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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
06/11/2006
Como a inteligência traz dinheiro

Área degradada do Recife foi transformada num porto digital, onde surgiram 105 empresas de alta tecnologia


Cinetistas brasileiros estão desenvolvendo um pequeno avião, quase um aeromodelo, capaz de reconhecer falhas nas linhas de transmissão de energia elétrica, para facilitar os consertos.

A engenhoca voadora é resultado de um dos mais interessantes sinais da inteligência brasileira: a transformação de uma área degradada do Recife, ocupada por marginais, mendigos e prostitutas, num porto digital, onde surgiram 105 empresas de alta tecnologia. Dali são exportados videogames, aplicativos para celulares e controle de frotas de veículos, em parceria com empresas como Nokia, Samsumg e Microsoft.

Um dos inspiradores do porto digital, o engenheiro Sílvio Meira, formado no ITA, lembra de que riam dele quando se falava em montar um centro de alta tecnologia no Nordeste. "Era motivo de gozação", comenta.

Nesse improvável cenário para empresas de alta tecnologia inventa-se algo maior -programas inteligentes contra a miséria brasileira.

A inteligência se resume em criar sistemas que, apesar da escassez de recursos, tenham eficiência, semelhante a de fazer um avião rastreador num bairro abandonado do Nordeste. Vamos dar um exemplo. Se o Bolsa Família, com seus quase 40 milhões de beneficiários diretos e indiretos, não ajudar a promover trabalhadores, mas mendigos oficiais, irá se desmoralizar. Dar o dinheiro é fácil; fazê-lo gerar pessoas autônomas, muito mais difícil.

A inteligência surge na montagem de um sistema no qual as famílias tenham acesso privilegiado a saúde, educação, geração de renda, numa malha em que conversassem as mais diferentes repartições dos mais diferentes níveis de governo, a exemplo de um software. O porto digital envolveu a prefeitura -afinal tinham de ser feitas reformas urbanas-, os governos estadual e federal, com os empréstimos de dinheiro, incentivos fiscais e aporte de recursos para o desenvolvimento de tecnologia, a universidade, com seus centros de pesquisas, e, enfim, os empresários e seu capital.

Está prestes a ser instalada no bairro uma escola pública de ensino médio, de tempo integral, onde os alunos serão profissionalizados para trabalhar em cadeias de produção digital. Faltam programadores nas empresas.

É uma tolice imaginar que de Brasília ou das sedes dos governos estaduais se conseguirá administrar uma rede de políticas públicas no interior do Nordeste, da Amazônia ou nas periferias das grandes cidades.

A diretriz pode ser nacional ou estadual, mas a costura só funciona se for local. Se não for cuidada, por exemplo, a saúde dos estudantes, eles dificilmente vão aprender por que enxergam ou ouvem mal. Ou sofrem de anemia. É o que vemos em São Paulo, a cidade mais rica do país, onde 30% dos alunos da rede municipal sofrem por falta de ferro, o que se traduz na incapacidade de concentração.

Vemos sinal da inteligência em programas de Belo Horizonte, em que, na falta de espaço, as crianças mais pobres, depois de sair da escola, passam o dia numa entidade da comunidade, onde, além de apoio educacional, recebem supervisão de saúde. Lá, criou-se o "Escritório da Criança", para mapear tudo o que existe na cidade, de teatros a museus, a ser ofertado para os alunos da rede pública.

Em Nova Iguaçu, no Rio, desenvolvem-se bairros educativos, em que todas as secretarias devem se empenhar em transformar a cidade em espaço de aprendizagem. Monta-se, assim, uma rede de ensino em tempo integral, de baixo custo, na qual se mesclam saúde, educação, esportes e cultura.

Em São Paulo, clubes públicos, muitos deles pouco utilizados, estão sendo preparados para receber estudantes depois do horário regular das aulas. A idéia é levar telecentros, bibliotecas e centros de saúde para esses clubes. A União Européia criou, na cidade, em parceria com o setor público, uma espécie de Poupatempo social: o indivíduo apresentado para todos os serviços federais, estaduais e municipais.

Apenas porque uma empresa de consultoria privada (INDG) ensinou técnicas de gestão para dirigentes da educação de Sergipe, algumas de suas escolas públicas deram um salto de qualidade, como se viu nos últimos resultados da Prova Brasil. Mecanismos de gerência mais modernos fizeram, aliás, os sergipanos subirem para os primeiros lugares no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Nordeste.
É apenas mais um caso para mostrar que a inteligência social não só economiza como produz dinheiro.

PS- Coloquei no site uma série de projetos sociais que, a exemplo do porto digital, são modelos de inteligência comunitária.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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