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REFLEXÃO


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folha de s. paulo
04/04/2005
Jean coloca Severino no paredão

Pesquisa ainda inédita do Datafolha detectou que pelo menos 25 milhões de brasileiros com mais de 16 anos já têm acesso à internet. Essa evolução tecnológica ajuda a explicar uma sucessão de derrotas, neste ano, de alguns dos homens mais poderosos do país.

O presidente da República não conseguiu aumentar os impostos. O presidente da Câmara não conseguiu subir os salários dos deputados. O presidente do Supremo Tribunal Federal não conseguiu aumentar os proventos de seus colegas.

A arma do e-mail é um dos fatos novos, ainda não estudados, na política brasileira, por trás de tanta gente forte sofrendo derrotas em tão pouco tempo.

As propostas de aumento dos salários dos deputados e de elevação de impostos provocaram ondas de indignação em todo o país e deram origem a correntes de e-mails que chegaram aos computadores dos parlamentares. A presidência do STF tentou, sem sucesso, entrar na esteira de uma eventual subida dos proventos dos deputados. "Não há como um homem público, especialmente alguém eleito, ficar indiferente ao bombardeio virtual. Até porque, em muitos casos, recebe protestos diretamente de seus eleitores", afirma o engenheiro eletrônico Julio Smeghini, deputado federal (PSDB-SP), que, por trabalhar em empresas de tecnologia da informação, foi um dos primeiros brasileiros a dispor de e-mail.

Os parlamentares sabem que a tendência só vai crescer: cada vez mais pessoas, inclusive os pobres, usarão a internet, cujo acesso vai ficar mais barato tanto pelo custo das conexões como pelo dos computadores. É um dos meios de enfrentar o "Brasil Severino".

No seu misto de franqueza com vulgaridade e sensação de impunidade, o presidente da Câmara virou um símbolo nacional: ele defende, sem constrangimento, a contratação de parentes, o uso do governo para fins eleitorais e a distribuição de dinheiro público para seus colegas. O "Brasil Severino" só se sustenta na acomodação, na fragilidade e na ignorância dos indivíduos.

No "Brasil Severino", o governo incha a folha de pagamentos, dobra-se aos interesses corporativos, distribui recursos sem base técnica e, na falta de dinheiro, enfia a mão no bolso dos cidadãos, que, resignados, não reagem.

Mas há outro país ganhando força, no qual o e-mail é uma das armas capazes, pelo menos, de incomodar o "Brasil Severino".

O e-mail faz parte de um novo arsenal da cidadania brasileira a serviço, especialmente, da população beneficiada pelo crescimento veloz do número de matriculados no ensino médio e superior, o que, independentemente da qualidade dos cursos, significa gente menos desatenta.

Este país está mais com o perfil de Jean Wyllis, o principal personagem brasileiro da semana passada. Nascido em uma família pobre do interior da Bahia, gay assumido, cursou universidade pública e virou professor. Ajudou a criar um programa para ensinar direitos humanos numa faculdade de jornalismo. Não venceu o "Big Brother Brasil" por seus atributos físicos, mas, em boa parte, pelos dotes intelectuais; é quase o oposto do homófobo Severino, cujo prestígio se sustenta da troca de favores.

O "Brasil de Jean" é o da classe média com escolaridade, mas empobrecida nos últimos anos, inclusive pelo aumento dos impostos. Justamente esse segmento era o principal alvo da nova ofensiva do leão, que, como todos sabemos, não pára de engordar.

Num cálculo divulgado na quinta-feira pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, pagamos, no ano passado, R$ 648 bilhões para manter o poder público -ou seja, R$ 74 milhões por hora.

Na mesma semana em que o governo tentava aumentar ainda mais o imposto, soubemos que, nos últimos dois anos, a folha de pagamentos da União teve um acréscimo de 77 mil novos funcionários. Nem estou aqui contando o aumento dos servidores que se aposentam com salário integral.

A semana foi especialmente didática para os paulistanos, que, nos últimos anos, foram submetidos não só ao aumento de impostos federais estaduais mas também à elevação de taxas municipais. Por falta de pagamento, dezenas de prédios, inclusive escolas e postos de saúde, tiveram a luz cortada. A própria Secretaria das Finanças (impossível melhor simbolismo) ficou às escuras.

No "Brasil de Jean", o cidadão é mais atento, informado e irritado com a diferença entre o que paga e o que recebe dos governos. Com o e-mail, a irritação ganhou um canal institucional para protestos diários em tempo real. Este país está informando que, se o governo quer mais dinheiro, gaste menos e melhor - assim como qualquer cidadão sério.

Mandou também dizer, em milhares de e-mails, que, se Severino não vê problema em contratar parentes, tire o dinheiro do próprio bolso.

PS - De todos os desperdícios nacionais, nada me irrita mais do que o fundo criado, há cinco anos, para promover a inclusão digital (Fust). Já arrecadaram R$ 4 bilhões e, na semana passada, ainda estavam discutindo quando e como vão usá-lo para melhorar a educação pública. Não gastaram um único centavo. Esse dinheiro ajudaria mais brasileiros a se conectarem à internet e, portanto, a terem mais poder. Embora não seja parte de um complô, a falta de pressa é, nesse caso, conveniente.

Coluna originalmente publicada na Folha de São Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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