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REFLEXÃO


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urbanidade
06/07/2005
Sonhos de cemitério

O cearense Francivaldo Almeida Gomes, conhecido como Popó, veio para São Paulo de ônibus, a passagem comprada com dinheiro emprestado. "Nem sabia quando ia poder pagar o empréstimo." Trabalhou como operário da construção civil, faxineiro e zelador, mas só conseguiu prosperar mesmo quando foi parar num cemitério. "Encontrei minha vocação."

No final da década de 90, ele soube que estavam abrindo vagas para coveiro nos cemitérios de São Paulo. Era a chance de ter um emprego estável. Aprovado, foi mandado para o cemitério da Consolação. Começo difícil. "Tanta choradeira fez com que eu ficasse por um mês sem apetite." De madrugada, acordava sobressaltado por causa dos pesadelos.

Aos poucos, foi-se interessando pelas histórias de algumas das personalidades enterradas ali, como o conde Francisco Matarazzo, Monteiro Lobato, a marquesa de Santos, Tarsila do Amaral, Mário e Oswald de Andrade.

Observava, atento, às explicações do então administrador do cemitério, Délio Freire dos Santos. "Fazia anotações na minha mão." Nas horas vagas, descia a pé até a biblioteca Mário de Andrade, onde buscava mais informações. "Ficava fascinado com aquelas histórias de vida." Encantavam-no especialmente as façanhas empresariais e culturais dos Matarazzo, cujos túmulos se destacavam pela imponência.

Percebendo o interesse daquele coveiro, Délio Freire ajudou-o a conhecer melhor não só as personalidades mas também os escultores que faziam trabalhos para o cemitério da Consolação. Délio morreu -aliás, foi enterrado ali mesmo -e, na falta de um guia, chamaram Popó.

Na semana passada, Popó estava conduzindo um grupo de professores da rede municipal da região central. Descobriu que entre eles estava o subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo. "Nem sabia o que fazer." No final da visita, Popó deu-lhe de presente uma pequena pedra -uma lasca de um túmulo do cemitério Père Lachaise, onde estão enterrados ícones da história da França.

Assim como juntou dinheiro para realizar o sonho de vir para São Paulo, Popó agora sonha em ir a Paris e conhecer o Père Lachaise. "Vou acabar conseguindo. Nesta cidade, só sobrevive quem sobra." Até mesmo num cemitério.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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