato do ensino brasileiro,
que vem apresentando níveis sofríveis mesmo
na rede privada (vide resultados do PISA). Também já
se conhece muito bem os fatores associados ao desempenho dos
alunos. A maior parte da explicação para o desempenho
escolar encontra-se fora da escola, na origem social dos alunos
nela matriculados. Mas, embora pequena, a parcela explicativa
associada às escolas pode fazer diferença para
muitos alunos. Infelizmente, todas essas produções
de pesquisas e conhecimento, de uma forma geral, não
faz parte do currículo da maior parte das faculdades
de Educação do país.
Apesar dos incentivos governamentais para a formação
de especialistas em avaliação[1], essa área
continua território restrito de poucos pesquisadores[2].
De uma forma geral, os cursos de pedagogia que incorporaram
as avaliações sistêmicas nos seus currículos
e apenas alguns cursos de pós-graduação
oferecem disciplinas (geralmente optativas) na área,
com freqüência não muito regular. Os alunos
desses cursos não recebem formação para
compreender o conteúdo das avaliações.
Eles mesmos não compreendem as escalas e o 'pedagogês'.
Isso, em parte, reflete a posição ‘política’
dominante em muitos professores desses cursos que rotula as
avaliações como prática ‘neoliberal’,
como uma política contra o professor, para definir
salários através de responsabilização,
etc. É como se os alunos tivessem que aprender a ser
contra as avaliações sistêmicas. Assim,
há muito pouco espaço para a formação
crítica dos alunos em relação ao conteúdo
das avaliações, à capacitação
para tradução das escalas de desempenho e, principalmente,
à incorporação dos seus resultados na
prática de ensino visando a melhoria dos resultados
escolares para todos os alunos. Enquanto a discussão
ideológica domina os currículos dos cursos de
pedagogia e as pós-graduação em Educação,
esses cursos e programas não se sentem nem um pouco
responsabilizados pelos profissionais que estão formando,
muito menos pelos sofríveis resultados educacionais
do país. Pode-se dizer que a formação
crítica em avaliação educacional sistêmica
é território restrito de poucos grupos de pesquisas,
mas com capacidade muito limitada de influir na formação
dos futuros profissionais das escolas.
O MEC divulgou que os cursos de pedagogia serão alvos
de fiscalização (tal como ocorreu nos cursos
de direito), devido ao sofrível resultado dos alunos
egressos desses cursos no ENADE (e são esses alunos
que se tornarão professores de nossos filhos!). Mas
provavelmente essa fiscalização não irá
avaliar conteúdos curriculares. Na verdade, acredito
que a ausência da avaliação sistêmica
dos currículos não é uma questão
que está posta junto aos fóruns representativos
dessa área (na Capes, na Anped, nas associações
de professores e de escolas, por exemplo). Predomina muito
mais, nesses fóruns, as posições contrárias
às avaliações.
Conheço mais de perto a realidade do curso de pedagogia
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) considerado,
de acordo com o ENADE, um dos melhores do Brasil. Há
apenas um único professor que apresenta (em nível
introdutório) a temática das avaliações
sistêmicas no programa de uma disciplina de graduação
do ciclo básico (primeiro ano) e oferece, às
vezes, uma disciplina na pós-graduação
em Educação[3] . Este professor[4], um dos maiores
especialistas em avaliação educacional do Brasil,
está na Faculdade de Educação da UFMG
há cerca de três anos, após mais de trinta
anos de carreira (até o posto de prof. titular) no
departamento de estatística da mesma universidade.
Transferiu-se de departamento na esperança de poder
influir com seu conhecimento na proposição de
políticas para a melhoria do ensino e da formação
de professores. Infelizmente, ele anda bem desanimado e pensa
em se aposentar (o que já é seu direito), pois
não vê muito espaço para a realização
desse sonho na Faculdade e no programa de pós-graduação.
O seu grupo de pesquisa é visto com desconfiança
pelos pares, não há interesse em contratar mais
professores especialistas na área, os alunos interessados
em estudar o tema da avaliação educacional têm
dificuldades em ser aceito no programa de pós, etc[5].
Outro dia, conversando com ele sobre essas questões,
especulamos que infelizmente a área da Educação
(cursos de pedagogia e programas de pós-graduação
em Educação) está perdendo o bonde da
história, se fechando e se retro alimentando em uma
crítica muitas vezes sem conhecimento e conteúdo,
deixando espaço para que outras áreas de conhecimento
dominem totalmente a área e assim ditem as políticas
educacionais do país (os economistas, principalmente).
Talvez a educação se mexa quando os economistas
resolverem traduzir o ‘pedagogês’, tal como
fizeram como o ‘economês’, a fim de defender
o seu território corporativo.”
Maria Teresa Gonzaga
Alves, pesquisadora do Grupo de Avaliação Educacional
da UFMG, doutora em Educação (UFMG) e mestre
em Sociologia (USP).
____________
[1] Por exemplo, o PROAV e o Observatório
da Educação, programas da Capes para estimular
a formação de recursos humanos com expertise
em avaliação educacional.
[2] A maioria deles faz parte da ABAVE, Associação
Brasileira de Avaliação Educacional.
[3] Há outras disciplinas que incluem leituras sobre
avaliação, mas em geral, são textos com
viés ideológico, da crítica sem conhecimento
da área.
[4] Prof. José Francisco Soares
[5] Há outros professores que de forma isolada ou através
de grupos de pesquisa se envolvem com avaliações
sistêmicas principalmente como consultores para, por
exemplo, a elaboração de provas e/ou interpretação
de escalas, mas esse conhecimento não está efetivamente
incorporado ao currículo dos alunos.
____________
Maria Teresa Gonzaga Alves
publicou:
ALVES, Maria Teresa Gonzaga; SOARES, José
Francisco. Efeito-escola e estratificação escolar:
o impacto da composição de turmas por nível
de habilidade dos alunos. Educação em Revista,
Belo Horizonte, p. 25-60, 2007.
SOARES, José Francisco; ALVES,
Maria Teresa Gonzaga. Desigualdades raciais no sistema brasileiro
de educação básica. Educação
e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 147-165, 2003.
SOARES, José Francisco; ALVES,
Maria Teresa Gonzaga; OLIVEIRA, Rafael Milagres. O efeito
de 248 escolas de nível médio no vestibular
da UFMG nos anos de 1998, 1999 e 2000. Estudos em Avaliação
Educacional, São Paulo, n. 24, p. 69-117, 2001.
ALVES, Maria Teresa Gonzaga; FRANCO,
Creso. A Pesquisa em eficácia escolar no Brasil: evidências
sobre o efeito das escolas e fatores associados à eficácia
escolar. In: Pesquisa Em Eficácia Escolar Origem e
Trajetórias. Editora UFMG. No prelo. (previsto para
1º semestre 2008)
ALVES, Maria Teresa Gonzaga; Soares,
José Francisco. O efeito das escolas no aprendizado
dos alunos: um estudo com dados longitudinais no ensino fundamental.
Pare dos resultados da tese de Doutorado, apresentado na ANPOCS
– 2006 e Submetido.
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