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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
02/04/2007
Cheiro do ralo

É possível detectar rapidamente um erro de política econômica. Não é o que ocorre na área social


O economista Náercio Menezes, professor da USP e do Ibmec, descobriu que o uso do computador nas escolas públicas não modifica o desempenho dos alunos. Para ser mais preciso, aqueles com acesso à informática têm nota 0,03 mais alta - ou seja, nada.

Para chegar a esse resultado, contrário ao senso comum, ele mergulhou nas notas e no perfil socioeconômico de 218 mil alunos do ensino fundamental e médio espalhados em 5.600 escolas de todas as regiões do país. Do cruzamento de dados apareceu uma série de fatores, devidamente ponderados matematicamente, que ajudam o estudante - entre os principais fatores estão a escolaridade da mãe, ter freqüentado a pré-escola, a existência de livros em casa e o número de aulas por dia.
Daí se constatou que a presença dos laboratórios de informática não fazem a diferença. O dado é significativo porque os governantes anunciam planos bilionários para disseminar a informática entre os estudantes, inclusive dando-lhes notebooks. Não significa que o acesso aos computadores seja um investimento irrelevante, muito pelo contrário.

Mas será um desperdício se os professores não receberem treinamento e a informática não integrar um plano de ensino - assim como uma biblioteca não fará efeito se os alunos não gostarem de ler. Divulgado na semana passada, o estudo do professor Naércio sinaliza a crescente sofisticação, traduzida em números, para perceber como os recursos públicos são jogados no ralo, devido ao baixo ou nulo impacto.

Na área econômica, as avaliações são rotina. Somos informados todos os dias sobre os níveis de emprego, de inflação, das exportações, das importações, e assim vai. É possível detectar rapidamente um erro de política econômica. Não é o que ocorre na área social. Peguemos os CEUs, tão badalados (e caros), lançados na gestão do PT na Prefeitura de São Paulo e ampliados na atual administração. Os equipamentos são maravilhosos e melhoraram a paisagem da prefeitura, vendidos como uma revolução educacional?

Nenhum CEU aparece na lista das 50 melhores escolas municipais, avaliadas pelas notas de português e de matemática; algumas dessas escolas estão localizadas em bairros miseráveis. Pode-se dizer (com alguma razão) que os CEUs ainda não tiveram tempo de mostrar resultados. Mas também não se pode comemorar. O estudo do professor Naércio Menezes traz a inevitável pergunta sobre se aquela mesma verba não produziria notas melhores caso fosse aplicada na ampliação e melhoria da rede de pré-escolas - afinal, os alunos que cursaram a pré-escola, segundo a pesquisa, demonstram melhor desempenho.

Tais números diminuem o "chutômetro" de políticas sociais e deveriam servir para inibir a fúria de inaugurações para fixar a imagem dos governantes. Quando Lula lançou o "Fome Zero", técnicos advertiram que o programa estava sem foco, baseado em dados errados. Pouco tempo depois, saiu uma pesquisa do IBGE indicando que o problema da obesidade é muito mais presente que o da desnutrição. O plano contra a fome, colocado como a prioridade das prioridades, acabou arquivado, jogando dinheiro no ralo.

Já o Bolsa Família mostra que, com pouco dinheiro, pode-se diminuir muito mais eficazmente a pobreza e distribuir a renda do que o aumento do salário mínimo. Essas comparações é que, cada vez mais, vão sustentar programas de longo prazo.

O governador Sérgio Cabral Filho viu na Colômbia como a gestão integrada de diferentes níveis de governos e departamentos, focada na comunidade, se traduz em redução de gastos e aumento da eficiência. O que explica, em boa parte, como Bogotá e Medellín reduziram tão rapidamente seus níveis de violência. São evidências que influenciaram a decisão do governador de aplicar esse mesmo tipo de integração em zonas de conflitos no Rio, evitando a pulverização administrativa.

Vamos agora a um exemplo de desperdício anunciado. A sofisticação dos métodos para avaliar a relação custo-benefício está radicalmente na contramão de uma decisão de Lula de criar uma televisão pública ao custo de R$ 250 milhões. Nem precisaria nenhum cálculo refinado para perguntar se não seria o caso de fortalecer as emissoras educativas públicas já existentes, todas frágeis, em vez de criar uma concorrente delas. Esse é mais um caso, entre tantos, em que sentimos o cheiro do ralo.


PS- Bem empregado, o computador é um valiosíssimo instrumento para estimular o aprendizado. Tenho visto, dentro e fora do país, as maravilhas da educomunicação - a comunicação aplicada à educação. Descobre-se o encanto de aprender através da produção de vídeos, blogs, fanzines, jornais, fotografias, rádio e televisão. São recursos que ajudam a dar sentido aos conteúdos das salas de aula, estimulam o ensino da língua e desenvolvem a auto-estima do aluno. Separei, no site, experiências, no Brasil, de comprovado sucesso no uso da comunicação para estudantes, algumas delas em fase de disseminação na rede pública.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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