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Área
degradada do Recife foi transformada num porto digital, onde
surgiram 105 empresas de alta tecnologia
Cinetistas brasileiros estão desenvolvendo um pequeno
avião, quase um aeromodelo, capaz de reconhecer falhas
nas linhas de transmissão de energia elétrica,
para facilitar os consertos.
A engenhoca voadora é resultado de um dos mais interessantes
sinais da inteligência brasileira: a transformação
de uma área degradada do Recife, ocupada por marginais,
mendigos e prostitutas, num porto digital, onde surgiram 105
empresas de alta tecnologia. Dali são exportados videogames,
aplicativos para celulares e controle de frotas de veículos,
em parceria com empresas como Nokia, Samsumg e Microsoft.
Um dos inspiradores do porto digital, o engenheiro Sílvio
Meira, formado no ITA, lembra de que riam dele quando se falava
em montar um centro de alta tecnologia no Nordeste. "Era
motivo de gozação", comenta.
Nesse improvável cenário para empresas de alta
tecnologia inventa-se algo maior -programas inteligentes contra
a miséria brasileira.
A inteligência se resume em criar sistemas que, apesar
da escassez de recursos, tenham eficiência, semelhante
a de fazer um avião rastreador num bairro abandonado
do Nordeste. Vamos dar um exemplo. Se o Bolsa Família,
com seus quase 40 milhões de beneficiários diretos
e indiretos, não ajudar a promover trabalhadores, mas
mendigos oficiais, irá se desmoralizar. Dar o dinheiro
é fácil; fazê-lo gerar pessoas autônomas,
muito mais difícil.
A inteligência surge na montagem de um sistema no qual
as famílias tenham acesso privilegiado a saúde,
educação, geração de renda, numa
malha em que conversassem as mais diferentes repartições
dos mais diferentes níveis de governo, a exemplo de
um software. O porto digital envolveu a prefeitura -afinal
tinham de ser feitas reformas urbanas-, os governos estadual
e federal, com os empréstimos de dinheiro, incentivos
fiscais e aporte de recursos para o desenvolvimento de tecnologia,
a universidade, com seus centros de pesquisas, e, enfim, os
empresários e seu capital.
Está prestes a ser instalada no bairro uma escola pública
de ensino médio, de tempo integral, onde os alunos
serão profissionalizados para trabalhar em cadeias
de produção digital. Faltam programadores nas
empresas.
É uma tolice imaginar que de Brasília ou das
sedes dos governos estaduais se conseguirá administrar
uma rede de políticas públicas no interior do
Nordeste, da Amazônia ou nas periferias das grandes
cidades.
A diretriz pode ser nacional ou estadual, mas a costura só
funciona se for local. Se não for cuidada, por exemplo,
a saúde dos estudantes, eles dificilmente vão
aprender por que enxergam ou ouvem mal. Ou sofrem de anemia.
É o que vemos em São Paulo, a cidade mais rica
do país, onde 30% dos alunos da rede municipal sofrem
por falta de ferro, o que se traduz na incapacidade de concentração.
Vemos sinal da inteligência em programas de Belo Horizonte,
em que, na falta de espaço, as crianças mais
pobres, depois de sair da escola, passam o dia numa entidade
da comunidade, onde, além de apoio educacional, recebem
supervisão de saúde. Lá, criou-se o "Escritório
da Criança", para mapear tudo o que existe na
cidade, de teatros a museus, a ser ofertado para os alunos
da rede pública.
Em Nova Iguaçu, no Rio, desenvolvem-se bairros educativos,
em que todas as secretarias devem se empenhar em transformar
a cidade em espaço de aprendizagem. Monta-se, assim,
uma rede de ensino em tempo integral, de baixo custo, na qual
se mesclam saúde, educação, esportes
e cultura.
Em São Paulo, clubes públicos, muitos deles
pouco utilizados, estão sendo preparados para receber
estudantes depois do horário regular das aulas. A idéia
é levar telecentros, bibliotecas e centros de saúde
para esses clubes. A União Européia criou, na
cidade, em parceria com o setor público, uma espécie
de Poupatempo social: o indivíduo apresentado para
todos os serviços federais, estaduais e municipais.
Apenas porque uma empresa de consultoria privada (INDG) ensinou
técnicas de gestão para dirigentes da educação
de Sergipe, algumas de suas escolas públicas deram
um salto de qualidade, como se viu nos últimos resultados
da Prova Brasil. Mecanismos de gerência mais modernos
fizeram, aliás, os sergipanos subirem para os primeiros
lugares no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do
Nordeste.
É apenas mais um caso para mostrar que a inteligência
social não só economiza como produz dinheiro.
PS- Coloquei no site
uma série de projetos sociais que, a exemplo do porto
digital, são modelos de inteligência comunitária.
Coluna
originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
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