Hugo Possolo levou a sério
o que viviam lhe dizendo carinhosamente quando estava na adolescência.
"Você é um palhaço", repetiam.
O que deixava as pessoas intrigadas era como ele conseguia,
no palco, esquecer a timidez, tornar-se subitamente extrovertido
e provocar gargalhadas. Cursou jornalismo, mas logo notou
que não daria certo. Seu talento residia no circo.
Agora, aos 43 anos, está criando uma escola para os
que, profissionalmente ou não, gostam de fazer de rir.
O prazer do palco já tinha se manifestado nele na infância
-isso para o incômodo de muitos de seus primos. Hugo
os obrigava a encenar peças que ele criava para as
crianças de um orfanato. "Os primos iam de cara
amarrada, mas iam."
Ele nunca deixou de ser tímido -em ambientes públicos
prefere ficar de lado, longe do burburinho-, mas, no palco
ou no picadeiro, é tomado pelo palhaço. Há
16 anos, fundou o grupo Parlapatões, com a proposta
de misturar a cultura popular à erudita. A linguagem
circense se presta para encenar Shakespeare, falar sobre Alexandre
Magno ou dos mitos gregos. Na semana passada, o grupo levou
para um palco a céu aberto, em frente da favela de
Heliópolis, uma peça sobre Hércules.
As famosas tarefas de Hércules foram trocadas por problemas
bem mais concretos para o paulistano: a violência e
o tráfico de drogas, por exemplo. "É só
assim que conseguimos nos fazer entender se quisermos mexer
com a cultura clássica."
Para a realização desse espetáculo, realizaram-se
as mais diversas oficinas com pessoas dispostas a aprender
sobre teatro. As oficinas iam desde a escrita de texto teatral,
encenação, música e cenografia até
o figurino. "A experiência apenas reforçou
nosso prazer em ensinar."
O Parlapatões prepara-se para ter seu próprio
teatro e formar pessoas que queiram ser comediantes. Já
conseguiu um espaço na sombria e deteriorada praça
Roosevelt, cujos arredores estão se transformando em
reduto do teatro alternativo paulistano; por isso, a reforma
da praça prevê áreas para encenações.
Lá, está o Satyros, um grupo experimental que
faz circular de madrugada pela praça, antes só
habitada por travestis, drogados, mendigos e traficantes,
gente interessada em arte contemporânea.
Hugo quer diversificar ainda mais essa paisagem humana. Um
dos objetivos de seu teatro, além de ensinar, é
atrair estudantes para aprender pelo riso.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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