REFLEXÃO


Envie seu comentário

 
 

urbanidade
05/12/2007

Livro das vidas

Cada um dos autores paga o valor de R$ 360 para fazer parte do livro e, em troca, ganha uma cota para vender



Na maioria das vezes, um TCC (trabalho de conclusão de curso) é apenas uma formalidade acadêmica. José Eduardo Gutter transformou o seu num projeto de vida: decidiu criar uma editora para os que não têm não acesso a editoras.

Filho de migrantes do Paraná -o pai sobrevivia como mecânico e, agora, aos 73 anos, é taxista-, José Eduardo estudou em escola pública, fez curso técnico em edificação e conseguiu entrar na USP, onde se interessou por editoração.
Para realizar seu TCC, saiu à procura de poetas anônimos e inéditos.

Distribuiu panfletos em saraus e colocou pequenos anúncios nos murais de bibliotecas públicas. Daí nasceu a coletânea intitulada "Palavra de Poeta", trabalho em que deveria demonstrar o que tinha aprendido sobre técnicas de editoração. "Percebi que muitos originais interessantes ficam para sempre esquecidos numa gaveta", considera.

Depois de se formar na USP, ele, além de cuidar de montar seu próprio negócio, resolveu voluntariamente ajudar os "sem-editora" na publicação de seus contos e poesias.

Neste ano, ele lançou "Cantos da Cidade", uma coletânea de 34 poetas e contistas. Juntaram-se, entre outros, um padre, um pastor, um advogado aposentado, um ex-morador de rua, um administrador de empresas e uma deficiente física que vive presa a uma cadeira de rodas. "Esse mix de gente é que vai fazer a obra chegar aos diferentes cantos e públicos da cidade."

Cada um dos autores paga o valor de R$ 360 para fazer parte do livro e, em troca, ganha uma cota para vender. Vendem-se também os livros em diferentes eventos, num marketing boca a boca. Não há recursos para distribuição em livrarias. "Meu sonho é ter um espaço na Bienal."

A coletânea "Cantos da Cidade" já teve esgotada a sua primeira edição.
"Um dos autores já vendeu cem exemplares", orgulha-se.

Nessa rede de escritores inéditos, José Eduardo Gutter vem se deparando com personagens cujas vidas dariam romances. É o caso de um morador de rua que escrevia poesias -e, graças à sua paixão pela escrita, fez um concurso e hoje é funcionário público- ou de um operador de telemarketing que, para sobreviver psicologicamente ao trabalho repetitivo e massacrante, escreve contos nos segundos entre as ligações telefônicas. Para não perder o emprego, o funcionário usa um pseudônimo.

Inspirado na descoberta de personagens anônimos e com muitas coisas para contar, José Eduardo teve a idéia de criar uma coleção de curtas autobiografias populares, projeto que dará às pessoas a oportunidade de compartilhar as suas experiências mais marcantes. O nome desse projeto: "Livro da Vida".


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

COLUNAS ANTERIORES:
03/12/2007
Procuram-se "tiozões"
03/12/2007
Emprego de "tiozão" está em alta
28/11/2007
Fina estampa
26/11/2007
A doença do silêncio
26/11/2007
É muito pior do que eu pensava
21/11/2007 Poesia concreta
20/11/2007 Quanto custa a calhordice política
19/11/2007
Imagine São Paulo sem a USP e o Masp
14/11/2007
Cinema Paradiso
12/11/2007
Trabalhador é um luxo
12/11/2007
Como ganhar diploma de otário
Mais colunas