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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
02/10/2006
A verdade óbvia sobre a corrupção

Limpando a gritaria eleitoral, é inegável que o brasileiro tem cada vez mais controle dos trâmites de recursos oficiais


As seguidas denúncias de corrupção, amplificadas ainda mais no período eleitoral, transmitiram uma deprimente sensação à opinião pública - a de que o país está perdendo a guerra contra a corrupção.

Errado: apesar de derrotas localizadas, em meio a indas e vindas, o Brasil está ganhando essa guerra.

Ainda é difícil, neste momento emocionalizado com seus mensalões, sanguessugas e tentativas de compra de dossiê com dinheiro clandestino, perceber com clareza a consistência crescente dos mecanismos, dentro e fora da esfera pública, de controle do Estado.

O presidente Lula ilude ao tentar se desvincular de todas as mazelas, como se fosse uma virgem administrando um bordel. A oposição, por sua vez, em especial o PSDB, distorce ao falar em "mar de lama", sugerindo que se perdeu o controle; os tucanos comportam-se como se nunca tivessem tido envolvimento com fundos ilegais de campanha.

Limpando a gritaria eleitoral, um fato é inegável: o cidadão brasileiro tem cada vez mais controle sobre os trâmites de recursos oficiais.

Não perceber isso é desinformação ou, pior, desonestidade intelectual, assim como não saber que ainda persistem graves desvios de dinheiro.
Vamos a um pouco de história.

Até pouco tempo atrás, os governadores usavam e abusavam dos bancos estaduais; a imensa maioria deles foi privatizada, depois de amplo enfrentamento com grupos de pressões.

As contas públicas eram um emaranhado incompreensível porque havia três orçamentos: o dos governos, o das estatais e o monetário. Boa parte desses recursos nem sequer era apreciada pelos deputados e senadores.

Lembro-me das terríveis brigas para garantir que o Banco do Brasil continuasse produzindo dinheiro por meio de um mecanismo chamado "conta-movimento", que o autorizava a dar ordens ao Banco Central.

Grosseiramente comparando, era algo parecido ao adolescente ter o direito ao cartão de crédito do pai -e o pai a obrigação de obedecer às estripulias financeiras do filho.

A corrupção diminui, em parte, apenas porque as imensas estatais foram simplesmente privatizadas. Uma de nossas grandes conquistas foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, que contribuiu para que fosse amenizada a fúria de gastos dos governos.

O Ministério Público ganhou poderes e passou a dar mais dores de cabeça aos governantes. A Polícia Federal ganhou mais força e vem desbaratando quadrilhas.
Apesar de toda a histeria por holofotes -e , muitas vezes, da péssima qualidade das investigações-, as CPIs amedrontam os atuais e futuros delinqüentes. Criou-se a Controladoria Geral da União (CGU), que vem descobrindo uma série de falcatruas nas prefeituras. Alguns de nossos melhores repórteres estão focados na descoberta de escândalos, sempre com muito espaço para divulgação.

As novas tecnologias de informação favorecem a localização de dados, além de permitirem a racionalização de gastos oficiais. Estão se tornando rotina na administração pública os leilões, que revelam como se pode economizar.

Há ainda enormes falhas, é verdade. Uma delas é a ineficiência dos conselhos municipais com representantes dos governos e da sociedade para fiscalizar os gastos em áreas como saúde, educação, assistência social etc.; esses conselhos se transformaram, na maioria das vezes, em apêndices do setor público. Uma das ações urgentes é capacitar esses conselhos. A lerdeza da Justiça e a profusão de recursos protelatórios acabam favorecendo a impunidade.

Outra, muita grave, é a baixa escolaridade brasileira, que se traduz na incapacidade de ler e entender notícias. Além disso, verifica-se o aumento do prestígio da idéia de que todos os políticos são iguais e do "rouba mas faz".

Mas deixar de reconhecer a criação e o aprimoramento de mecanismos de controle do Estado -e aí se inclui a roubalheira- é, além de desonestidade intelectual, um desrespeito e uma injustiça a um grande grupo de brasileiros que, na imprensa, no Ministério Público, no Congresso, na polícia e em entidades não-governamentais não desistiram diante do clima generalizado de impunidade e de desperdícios.

P.S. - Um dos perigos de não mostrar esse fato é que as pessoas deixem de acreditar na democracia e acabem apostando em pretensos salvadores da pátria.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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